A proposta do livro é exatamente a que está no título, histórias de terror para entreter crianças antes de dormir a luz de uma lanterna embaixo do rosto do narrador ou para serem contadas por adolescentes ao redor de uma fogueira em um acampamento. São histórias bem inteligentes. Oito destes textos foram originalmente publicados em revistas literárias, mas o livro também conta com dois contos até então inéditos feitos para ele em 2019, A Dama do Lado e A Química dos Fantasmas.
Os autores são Neil Gaiman, R. Chetwynd-Hayes, Lynda E. Rucker, Stephen King, Ramsey Campbell, Manly Wade Wellman, Robert Shearman, Lisa Morton, Michael Marshall Smith e Charles L. Grant. Esta resenha não seria justa se eu falasse apenas dos contos de que mais gostei ou só dos autores mais famosos por aqui, por isso ela demorou para ser feita e postada.
Outro ponto a ser lembrado com esse tipo de publicação é que estilos diferentes de escrita podem influenciar a velocidade de leitura dos leitores de acordo com os respectivos gostos pessoais. Não se assustem se demorarem mais em um conto do que em outro, isto não está vinculado só ao número de páginas, mas ao quanto o(a) autor(a) te prendeu na história mais do que o(a) anterior ou o(a) próximo(a). Uma dica é tentar resistir a busca pelos títulos e autores que mais te atraírem e tentar ler de forma linear, na ordem do livro. Acabei dando pulos, mas os contos são comentados abaixo na ordem do livro. Cada conto é uma história diferente e eles não são interligados mesmo. É um livro que pode ser interrompido sem culpas e retomado sem problemas. Sem mais delongas, os contos são:
Clique-Claque, o Saco de Chocalho foi escrito por Neil Gaiman e publicado originalmente em 2013. Um monstro que toma a forma daquilo que você menos espera pode ser mais perigoso que um monstro que assume a forma daquilo que você mais teme? É o que descobriremos nesta curta e brilhante história de Neil Gaiman que justifica todo o sucesso e fama deste genial autor de contos, romances, quadrinhos, biografias etc.
Monstro de Fabricação Caseira foi escrito por R. Chetwind-Hayes e publicado originalmente em 1976. Nessa história, um descendente de Frankenstein aperfeiçoa o método de seu antepassado e teme que o escoteiro intruso que entrou em sua casa para se proteger da chuva escreva sobre o experimento, como uma garotinha fez muitos anos antes com o experimento de seu tataravô.
Muitos conhecem esse autor e não sabem, R. Chetwind-Hayes é o autor do livro que deu origem ao filme de televisão Clube dos Monstros de 1981. O filme de baixo orçamento compensa pelo talento dos atores, números musicais, uma boa base literária, o livro, e um roteiro adaptado impecável. Revi o filme antes de ler o livro e achei que ele continua genial apesar do tempo, do baixo orçamento e dos efeitos da época. Entretanto, a história desse livro, Monstro de Fabricação Caseira, não me pareceu ser uma das mais inspiradas histórias de R. Chetwind-Hayes. A expectativa é o pior dos monstros, talvez se eu fosse bem mais novo e nunca tivesse visto o filme, até tivesse gostado.
A Dama de Lado foi escrito por Lynda E. Rucker e publicado originalmente em 2019. Chegamos na primeira história escrita para ser publicada pela primeira vez no próprio livro. Aqui, vemos que um ato banal como virar-se de lado pode ser terrível se quem o executa é uma criatura sobrenatural maligna quando quatro adolescentes resolvem invadir uma casa com fama de assombrada no dia das bruxas.
Aqui Há Tigres foi escrito por Stephen King e publicado originalmente em 1968. E se um tigre aparecesse no banheiro da escola, o que aconteceria? Surreal? Um pouco. Curta, simples e direta. Me surpreendi com Stephen King escrevendo uma história realmente curta e foi a primeira história dele que gostei de ler. Esta já havia sido publicada num livro só de contos do autor no Brasil.
A Chaminé foi escrito por Ramsey Campbell e publicado originalmente em 1977. Imagine quando o lugar mais assustador do mundo é o seu grande quarto, um quarto maior com uma lareira própria que parece uma boca assustadora. Será apenas um medo infantil? Quem acreditará na palavra de um menino? É bem escrita? O suficiente para não ser abandonada, mas a narração em primeira pessoa é arrastada e por vezes enfadonha. A pior do livro.
Escola Para os Inomináveis foi escrito por Manly Wade Wellman e publicado originalmente em 1937. Um jovem chega em uma cidade desconhecida para entrar numa renomada escola. Mas é interceptado e levado por um estranho vestido de aluno veterano em uma charrete para um lugar que talvez seja a escola errada. Será apenas um trote? A mais antiga do livro, escrita por um autor que chegou a conhecer H. P. Lovecraft em vida.
O Sorriso da Vovó foi escrito por Robert Shearman e publicado originalmente em 2009. O primeiro Natal da vovó depois da morte do vovô pode ser uma experiência inesquecível, principalmente para a garotinha e seu irmão mais novo diante da perspectiva de presentes bem específicos. Já disse que as expectativas são os piores monstros? Nem todos os presentes foram os esperados e nem todas as surpresas serão agradáveis. Uma história aterradora, quero mais Robert Shearman publicado no Brasil. Essa é a história que vale sozinha o preço do livro com o mais aterrador dos finais, estejam avisados.
A Química dos Fantasmas foi escrita por Lisa Morton e publicada originalmente em 2019. Chegamos na segunda história escrita para o livro, inédita até então. É excelente! O fantasma de um professor de química assombra uma universidade e um garoto desaparece tentando investigar o caso sobrenatural. Cabe ao melhor amigo e a irmã mais velha do melhor amigo (que gosta que química) desvendarem o mistério e achar o garoto desaparecido. No caminho, o fantasma do professor que propõe um desafio com conhecimentos de química em todo seu potencial transdisciplinar envolvendo mitologia e história. Espero que mais de Lisa Morton seja publicado no Brasil. Adoraria jogar um videogame de mistério com roteiro escrito por ela.
O Homem Que Desenhava Gatos foi escrito por Michael Marshall Smith e publicado originalmente em 1990. Tom é um homem misterioso que passa a morar em uma cidade pequena e ganha a vida desenhando e pintando quadros em praças. Ele também desenha em giz no asfalto alguns desenhos que parecem vivos, sobretudo de gatos. Tom é assustadoramente alto e seu passado será revelado aos poucos. Billy é um garoto local que sofre agressões do padrasto. O que acontecerá de tão estranho quando destinos aparentemente tão comuns se encontrarem? Ir além é dar spoilers.
Vocês Têm Medo do Escuro? foi escrito por Charles L. Grant e publicado originalmente em 1984. Os três mais endiabrados garotos das redondezas esperam na casa de um deles a decisão que seus pais tomarão em relação aos três. Há uma babá tomando conta deles e nenhum deles gosta da garota. Há uma tempestade feia do lado de fora da casa e a babá resolve fazer um jogo novo com os três pequenos vândalos valentões. Como eles reagirão quando a escuridão se abater sobre eles? É isso que o leitor descobrirá ao ler o conto. Esse é bom, mas pareceu-me faltar alguma coisa. Até gostei.
Voltando a falar da edição como um todo: há uma lista final com informações sobre todos os contos incluindo títulos originais, em que revistas foram publicados e as datas de publicações originais, sendo que os de 2019 foram inéditos para o livro. Aqui no Brasil, Neil Gaiman e Stephen King foram os grandes chamarizes de leitores. Lá fora, Stephen Jones, o editor original inglês, é famoso por editar livros de terror e horror na Inglaterra a ponto de suas coletâneas lá venderem pelo nome dele na capa.
Ele é um dos poucos editores famosos por serem editores e prima por contos bem escritos, e quando digo “bem escritos” isso não significa que todos os leitores gostarão de tudo; gosto é pessoal. “Bem escrito” significa que, mesmo que você não goste de uma história ou outra, dificilmente ela será desagradável ou arrastada o bastante para que você queira abandonar a leitura no meio.
Outra coisa a ser destacada em relação a edição original de Stephen Jones que a Pipoca & Nanquim manteve na edição nacional são as ilustrações. O editor original contratou um baita desenhista com um humor de quadrinhos da EC para ilustrar o livro em cada conto numa média de 3 ilustrações por história sendo um delas de página inteira e duas se referindo a cada uma das histórias específicas. Isso é um modelo que muita editora brasileira devia seguir. Uma diagramação sem firulas, mas com ilustrações competentes por história, isso é uma ambientação bem-feita.
Mas nem tudo são flores na edição. A Pipoca & Nanquim esqueceu de pôr o título original em inglês do livro. Mas é só dar uma busca no Google que você acha rápido. Eu sou daqueles que acha que os contos deviam estar na ordem de publicação original, mas Stephen Jones pensa diferente e faz do jeito dele, fica legal também. E convenhamos, eu raramente sigo qualquer ordem quando leio um livro de contos. Mas para os que quiserem ler os contos na ordem cronológica de publicação original, fiz a tabela abaixo para ajudá-los:
A edição é capa dura, bem produzida, padrão Pipoca e Nanquim, feita para durar. Lembra os livros do saudoso Circulo do Livro. Poderia ter uma versão mais econômica? Sim, afinal as histórias são formadoras de público. Poderia ser mais barata ainda tirando as ilustrações fantásticas de Randy Broecker? Por favor, não. Entre ilustrações gerais e mais específicas, a melhor foi a de página inteira para A Dama de Lado. Agora vamos para as perguntas que não querem calar:
Alguns contos fazem parte de séries maiores? Não. Todos os contos são independentes e autocontidos.
Eu gostei do livro? Sim. Dos 10 contos, gostei de 8, então achei o livro muito bom.
Qual conto que mais gostei? O Sorriso da Vovó foi escrito por Robert Shearman, a mais aterradora história do livro. Editores, mais histórias dele, por favor. Mas nesse caso, eu não seria justo de destacasse apenas um dentre os que mais gostei. O segundo que mais gostei foi A Química dos Fantasmas, escrito por Lisa Morton. Me fez gostar de personagens que eu normalmente não gostaria e me fez gostar de aprender coisas interessantes sobre química que os professores escolares negligenciam. Quero mais Lisa Morton publicada no Brasil. Menção honrosa para O Homem Que Desenhava Gatos de Michael Marshall Smith, também quero ler mais histórias dele.
Qual conto eu menos gostei? A Chaminé de Ramsey Campbell possui uma narração em primeira pessoa de um personagem enfadonho e prolixo. Poderia ter sido cortado em bem mais que a metade. Excesso de detalhes desnecessários não é amedrontador, é entediante. Segue a tradição de Edgar Allan Poe em que você pode questionar se os fantasmas existem ou se são só criações das imaginações perturbadas dos personagens, mas sem um estilo poderoso, só uma cópia barata e desonesta. Neste conto, o autor, Ramsey Campbell, não passa de um embuste.
Vale o alto preço (mais o eventual frete)? Essa é uma pergunta com várias respostas: pela qualidade gráfica, sim. Se você gosta de terror e horror em geral, sim. Se você já é fã de um ou mais autores presentes no livro, sim, afinal, o único conto que já tinha sido publicado por aqui, que eu saiba, foi o do King num livro só dele. Se você quer experimentar vários autores ao mesmo tempo, sim. Vale ressaltar aqui que: parte dos contos e dos autores, apesar dos dois mais famosos, era inédita no Brasil.
Há versão digital disponível? Sim, mais barata. Não sei qual é o preço dele hoje, afinal, a editora Pipoca e Nanquim trabalha prioritariamente com a Amazon e esta tem promoções o tempo todo, no final, o preço pode variar de acordo com a data em que você chegou aqui.
Boas leituras!? É um livro de terror e horror, bons sustos e pesadelos, hahahahaha!
Rodrigo Rosas Campos
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