quinta-feira, 20 de março de 2025

[Matéria] Mistérios & Detetives Para o Sistema C4 de RPG

 

Rodrigo Rosas Campos


    Eis que o mestre (ou algum jogador do grupo) lê um livro de mistério em que o objetivo do protagonista detetive é descobrir quem cometeu o crime, seja um assassinato, um sequestro ou um grande roubo. Como levar isso para a mesa de RPG? Bom, qualquer sistema genérico pode rodar uma aventura em que o objetivo é descobrir o criminoso. Aqui, está claro que o cenário propriamente dito pode ser a cidade em que o grupo vive e joga e que cada aventura será um mistério diferente, com um novo elenco de NPCs que serão: as autoridades (que podem ou não serem recorrentes), os suspeitos, as vítimas, as testemunhas etc. e que os jogadores são os detetives que terão que descobrir quem matou (ou roubou etc.).


    Tendo o clima de investigação como premissa, o mestre usará a regra de ouro para selecionar as regras mecânicas que se encaixam nela e os jogadores terão que criar os personagens para desvendar o mistério apresentado pelo mestre. É neste ponto que todos os membros da mesa, tanto o mestre como os jogadores, deverão conhecer ao menos o básico do sistema usado. Assim, cada jogador saberá qual é o papel do mestre e como o papel dele e de cada um dos outros jogadores se complementam para a construção de uma história coletiva e divertida, o objetivo último de uma aventura ou campanha de RPG.

    Para início de conversa, se elimina a magia; todo personagem é humano; qualquer vantagem que seja impossível de se explicar por motivos de treino ou talento natural está proibida até para os NPCs. Vigilantes fantasiados ou super-heróis estão barrados em mistérios e detetives. Isso deverá ser feito com qualquer sistema que o mestre escolha para rodar uma história de mistérios e detetives: aqui, vamos ver como esse tipo de ambientação se encaixa no sistema C4. A seguir, temos o básico de C4, mas é necessário que jogadores e mestres leiam o manual do sistema.

O Básico de C4


    C4 (e suas versões) é um sistema de RPG genérico, criado por Tiago Junges, publicado pela editora Coisinha Verde, e que pode ser baixado gratuitamente. Ele é genérico, o que quer dizer que pode ser usado para a criação de qualquer cenário de jogo. Possui licença aberta, ou seja, qualquer material pode ser publicado usando as regras (mas não personagens e ilustrações) de C4.

    Na criação do personagem jogador, nenhuma perícia pode ser maior que +4. Os personagens em C4 evoluem com os pontos de progressão. Depois da aventura ou missão completa, o mestre distribuirá 1 ponto de progressão. Com este ponto, os jogadores vão melhorar seus personagens. 1 ponto de progressão poderá ser trocado por: +1 em uma perícia; +5 pontos de energia; ou +5 pontos de vida. Durante o jogo (aventura ou campanha), um personagem poderá chegar ao máximo de +6 por perícia. A munição é limitada em toda arma que dispara, esta é a única desvantagem no jogo.

    A perícia combate exige que o jogador especifique o modo como ele combate. Pode ser algo abrangente; combate (artes marciais)+4; mais específico, combate (karatê) +4; ou mais específico ainda, combate (socos)+4 ou combate (chutes) +4.

    A perícia Animais serve para adestrar, entender e cavalgar em animais de montaria. Veículos é usado para pilotar ou guiar qualquer veículo artificial. O jogador pode especificar o animal que o personagem sabe tratar, mas, se não o fizer, o personagem poderá usar qualquer montaria que o cenário permitir. Se o personagem possuir veículos +4, por exemplo, saberá conduzir ou pilotar qualquer veículo que o cenário apresentar. Mas se o personagem tiver veículos (carro) +4, ele só saberá guiar carros. Se o jogador especificar o modelo, veículos (Fusca)+4, ele só dirige Fuscas.

    A perícia conhecimento exige que o jogador especifique o assunto que ele conhece. Pode ser algo abrangente: conhecimento (sobrevivência) +4, sabe tudo de sobrevivência em qualquer situação; mais específico, conhecimento (sobrevivência na selva) +4; ou mais específico ainda, conhecimento (sobrevivência na selva amazônica) +4 ou conhecimento (sobrevivência no deserto do Saara) +4.

    Quais são as regras de Calisto 2.0 que podem ser retomadas em C4 neste cenário? Querendo usar Calisto 2.0 como suplemento, a regra de Calisto 2.0 que pode ser retomada em C4 para este tipo de cenário e ambientação é a aparência, somente.

    Ficha de Personagem de C4
    Nome:
    Conceito:
    Pontos de Vida:
    Pontos de Energia:
    Perícias etc.:
    *
    *
    *
    *
    *
    *

Ambientação


    Aqui tem mistérios. Você é um detetive e deve desvendar os mistérios propostos pelo mestre. As tramas possíveis são:
    Um assassinato. É imprescindível descobrir quem matou ou o crime ficará impune.
    O roubo de uma joia valiosa. É preciso descobrir quem roubou ou ela será vendida na ilegalidade.
    O roubo de uma obra de arte. É necessário descobrir quem roubou ou ela será vendida na ilegalidade.
    Um(a) inocente foi incriminado(a). Urge provar sua inocência ou uma injustiça será cometida.
    Uma dama misteriosa procura os detetives dos jogadores e é melhor ouvi-la ou uma informação valiosa pode se perder para sempre.
    Um suspeito(a) em fuga. É melhor capturá-lo ou ele(a) escapará!
    Um sequestro em que se tente resgatar a vítima e prender o sequestrador.

    Note que alguns destes motes são complementares, não excludentes. O suspeito em fuga pode ser alguém desesperado, não necessariamente o culpado. A pessoa incriminada deverá ter algum benefício com o crime, caso contrário o(a) criminoso(a) não a teria incriminado. É importante também que o cenário propriamente dito seja mostrado ou descrito de forma a dar pistas aos detetives/jogadores. Mais detalhes daqui a pouco. Mas que personagens os jogadores podem criar? São exemplos:

    Um(a) garoto(a) enxerido(a) que quer ser detetive. Ele(a) será subestimado(a) por todos e pode ser considerado(a) bem inconveniente pelos detetives profissionais, policiais, particulares ou repórteres criminais, mas poderá se mostrar genial se o jogador tiver malícia para contornar isso.

    Ficha de Personagem de C4
    Nome:
    Conceito: Um(a) garoto(a) enxerido(a) que quer ser detetive.
    Pontos de Vida: 20
    Pontos de Energia: 20
    Perícias etc.:
    * combate (karatê) +4
    * veículos (bicicleta ou skate ou patins) +4
    * percepção +2
    * coragem +2

    Um(a) detetive particular contratado(a). Possui uma inteligência acima da média e experiência. Esse tipo de personagem é contratado(a) pelos interessados no caso para resolvê-lo. O mais famoso deles, Sherlock Holmes, foi muitas vezes convocado pela própria polícia de Londres para ajudar em investigações truncadas.

    Ficha de Personagem de C4
    Nome:
    Conceito: Um(a) detetive particular contratado(a).
    Pontos de Vida: 20
    Pontos de Energia: 20
    Perícias etc.:
    * conhecimento (técnicas de investigação) +4
    * percepção +4
    * lábia +2
    * crime +2

    Um(a) detetive investigador(a) da polícia: possui autoridade estabelecida, o que em alguns sistemas se traduz em vantagem mecânica. Note que, mesmo que um ou mais jogadores escolham este tipo de personagem, o mestre terá que criar outros policiais como NPCs. É interessante que o(a) delegado(a) responsável pela delegacia do jogo seja um(a) NPC obrigatório(a).

    Ficha de Personagem de C4
    Nome:
    Conceito: Um(a) detetive investigador(a) da polícia.
    Pontos de Vida: 20
    Pontos de Energia: 20
    Perícias etc.:
    * conhecimento (técnicas de investigação) +4
    * percepção +4
    * combate (armas de fogo) +2
    * veículos (carro) +2

    Um(a) repórter policial tem como sua maior vantagem uma vasta experiência em investigação de crimes. Não possui poder legal, mas não tem a má fama do garoto(a) enxerido(a). Ainda que o(a) repórter policial tenha alguma má fama, não será por ser subestimado(a).

    Ficha de Personagem de C4
    Nome:
    Conceito: Um(a) repórter policial.
    Pontos de Vida: 20
    Pontos de Energia: 20
    Perícias etc.:
    * percepção +4
    * lábia +4
    * crime +2
    * veículos (carros) +2

    Um(a) médico(a) legista possui as vantagens de conhecer medicina legal, ter poder legal (estar a serviço da polícia) e ter acesso ao laboratório pericial. Mas este tipo de personagem, o mestre já pode ou não reservar como NPC.

    Ficha de Personagem de C4
    Nome:
    Conceito: Um(a) médico(a) legista.
    Pontos de Vida: 20
    Pontos de Energia: 20
    Perícias etc.:
    * conhecimento (medicina legal) +4
    * percepção +4
    * coragem +2
    * veículos (carros) +2

    Um(a) perito(a) da polícia tem como vantagens o poder legal (trabalha para a polícia) e o acesso ao laboratório pericial. O mestre também pode querer que seja um NPC obrigatório. A diferença do(a) perito(a) para o(a) médico(a) legista estará no tipo de conhecimento. O(a) médico(a) entenderá da parte médica ao passo que o(a) perito(a) terá um conhecimento científico mais abrangente, possuindo especializações que complementem a medicina do(a) médico(a) legista. Tanto o médico legista quanto o perito e os policiais precisam entender de leis. É aconselhável que os detetives particulares também. Muitos detetives particulares da literatura, TV e cinema são descritos como ex-policiais.

    Ficha de Personagem de C4
    Nome:
    Conceito: Um perito(a) da polícia.
    Pontos de Vida: 20
    Pontos de Energia: 20
    Perícias etc.:
    * conhecimento (técnicas de investigação) +4
    * percepção +4
    * tecnologia +2
    * veículos (carros) +2

Outros Detalhes


    Os lugares, personagens do mestre e eventos a espera dos jogadores terão que ser bem detalhados para que o grupo consiga chegar a uma conclusão. A cena do crime deve ser montada de acordo com o crime cometido, assassinato e roubo são diferentes crimes. Roubo de arte é diferente de roubo de joias ou dinheiro. Roubar um quadro é diferente de roubar uma escultura etc. Em uma cena de crime, pode haver a presença de um policial responsável, que pode gostar ou não de ver os jogadores. Os jogadores devem estar atentos para alguma prova negligenciada pelos policiais e detetives NPCs que passaram por ali.

    Na galeria de arte roubada, ou os jogadores conseguirão falar com o curador ou não. Em todo caso, talvez haja uma exposição em andamento, pois, apesar do roubo, a vida segue. Isso dependerá do delegado (NPC) e em quanto tempo a cena do crime ficará interditada.
    Na joalheria o dono da loja poderá estar ou não desesperado. Em todo caso, outras joias e relógios continuam expostos a venda.
    Na mansão da vítima podemos encontrar a governanta e fotos da vítima com um ou mais suspeitos.
    No boteco pé sujo, o balconista pode ter visto alguma coisa, fora os demais frequentadores mal-encarados que bebem ali. Pode ser o bar mais frequentado por um informante confiável etc.
    O laboratório pericial possui um técnico de laboratório (ou um papiloscopista) com instrumentos diversos de análises e um computador a serviço do(a) perito(a) e do(a) médico(a) legista.

    Outros elementos que podem ser relevantes são:
    A existência de algum informante que pode ser útil ao caso. Se ele ajudará por boa vontade ou se os jogadores terão que barganhar um preço em dinheiro ou favor, se a informação dele realmente vale a pena etc.
    Provas, onde elas serão encontradas? O que é preciso para que um objeto comprometa um suspeito? Etc.
    A vítima de roubo tinha seguro? É preciso verificar isso. A apólice está em nome de algum outro beneficiário? Onde está este documento? Existe alguma evidência de fraude contra o seguro?
    O testamento precisa ser examinado. Quem são os herdeiros da vítima?
    O que diz o laudo da autópsia?
    Se algum jogador tem acesso ao banco de dados da polícia, que informações confidenciais podem estar ali e ajudar no caso? Há algum suspeito de agora que já fora inocentado por falta de provas ou provas inconclusivas anteriormente?
    Só o(a) perito(a) da polícia e o(a) médico(a) legista estão autorizados(as) a usar o laboratório pericial. Mas algum detetive particular pode ter acesso a um laboratório próprio ou de outros.

    NPCs suspeitos são fundamentais e deverão ter características e motivações, em regras de RPG elas podem estar espalhadas em vantagens, desvantagens e na história do personagem. Sendo que tudo o que não for regra mecânica é pura história, mas essa história pode ou não colaborar como indício de inocência ou culpa. Vamos a alguns exemplos:
    Abigail Brito, refinada, entende de arte e é herdeira de uma grande fortuna, mas sua riqueza não será indício se a riqueza for prévia ao crime ou se sua fortuna não tiver ameaçada.
    Breno Costa, refinado, entende de arte e é herdeiro de uma grande fortuna. Em regras de RPG, sua ficha terá elementos semelhantes aos de Abigail Brito, mas algumas modificações sutis podem ser colocadas. Se ela entender mais de esculturas, ele pode entender mais de pinturas e vice-versa.
    Celina De Sousa, governanta, bem-educada e tem muitas dívidas.
    Dionísio Cardoso, mordomo, discreto e tem dívidas. Em regras de RPGs, estes podem ter culinária ou outras especializações que sirvam a afazeres domésticos como jardinagem, condução, mecânica etc.
    Elisa Borges, executiva, ambiciosa, almeja o controle da empresa.
    Fábio Linhares, executivo, ambicioso, quer montar sua própria firma. Em regras de RPG, os dois personagens anteriores terão especializações voltadas para administração, finanças e contabilidade.

    Todos podem ser suspeitos tanto de roubo quanto de assassinato, mas pessoas refinadas tenderão a ser mais suspeitas do roubo de arte. Podem conhecer receptadores em potencial, saberão retirar um quadro (ou escultura) do lugar sem danificá-lo(a) etc. Qualquer um pode roubar joias e dinheiro. Quem tem maior chance de ser o assassino(a) do magnata? O herdeiro direto, o empregado endividado e desesperado, ou o sócio que quis dar um golpe na firma e estava prestes a ser desmascarado? Os suspeitos podem e devem testemunhar uns contra os outros em qualquer caso ou combinações de casos.

    Não são todos os sistemas de RPG que tem “herdeiro de uma fortuna” como parte das regras mecânicas, alguns possuem a vantagem riqueza (fortuna etc.), mas a maioria dos sistemas não dirá como o personagem adquiriu sua riqueza, isso é determinado pelo contexto combinado entre mestre e jogador, pela história de cada personagem jogador que eventualmente possuir riqueza.

    Se o crime foi um assassinato, qual foi a arma do crime? Veneno, tiro, facada etc.? Se arma de fogo, quais suspeitos sabem atirar? A arma do crime poderá ser definida pelo laudo ou pelo depoimento de algum personagem. E aqui entramos no terreno do mestre. Caberá ao mestre dar ou não perícias ou especializações ligadas ao uso de armas de fogo ou venenos. Ele terá que criar uma ou mais soluções possíveis dentro de sua ambientação.

    Se o mestre decidir que o(a) culpado(a) é o(a) personagem X e os jogadores errarem, ninguém ganhará pontos de experiência. Neste caso, o mestre deve trabalhar para que a maioria dos indícios e das pistas apontem para um(a) único(a) culpado(a); a menos que esteja se baseando em algum livro que mostre o contrário. O mestre pode dar a cada suspeito uma motivação viável e ver como o grupo chegará ao(s) culpado(s) de acordo com a interação dos PCs entre eles e com os NPCs. Neste caso, sugiro que ao menos um NPC seja inocente de todo e que o mestre puna o grupo que o condenar. Afinal, não é justo que o jogador chame seu detetive de Sherlock Holmes, dê a ele várias perícias, altos atributos e características e o personagem faça todo o serviço por rolagens de dados enquanto o jogador, ele mesmo, não sabe somar 2+2 e chegar a 4. Quanto as fichas dos NPCs suspeitos, cabe a cada mestre criar uma a uma ou criar, um a um, seus próprios suspeitos e suas respectivas fichas, afinal, o jogador lê a parte do cenário que cabe ao mestre. Não se iludam, mestres, seus jogadores leram este texto.

    Outra alternativa, mais complicada, que o mestre poderia usar seria a de criar as fichas dos jogadores e distribuí-las aleatoriamente. Neste caso, um dos jogadores seria o culpado e tentaria incriminar os outros e atrapalhar os detetives. Ao passo que os outros jogadores interpretariam os suspeitos inocentes que tentariam ajudar os detetives, mas a desconfiança seria generalizada e isso geraria um jogo bem narrativo com um PvP intelectualmente desafiador. Tal alternativa é facilitada pelo sistema C4, onde as fichas completas podem ser escritas em folhas de recado, folhas de bloquinhos, folhas de cadernetas, post-its entre outros tipos de pequenas folhas de papéis. São inspirações para este tipo de aventura A Ratoeira e o Assassinato no Expresso do Oriente, ambos de Agatha Christie.

    Concluindo, quanto maior for o número de livros de mistério e suspense lidos pelo mestre e pelos jogadores, mais recursos o grupo terá para levar até a mesa de RPG esse tipo de ambientação. RPG é um jogo em que se interpreta personagens, que se joga dados, que se cria histórias e que se lê também, afinal, os ingredientes de uma boa história passada podem se encaixar no caldeirão de suas histórias atuais. Boas leituras, boas aventuras, boas campanhas e boas rolagens!



Licença Aberta de C4


Licença e Uso

    Este jogo foi feito usando o sistema “C4” criado por Tiago Junges e é licenciado sob CC BY 4.0 (Creative Commons). Você pode encontrar este material em www.coisinhaverde.com.br ou nas redes da Coisinha Verde. Tiago Junges e Coisinha Verde não são responsáveis pelo conteúdo deste material.



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