Os Mitos de Lovecraft da Editora Skript de 2020 não é mais um lançamento, mas é fácil de encontrar na Amazon e em várias lojas reais ou virtuais. Só consegui ler esse livro recentemente e este post demorou um pouco, pois não acho justo falar só sobre as histórias que mais gostei. Falarei um pouco de cada história, ainda que só o nome da história, autor e desenhista para não dar spoilers se ela for curta demais.
O livro tem formato americano, capa dura, conta com autores e desenhistas nacionais e estrangeiros em uma só coletânea. Foi editado por Douglas P. Freitas e possui prefácio de Alexandre Callari (Pipoca & Nanquim), posfácio do editor, capa de Amaury Filho, agradecimento aos apoiadores do financiamento coletivo (terminado em 25/07/2020) e pequenas biografias dos autores, desenhistas e arte-finalistas.
Como já visto no título da resenha, trata-se de uma antologia de histórias baseadas na obra de H. P. Lovecraft no universo criado por ele para o horror cósmico de Cthulhu e os outros monstros alienígenas/deuses ancestrais de sua família. Preciso ler algo anterior para entender as histórias desse livro? A resposta é depende.
Para 5 das 15 histórias, sim, você precisará ser um iniciado nas obras de H. P. Lovecraft para embarcar nas propostas dos autores. Para 10 destas 15, não; vocês podem ler sem medo. Sem mais delongas, vamos as histórias na ordem em que aparecem no livro.
Aeons por Salvador Sanz, o desenho é primoroso, o texto é bom, mas parece mais um prólogo do que uma trama curta completa. Falta uma história depois dessa introdução. Logo a primeira história é uma daquelas em que o leitor já precisa estar por dentro dos mitos, não é para novatos.
Piloto por Julius Kcvalheiyro: no meio da guerra, um piloto é encontrado com um estranho ferimento. Conseguirá o grupo de soldados salvar o piloto da morte? É uma boa história. Curta, básica, despretensiosa, bem-feita e que não requer nenhuma leitura prévia.
The Other Things por Danilo Beyruth. Ele fez texto e arte do que seria uma adaptação bem livre do conto Nas Montanhas da Loucura de H.P. Lovecraft. Mas apesar da reflexão da história ser passada, parece que falta algo, como se ele tivesse deixado um prólogo de uma história e não temos o resto, no caso, não temos o resto da adaptação específica dele. Enfim, quem leu o conto original encarará como um complemento. Quem não leu o conto original entenderá, mas verá uma história incompleta. Afinal, “o que aconteceu depois?” será a pergunta, pois a grande reflexão da história é entregue de bandeja antes do fim, ou melhor, da interrupção abrupta da narrativa. Essa é uma daquelas propostas para iniciados. “Você não gostou?” - Até gostei, mas eu já li Nas Montanhas da Loucura.
O Abismo por Diego Moreau (texto) e Verônica Berta (desenhos). 1986, auge da guerra fria, um submarino russo leva um cientista civil alemão ao fundo das fossas Marianas. Estranhas vozes começam a aparecer nas cabeças da tripulação e o capitão começa a questionar quem será que realmente os enviou até lá. Mais uma vez estamos diante de uma trama cujo final parece um início de uma história maior que não será contada. Outra das histórias para já iniciados, minimamente, o leitor deve entender os elementos visuais da trama para entender o contexto maior.
Lovecraft 2088 por Fred Rubim. Aqui, somos transportados para um futuro cyberpunk. Nesse contexto pode uma realidade virtual baseada numa ficção levar seus usuários a loucura real? É isso que dois espiões hackers estão prestes a descobrir. Mais um ponto para o básico bem executado. Essa é um ponto de partida para quem não conhece nada de H. P. Lovecraft ou de cyberpunk.
Sob as Trevas por Douglas Freitas (texto) e Chairim Arrais (desenhos). Na era hiboriana, um cimério e uma ruiva estão entre soldados querendo recuperar uma pedra preciosa roubada por eles e um segredo monstruoso adormecido numa caverna. O segredo parece ser desconhecido de todos, pois nenhum deles estava preparado. Será que eles sobreviverão? Arte muito bem-feita! E o que os brasileiros fazem pela era hiboriana que os gringos não fazem? A deixam bem mais quente! Essa é para maiores! O melhor de tudo é que você, leitor ou leitora, não precisa conhecer nem os mitos de Cthulhu, nem a era hiboriana para entender. Essa história ressalta as interligações das obras de H. P. Lovecraft com as obras de Robert E. Howard e os pontos onde seus mundos fictícios convergiram. Mas quem fez o quê? Amei essa história, mas o título e os créditos deveriam estar na primeira página inteira do quadrinho. Seguindo as convenções com base no sumário e que foram confirmadas no posfacio, o primeiro nome é de quem escreve, o segundo é de quem desenha.
Acórdão da Corte de Azathoth por Caio Henrique Amaro (texto), Rob Saint (desenhos) e Daielyn Cris Bertelli (arte-final). Essa é uma excelente paródia no melhor estilo Mad in Brazil! O que levaria seres alienígenas superiores ancestrais julgarem a humanidade indigna de continuar existindo? Que grande atrocidade foi cometida por um representante da espécie humana e quem foi essa pessoa? As respostas serão hilárias, bem como o desenrolar do julgamento! Segunda melhor do livro! Não requer nenhum conhecimento prévio.
Um Passo Além do Umbral do Passado por Cayman Moreira. Tentar resumir essa história é dar spoilers. Os desenhos são incrivelmente bonitos, o texto é muito bom, cumpre o papel da antologia, gostei muito mesmo, mas faltou ir além da inspiração de H. P. Lovecraft. Faltou um toque mais pessoal do autor no texto. Ela tem um final aberto, pois dá elementos para o leitor imaginar possibilidades do que vem depois. Essa não requer nenhuma leitura prévia.
Lave Bem Sues Pulmões por Fábio Ochoa (textos) e Camila Raposa (desenhos). Excelente, não requer leituras prévias. Confie em mim, é curta demais para eu comentar sem spoilers. Tem um tom inicialmente satírico, mas aborda a atual cultura do ódio e do cancelamento. Me lembrou o Pasquim.
O Portal por Ally Ribeiro, depois da morte dos pais, uma menina vai morar com o tio, mas as relações dela com o tio não eram muito amigáveis e ela sai da casa de seu tutor. Anos depois, o tio morre em circunstâncias misteriosas e ela herda toda sua fortuna e a casa. O único quarto trancado e sem chave é o ateliê, onde ela nunca pôde entrar enquanto morava lá. Essa não requer leitura prévia. É boa.
Crossroads por Terrance Grace (texto) e Sílvio DB (desenhos). Esta parte da premissa que Lovecraft intuía uma verdade na qual não acreditava e o trata como personagem fictício. Aqui, o(a) leitor(a) precisa ser iniciado dentro dos continuadores de Lovecraft para entender. É boa? Só se você já estiver no clima e muito mais pelos desenhos. O texto é clichê, bem ruim mesmo. Sem querer comparar e já comparando, Alan Moore fez melhor.
Poppa Mamba por Yuri Perkowski Domingos; nas selvas do Vietnã, durante a guerra, um filho de político em uma busca exotérica vai para a selva do sudeste asiático e dá trabalho para um grupo de soldados veteranos, que lutam na guerra e deveriam estar de folga, mas tem que ir resgatá-lo. O que mais pode dar errado? Um dos melhores textos do livro com um desenho que parece propositalmente desleixado para enfatizar os absurdos das situações. Os personagens são desenhados de forma caricata e parece haver uma influência do saudoso Ota no texto de Domingos. Não precisa de leitura prévia para se entender.
Éons por Alice Monstrinho requer que você já saiba o que é o Necronomicon e que ele já teve uma capa parecida com a desse livro em um filme antigo, embora nas histórias originais, ele se parece com um livro comum, vulgar e inofensivo. Esta é uma para iniciados entre iniciados. Na verdade, perece o meio de uma história maior.
A Chegada do Vazio por Alexandre Callari (texto) e Leonardo da Silva Felipe (desenhos) uma menina sobrevivente num apocalipse zumbi tenta salvar um menino. Logo descobrirá que os vivos também podem ameaçar os vivos. O que a tona uma sobrevivente? Descubra lendo este conto que não precisa de leituras prévias.
Cthulhu!? por Orlandeli é a história de alguém tão invisível que nem com um polvo na cabeça é visto. Não precisa de pré-requisitos, poética, triste, só não será entendida pelos que não são capazes de nenhuma empatia. Até é a melhor do livro, mas apresenta uma abordagem tão nova que comparar com as demais é injusto.
Sobre o livro como um todo: Vale a capa dura e o acabamento de luxo? Pelos desenhos até que sim. Mas é o tipo de edição que só vai agradar em cheio quem já gosta de H. P. Lovecraft, de quadrinho independente, de quadrinho nacional, de quadrinho estrangeiro e de terror nos quadrinhos. É um livro nichado demais. Mesmo com 10 histórias brilhantes e que não precisam de contextualização prévia, 5 de suas histórias não ajudam. Lovecraft tinha vários defeitos, mas ele sabia escrever histórias fechadas em si mesmas e ainda assim conectadas entre elas. Caso tenha se interessado, espere baratear.
Perguntas que não querem calar: Gostei do livro? Das 15 histórias em quadrinhos, gostei de 10, logo, achei bom. Qual história mais gostei? Seria injusto falar de uma só pois Cthulhu!? por Orlandeli está muito fora da curva em todos os quesitos! É impecável e perfeita. Logo depois dela, destaco Acórdão da Corte de Azathoth por Caio Henrique Amaro, Rob Saint e Daielyn Cris Bertelli, uma excelente paródia no melhor estilo Mad in Brazil!
Qual história menos gostei? Aqui também seria injusto falar de uma só, uma vez que as cinco que não gostei muito foram pelo mesmo motivo: usam o universo compartilhado de Lovecraft como muleta para não terem uma coerência interna própria. Se você não entender é porque não é um iniciado em Lovecraft e em seus continuadores antes das respectivas leituras. São elas: Aeons, The Other Things, O Abismo, Crossroads e Éons.
Dessas, Crossroads foi a pior. Mesmo com um desenho fantástico, surreal e psicodélico, ela traz um texto horroroso que não passa de uma colagem de clichês Lovecraftianos que não agradará nada nem a novos nem a antigos leitores do autor. Em todas essas histórias me senti pegando uma edição de revista de meio de saga de super-heróis do eixo Marvel/DC. Só entendi estas cinco por estar familiarizado com o contexto maior. Lovecraft tinha vários defeitos, pessoais até, mas ele sabia escrever histórias fechadas em si mesmas e ainda assim conectadas entre elas. Você não precisa ter lido nada de Lovecraft anteriormente para iniciar a leitura de qualquer uma de suas histórias.
É um livro que poderia ser melhor, mas em média os desenhos estão muito superiores ao texto e isso deixa as histórias desbalanceadas. Ainda assim o saldo final foi positivo, são 10 histórias que valem a pena num total de 15!
Boas leituras!
Rodrigo Rosas Campos
Muito feliz a analise da minha história
ResponderExcluirObrigado.
ExcluirMuito interessante as considerações do Campos. A cada dia percebo o qt ainda preciso conhecer e ler do H. P. Lovecraft... = )
ResponderExcluirO Campos sou eu.
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