Desaconselhável para menores de 18 anos.
O mercado de quadrinhos no Brasil é muito fraco, sejamos honestos. Lá fora, grandes obras permanecem em catálogo permanente tal como livros clássicos. Os editores de quadrinhos nacionais são bem imediatistas e até mesmo obras como Watchmen, Fradim, Maus e Piratas do Tietê ficam difíceis de encontrar de tempos em tempos. A série “Garimpando em Gibiterias” fala de quadrinhos que valem a pena “garimpar” em gibiterias, sebos, estoques antigos de livrarias virtuais, feiras de livros e, se a grana estiver muito curta, em bibliotecas públicas. Sim, existem quadrinhos em bibliotecas públicas, é só procurar.
As pedras garimpadas de hoje são Astro City – Volumes 6 e 7 – A Era das Trevas de Kurt Busiek (texto); Brent Anderson (arte); Alex Ross (concepção visual dos personagens e capas); e Alex Sinclair (cores); publicadas aqui pela Panini.
Bem-vindo a Astro City!
Astro City é a cidade que serve de principal cenário (e de título) para a série de minisséries e edições únicas de super-heróis escrita por Kurt Busiek. Normalmente, cada encadernado dessa série traz uma história fechada ou um conjunto de histórias fechadas com o mesmo tema - dentro da temática maior que é um universo de super-heróis.
Mas, de todas as minisséries e edições únicas que compõe as histórias fechadas da série maior que é Astro City, A Era das Trevas durou bem mais que seis edições americanas originais de 24 páginas. Basicamente, foram 4 partes de 4 capítulos cada, totalizando 16 edições originais fora os extras e complementações da trama que compuseram os dois encadernados. Então veio a Panini e começou a publicar (e a republicar) Astro City no Brasil.
A editora optou por trazer direto as versões encadernadas para tirar o atraso; republicar o que outras editoras já haviam publicado antes e acelerar o que faltava. Porém, cometeu um erro de cálculo terrível com A Era das Trevas. Como já dito, suas versões originais geraram dois encadernados para uma única história nos EUA.
Alguém na Panini não reparou isso e, em 2016, publicou o volume 6 e esqueceu que, justamente essa trama em especial só terminava no seguinte, o 7. Só em 2018, a conclusão saiu. Hoje, 2021, com os Correios atrasando as minhas encomendas, resolvi reler A Era das Trevas, até porquê, já passou a raiva pela Panini por ela ter levado mais de um ano para terminar de publicar a história; então pude reler a história com calma; experiência essa que a Panini me negou no passado, ou alguém fica calmo esperando por mais de um ano o fim de uma única história?
Voltando: aqui, falarei de Astro City: A Era das Trevas como um todo. Ela foi publicada originalmente nos EUA entre 2005 e 2010, mas se passa entre as décadas de 1970 e 1980, sendo que o início da trama é, especificamente, em 1972 com direito a flashbacks anteriores aos anos 1970.
Quem acompanha Astro de muito tempo, sabe que algo terrível aconteceu ao Agente de Prata e que a população da cidade sente-se envergonhada pelo seu destino. A Era das Trevas é a trama que conta o que aconteceu da perspectiva de dois irmãos, um policial - Charles Williams - e um criminoso - Royal Williams.
Os irmãos eram crianças e estavam juntos quando as ações da Piramide incendiaram o apartamento da família. O Agente de Prata estava por perto, mas não viu os garotos que escaparam do fogo sozinhos, enquanto os pais morriam queimados. Por terem se desiludido com os vigilantes e os super-heróis, um se torna policial, por achar que a lei deve ser feita e executada por humanos normais; o outro, motivado por niilismo, entra numa carreira criminosa. A Era das Trevas é narrada da perspectiva desses dois irmãos, pessoas comuns, sem poderes. Um do lado da lei e outro fora da lei.
Tudo o que é preciso saber dessa história está nos volumes 6 e 7 de Astro City, mas vamos a uma contextualização mais abrangente, para este post não parecer tão largado em relação a série maior. Nos encadernados 1 ao 5 de Astro City, o destino do Agente de Prata é tido como de conhecimento de todos os habitantes da cidade e é um motivo de vergonha para os astrocitadinos. Em meio ao dia a dia de um policial e de um criminoso, é exatamente a história do Agente de Prata, permeada por outros personagens e suas histórias, que será contada.
O agradecimento que Alex Ross faz a Bob Scheck, na época, editor da editora independente Dark Horse, é revelador. A Era das Trevas foi concebida para ser a PRIMEIRA história e foi apresentada a Bob Scheck que a recusou. Busiek e Ross queriam iniciar a série pela desconstrução dos super-heróis e mostrar a reconstrução aos poucos, mas todos os cenários e personagens eram inéditos.
Scheck lembrou aos dois que nenhum leitor compraria uma trama similar a Watchmen com personagens totalmente inéditos em plenos anos 1990, mesmo depois do sucesso da dupla em Marvels e aproveitando parte da premissa desta, a perspectiva de seres humanos sem poderes, uma vez que os novos heróis mais sombrios, realistas e violentos já estavam bem banalizados nos anos 1990.
Assim, Busiek, Ross e Anderson se concentraram no presente de Astro City, quando a imagem dos heróis já havia sido reconstruída. Ao longo das histórias iniciais, pistas foram sendo dadas para que o leitor soubesse que algo muito grave aconteceu ao Agente de Prata e que isso começou um pouco antes da morte do herói e repercutiu por muito tempo depois.
Por mais que a viagem no tempo e outros elementos típicos de tramas de super-heróis estejam presentes na Era das Trevas, o leitor casual não se perde, justamente por acompanhar tudo isso da perspectiva de dois personagens sem poderes que não viajaram no tempo.
Note que a série Astro City estreia na década de 1990 e, só em 2005, Busiek começa a contar para os leitores a história que é um marco para o cenário desde o início da série. Todas as pessoas comuns de Astro sabem o que aconteceu ao Agente de Prata, mas os leitores não sabiam. Vamos lembrar que as primeiras edições de Astro City foram publicadas nos EUA sob o selo Image antes de Reino do Amanhã da (na época) distinta concorrente e que Jim Lee, o editor, fazia parte da Image.
O que aconteceu depois, a separação da Wild Storn da Image, a venda do estúdio de Jim Lee para a DC, Astro City sob o selo Ws e depois Vertigo, não vem ao caso agora. Mas Astro City foi um sucesso já no selo Image conquistando crítica, prêmios e público nos EUA. Sucesso que, infelizmente, não se repetiu no Brasil.
Mas calma, você não precisa ler os cinco primeiros volumes. Se decidir, poderá fazê-lo até fora de ordem. Pode até ler os volumes seguintes sem problemas (neste caso, spoilers eventuais por sua conta e risco). Mas os volumes 6 e 7 DEVEM ser lidos nessa ordem. São os únicos volumes de encadernados de Astro que verdadeiramente dependem um do outro. O final do 6 está no 7 e o início do 7 é o 6. Aqui, não há negociação possível.
Voltando: Charles, o policial, se vê no meio de uma corporação corrupta e é ameaçado de morte caso não aceite se corromper. Por outro lado, Royal é um batedor de carteiras pé de chinelo que, eventualmente, faz bicos para grandes chefões traficantes e está diante da possibilidade de uma promoção. Todavia, para que esta promoção aconteça, Royal terá que aceitar o que ele abomina, usar armas de fogo e matar.
E para você, marvete, que acha que a Marvel é a casa das ideias, note a Estelaria combatendo uma invasão alienígena grávida muitos anos antes da Mulher-Aranha! E você DCnauta, continue quieto, pois Astro não pertence nem a DC, nem a Vertigo, pertence aos seus criadores! Sim, Astro City é 100% autoral!
Mas a gravidez de Estelária não é a única surpresa de Astro para com seus leitores: como já disse, a história do Agente de Prata contada pelos dois irmãos é permeada por outros heróis, afinal, Astro City está em um universo de super-heróis maior. Kurt Busiek consegue surpreender com o uso de velhos arquétipos e clichês virando-os do avesso. Fica claro que Ross ouviu as ideias de Busiek até em relação a alguns visuais de personagens. Afinal, até os buchas de canhão precisam de visuais legais!
Aqueles que julgam obras pela capa se surpreendem com a parte da história que apresenta o personagem Hellhound (Cão do Inferno na tradução da Panini). Os leitores que respeitam Busiek ficam curiosos para saber o que o autor fará com aquele arquétipo aparentemente manjado.
As cores digitais são algo que me incomodam e isso está presente em A Era das Trevas. Os relâmpagos em torno da Veludo Negro são mais reluzentes e ofuscantes do que uma fotografia genuína de uma tempestade elétrica seria, por exemplo. A cor digital em quadrinhos quase sempre soa muito falsa. São pouquíssimos os coloristas que sabem como o efeito produzido numa tela de PC, num emissor de luz, ficará quando impresso num papel, um refletor de luz. E olha que Sinclair nem é dos piores.
Bom, ir além daqui é dar spoilers. Você encontra os volumes 6 e 7 de Astro City fácil, fácil, em qualquer livraria ou gibiteria com site na Internet. Pode ser até que sua gibiteria favorita, mais perto de sua casa ou trabalho, tenha ambos. Compre os dois juntos se puder. Faça pesquisa de preços, vale a pena pesquisar preço mais barato? Sempre!
Os dois volumes de Astro City: Era das Trevas são diversões garantidas para leitores de quadrinhos casuais, novos ou antigos de super-heróis. Bom, agora é torcer para que Astro City como um todo seja completada no Brasil, que ela não amargue as estatísticas de séries incompletas em nosso país. A Panini prometeu ir até o volume 12 e cumpriu, mas nos EUA, Astro City foi além.
Quer conhecer mais deste garimpo de gibis? Na área de pesquisa deste blog, digite “Garimpando em Gibiterias” e clique no botão “Pesquisar”. Faça a mesma coisa no site Literakaos.
Você está deixando Astro City, dirija com cuidado! Boas leituras!
Rodrigo Rosas Campos
Para Saber Mais: Astro City no Brasil
Astro City nunca foi vendida no Brasil da forma correta. Todos os editores enfatizaram suas promoções nas capas de Alex Ross, mas Alex Ross só é responsável pelas capas e pela concepção visual dos personagens que aparecem nas capas; é a maioria, mas não são todos. Isso criou uma expectativa nos leitores brasileiros de que achariam as páginas pintadas de Ross no interior das edições, e isso não aconteceu.
Assim, os leitores ignoraram Astro, apesar de Brant Anderson seguir os parâmetros estabelecidos por Ross e usar os mesmos modelos vivos deste, sim Alex Ross usa modelos vivos. Antes de Astro City, Brant Anderson foi o responsável pela mais importante graphic novel dos X-Men, Deus Cria, o Homem Mata, escrita por Chris Claremont; publicada no Brasil tanto pela Abril quanto pela Panini. Anderson conhece e sabe usar anatomia, perspectiva, proporção e escala. Seu traço é impecável! Nos EUA, ele figura como um dos grandes, tão reconhecido quanto George Perez, Mike Grell, Frank Miller, Brian Bolland entre outros.
Astro City é o universo de super-heróis criado por Kurt Busiek: ele criou um novo universo para mostrar a evolução dos super-heróis, tudo o que eles podem ser e todos os públicos DIFERENTES que eles podem atingir. É uma série que NÃO merece ficar conhecida por ser a série em que Alex Ross só faz as capas. Respeitem os textos de Busiek e os desenhos de Anderson. Sem eles, todos os super-heróis correriam o risco de terem acabado nos famigerados anos 1990, lembrando que originalmente, Astro City começou a ser publicada ANTES do Reino do Amanhã.
Agora sim, você está deixando Astro City, dirija com cuidado!
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