[Carta Aberta] Minha Experiência Pessoal: Porque Eu Deixei de Apoiar Projetos Em Financiamentos Coletivos
Antes de mais nada, preciso deixar bem claro que estas foram minhas experiências pessoais. Mas afinal, o que é um financiamento coletivo? Em termos simples, um financiamento coletivo é a popular vaquinha. Pessoas se cotizam para pagar por algo ou por algum serviço que todos querem. Também pode ser feito sem interesses próprios, para ajudar uma pessoa querida em dificuldades. As plataformas de financiamento coletivo na Internet também tem espaço para pessoas ajudarem outras pessoas sem quererem nada em troca. Entretanto, na maioria das vezes, o financiamento coletivo na Internet funciona como uma pré-venda de um produto ou serviço que ainda não existe.
O realizador do projeto em vez de pegar financiamentos em bancos ou na iniciativa privada, apresenta sua ideia de produto (ou serviço) ao público e este o apoia em troca do produto (ou serviço). É uma relação de compra e venda onde a plataforma funciona como uma vitrine de loja virtual entre o realizador (fornecedor) e o apoiador (consumidor final). O apoiador paga a plataforma, portanto é cliente da plataforma, não do realizador; isso é CDC, gostem ou não as plataformas de financiamento coletivo que fazem pré-vendas de produtos que ainda não existem.
Quanto aos meus próprios apoios e o porque parei de apoiar, fiar-se somente na memória e na minha irritação presente não seria justo. Portanto, recorri aos meus históricos do Catarse e fiz apontamentos com base neles para redigir estas linhas. O Catarse foi a única plataforma em que apoiei projetos. Adianto que não citarei os nomes dos(as) realizadores(as), nem de pessoas físicas, nem de pessoas jurídicas.
De cara descobri que não sou (ou fui) um apoiador padrão. Relutei muito em fazer meu primeiro apoio e, quando fiz, foi para realizadores que tinham lojas virtuais e editoras próprias. Ao analisar os números referentes a quantidade de apoios, média por realizador e por tempo, descobri que nenhuma de minhas médias representou os meus dados brutos. Se eu tivesse apoiado tudo o que queria ter apoiado, sem nenhuma cautela, os números seriam maiores, mais lineares e concordariam com as médias.
A experiência muito ruim com meu terceiro apoio me fez ficar criterioso ao ponto de que foram raros os casos em que apoiei projetos de quem não tinha loja virtual própria (e prévia) ou de quem não tinha a chancela de uma editora também. Isso também fez com que eu não apoiasse muitos que estavam no primeiro projeto, como aliais foi o caso do realizador do meu terceiro e mais decepcionante apoio.
Este terceiro apoio, eu paguei em 2016, só foi impresso em dezembro de 2018 e só recebi em 2019. O quadrinho é bom, excelente até, mas não consigo ler sem lembrar o desgaste do atraso e não vou indicar uma pessoa que desrespeitou tanto o prazo de entrega para com o público final que já havia pago. Ele que procure editoras e que embrome uma pessoa só (ainda que só uma pessoa jurídica).
No Catarse, também estão as grandes editoras e os autores realizadores (pessoas físicas) que já chegaram muito famosos lá e que possuem públicos que só apoiam a eles. Apoiei alguns muito famosos prévios e uma editora grande no mercado em relação a RPGs. Também apoiei muitas editoras e realizadores que se formaram via Catarse e que ficaram famosos internamente na plataforma. Estes(as) realizadores(as) ainda são editoras pequenas e pessoas físicas que se auto publicam, mas ganharam uma fama interna e uma credibilidade respeitável dentre os apoiadores de finamento coletivo de livros, quadrinhos e RPGs.
2016 foi o primeiro ano em que entrei no Catarse, fiz 3 apoios. Eu sei que ela e outras plataformas já existiam, mas eu não confiei muito quando elas surgiram. Hoje, confio menos ainda. Apoiei quadrinhos, livros, RPGs, um único jogo de cartas e um só para ajudar mesmo, que foi um evento de quadrinhos com entrada franca que nem fui, mas quis ajudar. No total, foram mais projetos de quadrinhos, seguidos por RPGs e livros. Assim, o foco deste texto é financiamento coletivo de quadrinhos, livros e RPGs; mas a Internet, com destaque para o YouTube, está cheia de conteúdos sobre projetos de financiamentos coletivos decepcionantes nas mais diversas áreas, sendo que os videogames são os recordistas das queixas mais pesadas.
Aqui vale ressaltar que gosto pessoal não está em discussão. Se eu gostei ou não do livro, do quadrinho ou do RPG, isso não é o importante aqui, isso é um critério subjetivo. Aqui, o que está em jogo é se o produto foi entregue nas especificações técnicas prometidas e no prazo, em atrasando, se o atraso foi ou não aceitável.
Fui ao Catarse pela primeira vez para apoiar uma nova edição de um RPG de uma editora pequena independente da qual eu já era cliente, mas o projeto ainda não tinha alcançado a meta. Olhei para o lado e vi um quadrinho de terror cuja meta já tinha sido alcançada, vi que o realizador tinha uma loja além da plataforma, vi resenhas de publicações anteriores dele em vlogs do YT etc., enfim, vi os sinais de que ele entregava mesmo e o apoiei.
Eis a primeira dica, se for apoiar no Catarse, ou em qualquer plataforma de financiamento coletivo, procure os sinais de que a pessoa que propõe o projeto entrega ou que tem condições de entregar. Veja se o(a) realizador(a) entrega no prazo da estimativa de entrega, se ele(a) tem uma loja independente da plataforma de financiamento coletivo ou alguma parceria com uma editora estabelecida (principalmente se for o primeiro projeto daquele realizador).
Outro detalhe importante, procure resenhas publicadas das obras anteriores datadas de depois dos financiamentos. Muitos blogs e vlogs só fazem anúncios de campanhas. Vídeos de “unboxings” (desencaixotamentos) também mostram se um realizador entregou ou não. Pelo menos um destes quesitos deve ser preenchido para você não se frustrar, ou acha uma resenha de verdade ou um unboxing.
Logo depois do primeiro apoio, o RPG atingiu a meta e fiz meu segundo apoio. Estes meus primeiros dois apoios foram ótimos. Os dois primeiros realizadores possuíam lojas online próprias e já tinham um bom histórico. Já era cliente da editora de RPG inclusive. Mas foi ainda em 2016 que apoiei um realizador de quadrinhos num primeiro projeto independente.
Foi meu terceiro apoio e é, até hoje, meu maior arrependimento. Enquanto o projeto não era entregue, entre 2016 e 2019, coletei histórias de calotes e atrasos de financiamentos pelo Youtube e na gibisfera. A campanha foi um baita sucesso. A arrecadação durou 60 dias e a estimativa de entrega era longa, 6 meses após a arrecadação.
Para além da estimativa de entrega, atrasou bem mais de um ano. E o Catarse não fez nada! Mas eram 6 meses de estimativa de entrega, o atraso do terceiro projeto ainda parecia razoável, em 2017, fiz meu quarto apoio. Um quarto realizador, dono de uma empresa famosa na área e que estava publicando um quadrinho. Este recebi a contento. Mas meu terceiro apoio me leva a uma segunda e terceira dicas: se um realizador coloca uma estimativa de entrega maior do que quatro meses, não apoie. Se for apoiar apoie por confiar na pessoa do(a) realizador(a) ou na empresa que está realizando o projeto, não na ideia do projeto.
O Catarse é uma plataforma negligente que não faz nada de efetivo depois que repassa o dinheiro para quem colocou o projeto lá. Se isso é prática de toda empresa de financiamento coletivo eu não sei, parece ser, mas não sei. Só apoiei projetos pelo Catarse. Ter seu dinheiro devolvido caso o projeto não bata a meta não é o pior que pode acontecer a você, apoiador(a). O pior é um calote e o segundo pior é um atraso de um ano ou mais. Busque por calotes de financiamentos coletivos no Google e no Reclame Aqui e achará vários casos. O Youtube também está recheado de vídeos falando sobre frustrações de apoiadores de financiamentos coletivos nos mais diversos segmentos. São vários os casos de calotes.
Recebi meu terceiro apoio depois de muita espera, é um excelente quadrinho, mas não consigo reler sem a mácula do atraso interferindo. Não consigo nem indicá-lo a outras pessoas, uma vez que este mesmo realizador não foi punido pela plataforma e continuou a lançar projetos e pré-vendas lá. Atrasos podem acontecer? Sim, e até dois meses de atraso é até razoável, mais de um ano da estimativa de entrega já é um abuso.
Comparando meu melhor e meu pior apoios, o melhor apoio que fiz foi entregue com um mês de antecedência em 2019. Na cabeça do melhor realizador que apoiei, a entrega do projeto era a entrega do projeto ao mercado, os apoiadores teriam que receber antes. Ele cumpriu, entregou com um més de antecedência e, no més da entrega, o quadrinho estava a venda. Uma diferença de atitude muito grande entre dois realizadores de um mesmo tipo de produto, história em quadrinhos. Lembrando que meu terceiro apoio em 2016 só foi impresso em dezembro de 2018.
2018 foi marcado por cinco apoios a cinco realizadores diferentes, alguns dos quais eu me tornaria apoiador recorrente de fato. Como assim, recorrente de fato? Só comecei a fazer novos apoios para realizadores que já havia apoiado no décimo apoio. Ou seja, só no meu décimo apoio, apoiei alguém que já havia apoiado antes. Mas o Catarse considera recorrente todo apoiador que já apoiou pelo menos uma vez na plataforma, mas eu só fui recorrente em relação a um realizador no meu décimo apoio. No total, de 2016 até 2023, fiz 58 apoios para somente 24 realizadores. Nesse caso, a média simples é muito enganosa, afinal, eu tenho os dados brutos dos meus próprios apoios.
Não comentarei cada apoio que dei, já falei do primeiro ao quarto e de outros, sendo o terceiro o pior de todos. Por conta deste terceiro e mais traumático, passei a selecionar com muito mais rigor os realizadores. Com efeito, 14 realizadores só receberam um apoio meu cada; 5 receberam 2 apoios cada; um (na verdade, uma dupla) recebeu 3 apoios; 1 recebeu 4 apoios; 1 recebeu 6 apoios; os recordistas são uma pequena editora de quadrinhos nacionais independentes com 10 apoios e 11 apoios para uma realizadora que é autora de quadrinhos.
Tenho que confessar que a maioria das experiências foi ótima. A melhor delas foi a que se antecipou em um mês. Mas não se engane, atrasos são frequentes, muitos de dois a quatro meses, alguns de quase um ano e, no meu caso, houve aquele fatídico que apoiei em 2016 e que só recebi em 2019. Neste sentido, não aconselho a ninguém apoiar. “Mas se não apoiar o produto não sai.” - verdade, mas vamos lembrar algumas coisas:
A maioria dos projetos de financiamento coletivo é “Tudo ou Nada”, ou alcança o mínimo ou o dinheiro é devolvido aos apoiadores. Mas o Catarse também tem a modalidade flexível, flex, em que o realizador se compromete com a entrega do produto mesmo sem bater a meta mínima. Já participei das duas modalidades, na tudo ou nada, houve aquele grande atraso, na flex, não recebi nenhum calote até aqui, tudo foi entregue, alguns ainda que atrasados ou mesmo sem bater as metas iniciais.
Mas levando em conta o nada que a plataforma de financiamento coletivo faz em casos de atrasos de mais de um ano ou de calotes, como posso eu indicar financiamento coletivo para alguém? Só compartilho campanhas de quem sei que entregará. E já estou muito indisposto a compartilhar campanhas de quem atrasa um mês sequer.
Financiamento coletivo é pré-venda? Sim. A modalidade flexível (flex) é uma pré-venda comum desde o início, o realizador se compromete a entregar mesmo não batendo o mínimo esperado, a meta da campanha. Mas quando o tudo ou nada bate a meta, ele passa a ser uma pré-venda comum. Isso coloca o Catarse na função de lojista virtual, afinal, você olha o produto na plataforma virtual do Catarse e paga ao Catarse, não ao realizador.
É como comprar um livro na Amazon, onde você paga a Amazon, não a editora do livro. Você só seria cliente do realizador se pagasse na loja virtual do realizador ao realizador, da mesma forma que você só é cliente de uma editora quando paga diretamente à editora na loja virtual desta, não na Amazon.
Em resumo, você é cliente de quem você paga, se você paga ao Catarse, você é cliente do Catarse, não do realizador e a plataforma está sendo uma loja, uma intermediária entre você - leitor/consumidor final - e o realizador do livro, quadrinho ou RPG, o fornecedor de um produto, seja um(a) autor(a) independente ou uma pequena editora.
O Catarse vai dizer o contrário para você, mas pela lei, pelo Código de Defesa do Consumidor, se age como um lojista, como um lojista será responsabilizado. Não há discussão. No início do financiamento coletivo no Brasil, havia recompensas para lojistas (pessoas jurídicas mesmo, com CNPJ) comprarem e revenderem os livros ou quadrinhos.
Como a maior plataforma de financiamento coletivo do Brasil, o Catarse, foi (e é) negligente em relação a atrasos e calotes, essa prática deixou de acontecer porque os lojistas pararam de confiar, simplesmente não apoiaram mais e as recompensas para pessoas jurídicas em financiamentos coletivos de quadrinhos e livros pararam de ser oferecidas.
Apoiadores de um financiamento coletivo são pessoas que se engajam mesmo, não estão apenas dispostas a pagar por um ou mais produtos, mas a divulgá-los também, ou seja, são pessoas que pagam para promover os produtos que compraram só para uso pessoal. São consumidores finais que funcionam como divulgadores sem receber nada por isso.
A plataforma Catarse e alguns realizadores os induzem a um erro, chamam os apoiadores de investidores. Tenho uma má notícia: apoiador de financiamento coletivo não é investidor, é consumidor. Investidor não recebe produtos e brindes, investidor recebe dividendos, juros ou lucro pelo dinheiro investido.
Se você recebe um livro ou quadrinho que era para ter 100 páginas, mas superou a meta e agora tem 200 páginas e você tem 100 páginas a mais, parabéns, você pagou junto com outros consumidores para ter um impresso de 200 páginas por um preço de custo menor, mas isso não é lucro, nem dividendo nem juros que você receberá, isso é um produto que você receberá, um impresso de 200 páginas.
Investidor é um credor ou é um sócio, recebe dinheiro pelo dinheiro investido, correndo o risco de ter prejuízo, de perder o dinheiro investido. Consumidor, pelo CDC, recebe produto ou serviço sem nenhum risco, o risco é de quem oferece o produto ou serviço. Ao apoiar um projeto no Catarse, você não investiu em um livro, quadrinho ou RPG, você comprou um desses produtos para recebê-lo em casa com eventuais brindes de metas estendidas que te dão a ilusão de que sua compra rendeu. Se você não liga para marca-páginas, chaveiros, ímãs de geladeira e outros brindes de metas estendidas, se a meta for (ou estiver) batida, compre depois do financiamento coletivo. Agora, lembre-se de uma coisa, os brindes e os extras também custam dinheiro e depois do lançamento pode ser que alguma promoção barateie o que você apoiou em relação ao que você pagou, isso aconteceu comigo.
A campanha era tudo ou nada e não teria saído sem seu apoio, beleza, mas antes de apoiar, confie na pessoa que está a frente do projeto, não só na ideia. Ajude por achar que a pessoa por trás do projeto merece sua ajuda, não por achar que está investindo. O produto que você receberá não é um lucro, não é um dividendo e não é um juro, é um bem de consumo. Ajude a pessoa pelo motivo certo, não pela ilusão de que você está ganhando, você não está ganhando, está pagando por algo que terá. Está pagando com outros compradores por algo que todos terão, estão participando de uma vaquinha para comprar algo por um preço menor, com um custo reduzido, não para serem sócios de uma empresa, entenda a diferença.
Se você investe na publicação de um livro, o que você recebe em troca são os juros dos eventuais lucros dessa publicação. Se você for sócio da editora, você receberá dividendos de todos os livros publicados por ela, seu lucro, se você fosse o único editor, seria tudo o que você teria a mais depois de recuperar todas as despesas inerentes a publicação de um livro. Pode ser que o livro não venda e você fique no prejuízo. Mas se você recebe o livro, você não investiu no livro, você comprou o livro.
Atualmente, dos 24 realizadores que apoiei, só cogito voltar a apoiar 3. Afinal, a maioria deles tem lojas próprias ou a chancela de editoras, ainda que pequenas. Para concluir, deixei de fora deste texto tudo aquilo que descobri já financiado e comprei e tudo aquilo que não consegui apoiar durante o financiamento e comprei depois. Quanto a estes, aqui também estão muitos que estavam em seus primeiros projetos, que entregaram, mas que eu não apoiei em função do trauma do meu terceiro apoio. Confiei em 2016 em quem tinha um primeiro projeto e só recebi em 2019, como confiar de novo?
E fica a minha última dica. Antes de apoiar algum projeto no Catarse, vá a categoria que te interessa, livros, quadrinhos, jogos (RPG está em jogos) etc., na aba “finalizados” e olhe os que já foram (ou que já deveriam ter sido) entregues. Veja quantos estão disponíveis no mercado, procure pelas resenhas, enfim, procure pelos indícios de que o(a) realizador(a) entrega. Afinal, a plataforma de financiamento coletivo Catarse não estará nem aí para você depois de repassar o dinheiro para quem propôs o projeto.
Não há mais o que dizer, concluo com esta triste verdade, a plataforma não liga para quem dá o dinheiro para ela, ou, ao menos, essa é a minha experiência pessoal. Antes de terminar, gostaria de dizer que estou esperando mais um atraso de mais de um ano, um que apoiei em 2023 e que até a data desta publicação não me foi entregue e era de uma pessoa em quem eu confiava.
Rodrigo Rosas Campos
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