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Alerta de gatilhos!
Sim, existem quadrinhos em bibliotecas públicas, é só procurar.
O mercado de quadrinhos no Brasil é muito fraco, sejamos honestos. Lá fora, grandes obras permanecem em catálogo permanente tal como livros clássicos. Os editores de quadrinhos nacionais são bem imediatistas e até mesmo obras como Fradim, Watchmen, Piratas do Tietê e Maus ficam difíceis de encontrar de tempos em tempos. A série “Garimpando Gibis em Bibliotecas Públicas” fala de quadrinhos que valem a pena “garimpar” em bibliotecas, gibiterias, sebos, estoques antigos de livrarias virtuais e feiras de livros.
A pedra garimpada de hoje é Rising Stars – Estrelas Ascendentes – A Saga Completa de J. Michael Straczynski e vários desenhistas, no Brasil pela Mythos em 2013, originalmente entre 2000 e 2005, pela Top Cow Productions, Inc., um dos estúdios associados a Image Comics.
Para muitos, Rising Stars de J. Michael Straczynski soará como mais um genérico de Watchmen, todavia, a obra se trata de uma versão simplificada das ideias trazidas por Wild Cards/Cartas Selvagens, série de livros iniciada nos anos 1980, contemporânea de Watchmen, escrita e desenvolvida por George R. R. Martin, um mestre de RPG, e seu grupo de jogadores de RPG composto por outros escritores. Se você nunca leu nenhum livro, romance mosaico, de Wild Cards/Cartas Selvagens, é provável que ache esse quadrinho genial. Todavia, para mim e para outros que tenham lido algo de Wild Cards, Rising Stars não passa de uma cópia simplificada e preguiçosa de Wild Cards/Cartas Selvagens.
Mas vamos esquecer a “inspiração” e focar no que a história traz de elementos próprios. Justiça seja feita, J. Michael Straczynski copia, mas não faz igual, até porque Wild Cards foi escrito por um grupo de escritores em que cada um deles é infinitamente mais talentoso que J. Michael Straczynski. Sem mais farpas…, digo, sem mais delongas, vamos focar em Rising Stars.
Um meteoro emite uma estranha radiação que afeta 113 fetos em uma única cidadezinha dos EUA. Com o tempo, estas 113 crianças desenvolvem superpoderes e são levadas a um acampamento de treinamento pelo governo norte-americano. Esses especiais passam a ser considerados um problema tanto para o governo norte-americano quanto para as populações do país e do mundo que ficam amedrontadas como o potencial destrutivo dos especias a medida em que eles crescem.
E os especiais crescem, enquanto uns ficam famosos e se tornam celebridades, outros, com poderes menores ou não, lutam para ter apenas uma vida normal. Entre eles está uma mulher que acha que não tem poderes, mas cujo poder ainda vai se manifestar, e uma espiã do governo americano, cujo poder, aparentemente inútil, se revelou, na verdade, discreto e fatal, fazendo dela a mais eficiente assassina do mundo.
Mas a trama só começa quando os especiais de menor poder começam a ser vítimas de um assassino em série que sabe suas fraquezas. Um dos especiais descobriu que os poderes diminuem na medida em que são usados. Todavia, também é descoberto que quando um especial morre, o poder é transmitido para os demais. Desse modo, o plano do assassino é matar os mais fracos, dividir os mais fortes e ser o último e mais poderoso dentre os especiais.
Logo, alguns especiais formam um grupo para investigar a situação, mas são desacreditados por seus pares com poderes legais concedidos pelo governo americano. A crise transborda para o conhecimento da mídia e do público e agora o mundo inteiro vê os especiais como uma ameaça global. Um barril de pólvora prestes a explodir e que tem como ponto máximo a tomada de Chicaco por uma especial que, inicialmente, era considerada fraca, mas que se fortaleceu na medida em que seus pares eram assassinados. Nem mesmo o governo americano confia plenamente nos super americanos ao seu dispor. Ir além daqui, é entrar no terreno dos spoilers.
Os diálogos são enfadonhos, explicando e reexplicando coisas que já tinham sido explicadas. Do meio em diante há uma barriga que até tem momentos agradáveis, mas que prova que o roteirista não possui o menor poder de síntese. Apesar disso, o texto é a melhor parte. A parte mais fraca do quadrinho é a arte irregular, uma vez que foi feita por vários artistas. A arte é tão secundária aqui, que nem acho que precise falar até de um dos meus desenhistas preferidos que está no projeto. Com efeito, Straczynski fez um roteiro de quadrinhos por saber que só um livro em prosa renderia menos dinheiro e, provavelmente, críticas mais severas de críticos literários.
Apesar de ser do início dos anos 2000, não espere da maioria dos desenhistas uma arte primorosa que fuja do padrão Image original dos anos 1990. Os desenhos são divididos entre vários desenhistas e a maioria deles segue o padrão visual dos fundadores da editora Image, que enche os olhos nostálgicos de quem começou a ler quadrinhos nos anos 1990, mas que é um desastre para qualquer leitor de quadrinhos com um mínimo de apuro estético.
Para piorar, temos aquela colorização por computador bem fake que faz com que as páginas pareçam um recorte de telas de videogame vagabundo printadas e editadas em uma sequência. Certamente não merecia edição de luxo; a editora Mythos avaliou bem mal esta obra. É mais uma história dentre tantas outras que evoca o espírito de obras consagradas como Wild Cards e Watchmen e que, apesar dos esforços do escritor em parecer refinado, fica longe de ter alguma novidade ou brilho reais. Nem tudo que envolve violência e sexo é realmente adulto, e essa história é só mais uma pornografia barata de violência e sexo com superpoderes envolvidos. Obviamente, não recomendado para crianças. Em todo caso, tem quem goste de ler variações do que já foi feito, se este for o seu caso, há uma grande chance de você gostar. Para quem nunca leu super-heróis ou que tenha lido pouco super-heróis, pode até passar por uma boa desconstrução dos super-heróis.
É melhor que a Marvel e a DC pós anos 2000 no geral? Sim, mais isso não é difícil, é até obrigação. Confesso que minha crítica seria muito mais contundente, ácida e, até mesmo, revoltada, se eu tivesse pago por essa edição cara, de luxo que, definitivamente, Rising Stars não merecia. Leitores de super-heróis veteranos, estejam avisados, isso é o porão de um fundo de poço sem fundo da pretensão do autor que está longe de ser um Alan Moore ou qualquer um dentre os escritores de Wild Cards. Parafraseando uma famosa crítica de cinema, os poucos bons desenhistas que aparecem só podem ter topado participar por dívida de jogo.
Termino citando outras famosas críticas de cinema, “se você gostou, você venceu.”. Deixe seus comentários com carinho e educação, pois eles serão lidos com carinho e educação. Este garimpo tem periodicidade indefinida, mas, se você quer conhecer mais, na área de pesquisa deste blog, digite “Garimpando” e clique no botão “Pesquisar” e encontrará títulos a mais em garimpos de eventos, bibliotecas e gibiterias.
Boas leituras!
Rodrigo Rosas Campos