sábado, 27 de agosto de 2016

Direto ao Ponto: S.A.C.

Direto ao Ponto: S.A.C.

Rodrigo Rosas Campos

Atendente – S.A.C., em que posso ajudar?

Cliente – Pois é, minha roupa veio com esse problema. Arremate mal feito, está desfiando e descosturando.

Atendente – Calma, senhor, venha que nós trocamos. Isso com certeza foi erro do estagiário.

Cliente – Manda esse estagiário embora!

Atendente – Não podemos, senhor, se fizermos isso, em quem vamos pôr todas as culpas?

sábado, 13 de agosto de 2016

Na Sala de Aula de Mery Campos

Na sala de aula

Mery Campos

Eu estudei em escola publica durante toda minha vida, e quem estudou também sabe que em semana de feriado, as escolas ficam as moscas. Dá para contar nos dedos todos os alunos da escola inteira.
Nesse dia tinha cerca de 10 alunos na minha sala, na maioria meninas, e estava um certo friozinho de meio de ano. O professor disse que se a gente não exagerasse na bagunça, ele não passaria lição.
Um dos meninos disse:
-Vamos brincar de detetive pra hora passar rápido?
E alguém respondeu:
-Não! Vamos brincar de contar história de terror!
Todos aprovaram a ideia e começamos a discutir quem ia começar..
Uma amiga minha, que é meio exagerada, disse que ela queria começar e todos
formamos um circulo no fundo da sala.
-A minha vó ia muito pro centro de macumba- começou ela -E em uma dessas vezes ela me levou com ela, e uma mulher ficou possuída e começou a pedir cigarros, bebidas.. Aí gente eu fiquei com tanto medo! Aquelas imagens as danças.. eu não via a hora de ir embora.. Aí ela falou que eu vou morrer...
Todo mundo começou a rir, alguns disseram que ela estava mentindo, algumas meninas disseram que estavam com medo. Mas o jeito e o suspense que ela usava pra contar a história criou um certo clima tenso na sala.
Ela ficou brava e disse que se a gente não parasse ela não ia continuar. Nisso, meu professor se aproximou da gente e ria discretamente com a mão fechada na boca, como se estivesse tossindo.
Todo mundo se distraiu e a menina que estava contando a história, aproveitando a aproximação do professor, pediu pra ir no banheiro.
Ele fez uma cara de terror e disse:
-Vai lá, o demônio está te esperando pra te matar no banheiro junto com a loira.
Ela fez uma cara de pavor e disse:
-Aí credo prof.! Ave Maria!!
Todo mundo começou a rir e nos distraímos de novo. Alguns minutos depois, o professor disse:
-Vai lá que ele está subindo pra te pegar!"
Ele mal acabou de falar, bateram bem forte na porta 3 vezes.
Foi uma gritaria só. Todo mundo se junto, quase um em cima do outro, até o professor ficou meio cismado. Mas, como ninguém se ofereceu, ele teve que ir abrir a porta.
Ele andou desconfiado, mas tentando mostrar pra gente o quanto estávamos sendo bobos de pensar que podia ser algo sobrenatural.
Quando ele abriu a porta, a professora de biologia estava lá parada e não entendeu porque todo mundo começou a rir. O professor também demonstrou algum alivio ao ver a professora e disse brincando:
-Nossa, como você bateu forte na porta! -e deu um sorriso.
Ela sem entender nada disse:
-Mas eu nem tinha batido na porta ainda...
Todo mundo que estava no fundão se olhou, e o professor vendo que o clima estava tenso de novo, mudou de assunto:
-Você queria alguma coisa?
E a professora:
-Ah, sim! Me pediram pra avisar que todo mundo vai fazer o intervalo junto hoje, é pra descer no primeiro sinal.
O professor afirmou com a cabeça, agradeceu o recado e caminhou em direção a sua mesa, na mesma hora em que a professora se virava e saia.
Perguntaram se ele não ia fechar a porta e se queixaram do frio, mas o professor disse que era melhor deixar assim. E voltou a fazer o que estavam fazendo antes de se juntar a nós.
No fundo da sala, todos falavam ao mesmo tempo, do que tinha acontecido e a menina que tinha pedido para ir ao banheiro, disse que só ia quando tivesse mais gente lá.
Por causa do clima de terror, decidimos brincar do jogo do compasso. Melhor dizer, eles decidiram, eu fui lá na frente falar com o professor, porque já estava com medo e não queria me arriscar.
O professor estava corrigindo algumas provas, e quando eu me aproximei,
ele olhou desconfiado:
-Ficou com medo da historinha boba?
E eu respondi:
-Eu não, sei que essas coisas não existem. - e ri porque não conseguia enganar nem a mim mesma.
-Não foi a professora que bateu na porta... - disse ele, como se estivesse me contando um segredo.
-Eu sei... -respondi com os olhos arregalados.
Ele percebeu que eu estava com medo e mudou de assunto.
Começamos a falar de notas, datas de provas, da matéria. E, as vezes ficávamos distraídos, por causa das risadas ou discursões no fundo da sala.
O professor ficou com a gente, todas as aulas desse dia, porque ele era nosso coordenador. E ia ter reunião de pais.
O clima ficou menos tenso, e agora na sala, tudo estava sendo levado na brincadeira, todos já havia esquecido o que tinha acontecido e as risadas e protestos quando desconfiavam que alguém estava empurrando o compasso.
O tempo passou rápido, e o sinal do intervalo tocou. Todo mundo ficou alegre, e andou em direção à porta. Quando estávamos a uns três passos da porta, ela bateu com tudo se fechando e fazendo um barulhão.
A gritaria tomou conta do lugar de novo, eu me encolhi perto da mesa onde estava sentada antes, e o professor ficou mudo.
Todo mundo gritava e falava ao mesmo tempo, mas ninguém queria chegar perto da porta e abrir.
O professor começou a ficar nervoso e dizia:
-Foi só o vento! Fiquem quietos!
Mas ele também não estava convencido disso. Não tinha vento nenhum. Ele passou por todos e foi em direção à porta para abrir, mas a porta parecia trancada.
-Deve ter emperrado.
Novos gritos em resposta ao que o professor tinha dito. Soltaram alguns: "Eles vão nos matar!!"
-Parem com isso! -disse o professor já bastante irritado e sem sucesso com a porta foi até a janela para chamar alguém.
Atrás das cortinas, não se via nada, só uma neblina que o frio causara naquela manhã. Mas o estranho é que o pátio parecia estar vazio.
Eu me levantei e sentei na cadeira onde estava antes. E duas amigas minhas se sentaram comigo e sem conversar, ficamos juntas esperando por uma solução.
Alguns garotos junto com o professor, ainda tentavam abrir a porta, porém sem conseguir nem girar a maçaneta. Outros se sentaram um pouco distantes e diziam que aquilo não podia estar acontecendo.
De repente a menina do banheiro gritou e assustou todo mundo.
-O que foi sua louca!?? -alguns perguntaram irritados.
Mas ela nem olhou quem falava, ela não conseguia tirar os olhos do que quer que a tivesse feito gritar.
Então, aos poucos, fomos virando a cabeça em direção a janela que ela estava olhando e ficamos paralisados de medo.
Apesar da cortina, dava pra ver claramente que alguém engatinhava na janela pelo lado de fora, e ninguém, incluindo o professor conseguia nem sequer falar.
Parecia que a figura do lado de fora, procura uma brechinha para olhar para dentro, ou para entrar. Ao pensar nisso senti meu corpo inteiro tremer, e sai de onde estava indo para perto do meu professor que era a figura de proteção que eu tinha naquele momento.
Ninguém conseguia tirar os olhos da janela, ou melhor, daquilo que se arrastava nela. E mesmo sem ter ideia do que era, sabíamos que não era algo normal. Como alguém normal engatinha na parede?
Nesse instante, a coisa que estava do lado de fora, engatinhou bem rápido em direção a laje da escola. Todo mundo se olhou e alguns começaram a chorar e rezar.
O professor correu para a porta e tentou a todo custo abrir, mas não conseguia. Ele se encostou na parece e escorregou até o chão, sentando com as mãos na cabeça. Alguns alunos formavam um grupo no fundo da sala.
-E se a gente rezasse? As vezes resolve se a gente rezar junto! -disse um dos garotos.
Parecia uma ideia boa, levando em consideração que ninguém sabia do que se tratava. Formamos um circulo onde estávamos e começamos a rezar juntos.
O professor continuava com as mãos na cabeça, sentado perto da porta. De repente, a mesa dele começou a bater no chão com força, e os papeis que estavam em cima, começaram a voar. Ele olhou com os olhos arregalados. E nós que estávamos rezando começamos a gritar e chorar, pedindo "pelo amor de Deus" para que aquilo nos deixasse em paz.
O professor ficou em pé e gritou pra o que quer que fosse voltar pro inferno. Antes mesmo que ele terminasse a frase, a mesa foi lançada em direção a ele.
O professor teve tempo apenas de se jogar para frente, antes que a mesa batesse forte na porta, e virasse caindo no chão.
Corremos em direção ao professor para ver se ele estava bem, e ele nos olhou como se não nos conhecesse e lagrimas subiram aos seus olhos, mas ele segurou para não mostrar sua fraqueza.
-O que esta acontecendo aqui? Por que isso está acontecendo aqui? Com a gente? –os meninos o colocaram numa cadeira.
Eu comecei a chorar e sentei perto de onde todos estavam se sentando e uma das meninas sentou no chão com as mãos em volta dos joelhos e fazia um movimento continuo pra frente e pra trás olhando o chão como se estivesse hipnotizada.
-Bem que minha mãe disse que hoje eu não precisava vir pra escola...
-Essa merda é mal assombrada! -disse um dos meninos.
-Agora é tarde pra pensar nisso! A gente precisa arrumar um jeito de sair daqui! -disse o professor que estava se levantando e olhando ao redor como se estivesse procurando algo para usar como arma.
Silencio. Depois que o professor falou ninguém mais tinha vontade de falar nada, e o silencio parecia sufocante naquela situação de medo.
Por que aquilo estava acontecendo? Não era dia das bruxas e ninguém ali tinha feito algo que pudesse ser considerado grave, ou havia...?
Batidas na janela interromperam meus pensamentos e novos gritos se espalharam pela sala. Olhamos para a janela com medo e esperando o pior, mas as batidas pararam e tudo que vimos foi a sombra de uma mão e uma cabeça como se alguém estivesse nos observando e quando descoberto se escondesse na lateral.
O professor já havia desistido de acalmar a sala, e também não tinha mais força pra acalmar alguém sem uma boa explicação para aquilo.
-Vou tentar a porta de novo! -disse um dos alunos, ele olhou com esperança, mas não se moveu. -Droga! Ainda esta trancada!
-Você não usou força suficiente! -resmungou o outro que estava perto. -e, sem sucesso, também tentou, mas não fez a porta nem tremer. -Que droga! Ainda estamos presos!
-E agora? O que vamos fazer?" disse um dos meninos que tinha tentado abrir a porta primeiro.
-Vamos ficar juntos e esperar alguém vir ajudar a gente. -disse o professor, com um certo tom de confiança na voz.
-Precisamos pensar como tudo isso começou. -continuou ele e olhou em volta esperando que alguém desse sua opinião.
-Talvez, se a gente descobrir como tudo isso começou a gente possa por um fim nessa merda toda.. -disse ele olhando em volta e fazendo círculos com as mãos. Ninguém abriu a boca, mas todos concordavam com ele.
De repente um frio tomou conta da sala, e todos se juntaram para tentar se proteger. Eu fiquei toda encolhida com os braços em torno de minhas pernas e respirando fundo querendo muito acordar daquele pesadelo.
-Mas que inferno! -gritou um dos garotos -Nos deixe em paz! –e jogou uma cadeira na janela. A janela quebrou por causa dos pés da cadeira e um vento muito forte levantou as cortinas. Antes que os cacos fossem muito longe eles voltaram em direção a janela e entraram na sala se lançando contra a gente.
Foi horrível! Alguns se cortaram, outros se esconderam, mas, acabaram com hematomas, enfim, mais gritos e choros. Mas e o garoto? Ele continuava de pé em frente a janela, sem se mover. O vento ainda balançava as cortinas, fazendo entrar um frio tolerável na sala que antes parecia uma geladeira. Era impossível que nenhum estilhaço o tivesse acertado, pensando nisso, o professor se aproximou e tocou seu ombro:
-Você esta be..."
Antes que ele terminasse a frase a cabeça do garoto e outros pedaços foram se soltando até formar uma pilha de carne no meio da sala. Todos se afastaram se jogando contra a parede. E gritos de puro pânico acompanhados de choros seguiram os movimentos bruscos de cada um.
Uma das meninas desmaiou, mas ninguém se importava com isso, cada um queria salvar a própria pele e não havia tempo para atos de heroísmo.
Por instinto, sentamos todos juntos no fundo da sala. Os garotos e o professor formavam um meio circulo em torno das meninas e isso nos deu algum conforto durante um tempo.
O estresse, o medo e o cansaço, me derrubaram, e eu adormeci por um tempo. Não sei dizer se por minutos ou horas, eu adormeci e tive sonhos horríveis de monstros que quebravam janelas e matavam meus amigos.
Devo ter falado durante o sono, pois acordei com meu professor me sacudindo e meus amigos me olhando como se eu estivesse louca.
-Calma menina! Você não precisa se entregar pra ninguém! Nós vamos conseguir sair daqui! -dizia ele com os olhos vermelhos por raiva ou sono.
Eu olhei em volta e percebi que já era noite. Que estranho! Parecia que eu tinha acabado de fechar os olhos.
Eu estava com fome. Mas todos deviam estar. Lembrei que tinha chocolate na mochila. Alguns bombons que minha mãe fazia e eu tinha levado para vender na escola.
Levantei, sendo observada por todo mundo e quando fui sair do circulo, meu professor pegou meu braço. Olhei pra ele com uma interrogação nos olhos. E ele perguntou o que eu pensava estar fazendo.
-Preciso pegar minha mochila, tem chocolate lá dentro e acho que todo mundo
aqui esta com fome... -eles se olharam, mas não dava pra negar
-Pronto! Agora ela vai se aproveitar da situação pra vender!
Eu olhei a menina que disse isso, mas não pensei em responder.
-Se esse fosse o caso, você deveria pagar adiantado. Não gosto de calote! -e ela fez um gesto com a mão que eu ignorei.
Foi quando eu percebi que ha algumas horas não acontecia nada. Mas a poça de sangue com os pedaços do garoto no meio da sala nos mostrava que era melhor não desafiar o desconhecido. Peguei minha mochila e levei para meu lugar no meio do circulo.
Eu distribuí os bombons um para cada e sobram seis. Achei melhor guardar, pois não sabia quanto tempo mais isso ia durar. Eu olhei meu bombom indecisa, pensando se dada a situação eu não ia por pra fora. Mas eu estava com fome e precisava comer ou não ia aguentar muito tempo.
Percebi que outros alunos haviam dormido também, menos meu professor, que estava parecendo um zumbi, com os olhos vermelhos e meio desarrumado. Era estranho ver ele assim.
De repente uma luz muito clara chamou a atenção de todo mundo que olhou para a janela com as cortinas um pouco rasgadas. E um barulho de muitas vozes rindo e conversando -algumas até cantando- foram ouvidas na sala.
Nos encolhemos de novo esperando pelo pior. Fez-se silencio.
E, como se nada tivesse acontecido, a porta se abriu.
Ficamos todos onde estávamos, novamente esperando pelo monstro que estava na janela há algumas horas. Mas nada aconteceu.
Passaram-se alguns minutos e o professor decidiu que era hora de tomar uma atitude, ele se levantou e caminhou devagar até a porta acompanhado por dois garotos.
Eu não queria sair de onde estava. Eu não queria que eles tivessem saído. Alguma coisa dentro de mim dizia que isso era só uma armadilha.
O Professor já tinha chegado à porta, espiou olhou para os garotos e disse:
-Acho que não tem mais nada aqui! -olhou para a gente que ainda estava no fundo da sala e nos chamou com um gesto da mão, mas pedindo silencio.
Isso era irônico! O que quer que estivesse fazendo isso, sabia exatamente onde nós estávamos e o que estávamos fazendo. Podíamos sair cantando e dançando ou nos rastejando em silencio, isso não fazia nenhuma diferença em minha opinião.
Coloquei minha mochila nas costas e fui pra perto da porta junto com todos que estavam no fundo da sala. Começou uma discursão boba sobre quem iria à frente e quem iria atrás, todos queriam a sensação de proteção de estar no meio do grupo.

Ficou decidido que o Professor e um garoto iriam à frente e dois garotos iriam atrás. Todas as meninas, eu inclusive iriamos no meio, então tentei ficar sempre atrás do Professor, que apesar de estar tão detonado ainda era a minha visão de proteção.
Andamos devagar até perto da escada. Cerca de oito ou nove passos depois da sala que estávamos as portas começaram a bater, todas. Batiam, abriam e batiam de novo com muita força.
Não dá pra explicar a correria que se seguiu. Eu agarrei a blusa do meu professor que me abraçou branco como cera. Alguns alunos desceram a escada correndo, outros se encolheram onde estavam, e gritos, muitos gritos e choro por toda parte.
Sem me soltar, meu professor chamou os três alunos que tinham ficado e começamos a descer a escada para o pátio.
Não tinha ninguém. Apenas sangue. Muito sangue espalhado pelas paredes, chão e teto. Nenhum sinal dos alunos que desceram correndo antes da gente.
Eu estava tão agarrada no meu professor que não percebi que tinha arranhado ele. Ele também não pareceu notar. Estava em choque.
Estávamos acabados. Reduzidos a cinco frangeis seres humanos contra algo que nenhuma ciência poderia explicar.
Ficamos em silêncio olhando o terror à nossa frente sem poder acreditar que havíamos provocado aquilo de alguma forma. Ninguém falou.
De repente um relincho e o suave trotar de um cavalo que parecia estar longe. Nos encaramos e olhamos o portão.” Um cavalo!?” Era a pergunta visível na face de
cada um ali.
O portão da garagem dos professores que dava para o pátio se escancarou e vimos o que temíamos: dois cavalos enormes, pretos, com olhos incandescentes a crina voava como se estivesse em chamas. Eles puxavam uma carruagem, também preta, e o cocheiro era um homem tão magro que parecia uma caveira os olhos brancos.
Eu gelei, fechei os olhos e desejei que Deus tivesse piedade de mim, perdoasse meus pecados e me permitisse morrer rápido, já que isso parecia inevitável.
Abri os olhos e lagrimas silenciosa começaram a rolar. Percebi, pelo canto dos olhos que os três garotos que estavam com a gente moviam-se lentamente em direção à escada. Olhei para o meu professor e ele parecia hipnotizado pelos cavalos.
Pensei: “por que eles ainda não nos atacaram? Droga!”
Nesse momento o cocheiro bateu de leve com as rédeas nos cavalos que bufaram e voltaram a trotar na nossa direção. Meu professor não saiu do lugar e eu fiquei apavorada.
Gritos vieram do andar de cima e eu sabia que meus amigos tinham morrido. Isso de alguma forma me deu forças. Eu segurei o braço direito do meu professor e comecei a
puxar ele escada acima. Ele meio que despertou e começou a correr comigo.
Ao chegar ao andar de cima, vimos a minha sala aberta, mas três "pessoas" que usavam mantos escuros até os pés e flutuavam no corredor nos intimidaram de continuar.
Os cavalos tinham chegado à escada, tínhamos que escolher o que iriamos enfrentar: o cocheiro do inferno ou os fantasmas?
Os fantasmas pareciam piada perto dos cavalos. Corremos em direção à sala, entramos e fechamos a porta.

Estava um caos. Uma bagunça enorme. Cadeiras e mesas jogadas umas em cima das outras, muito sangue marcas de mãos nos tetos e paredes e, estranhamente quente.
Ouvimos muitas vozes na sala. Risadas, conversas, musiquinhas, palavrões... Ouvimos de tudo e tudo ao mesmo tempo.
Corremos para o fundo da sala e nos agachamos, eu coloquei a cabeça no peito dele e fechei os olhos. Ainda estava chorando.
Ele olhava em volta e parecia procurar uma forma de escapar. Eu já esperava meu fim.
As janelas e a porta começaram a tremer violentamente e as vozes ficaram mais altas. Por trás disso tudo eu ouvia uma buzina tocar, parecia o sino da escola.
Senti meu professor colocando as mãos no meu ombro e me balançando devagar, como se estivesse me chamando. Abri os olhos e tudo tinha mudado. Eu estava na sala de aula e tudo estava normal. Como eu ainda chorava então ele disse:
-Acorda menina, o sinal tocou!
Olhei em volta e vi meus amigos. Coloquei os pés na cadeira os braços em volta dos joelhos e a cabeça nos braços e gritei:
-Me deixem em paz! Vocês estão mortos! -eles riram. Levantei a cabeça e pensei em gritar. Eu estava a ponto de grita, mas percebi que meus amigos estavam olhando pra mim como se eu fosse louca:
-Calma, foi só um sonho! -disse uma das meninas rindo. Eu não podia acreditar. -Você fala dormindo! -todos riram.
Olhei o jeito que eles estavam. Bem e inteiros. Eu devia estar exagerando. Talvez tivesse sido só um sonho.
Mas tinha sido tão real. "Foi só um sonho!" eu pensei. "Esquece isso!" Me levante, sorri forçado e comecei à caminhar em direção a porta. O clima estava calmo, todos andavam perto de mim.
Eu percebi que tinha sido uma boba.
De repente a porta bateu fazendo um barulhão. Eu me encolhi...

Nossos Erros de Mery Campos

Nossos Erros

Mery Campos

Durante nossa vida cometemos inúmeros erros.
Alguns grandes outros insignificantes.
Mas alguns marcam nossa vida de um jeito que nunca esquecemos...




Olhei em volta, para os meus amigos e vomitei de novo. Eles riam estupidamente, como se uma garota de 17 anos bêbada fosse a piada do século. Mas eu não era a única.
Estávamos em 5 amigos, duas garotas e três garotos. Eu estava tonta e minha cabeça doía. Toda vez que eles riam eu sentia vontade de bater neles, não só pelo barulho irritante, mas pelo jeito deles.
Minha amiga estava falando enrolado e os garotos estavam se aproveitando da falta de inibição das brincadeiras dela. Eu parecia a única prestes a entrar em coma ali mesmo na rua.
-Aposto como você não tem coragem de tirar a camisa aqui! -desafiou um deles. Ela riu e simulou um strip tease, mas não chegou a tirar a roupa. Eles prendiam a respiração com a ousadia dela, e ela se exibia demais, sem medo nem restrições.
Eu joguei minha garrafa na rua, ela voou e fez um barulho estridente quando se espatifou no chão.
-Querem saber? Vocês são uns merdinhas! -eu disse, meio enrolada com as palavras, caminhando em direção a eles. -Isso não mostra coragem! -e cuspi.
Eles me olharam com os olhos arregalados, se olhavam e soltaram uma gargalhada. Aquilo me ferveu o sangue.
-Vamos... Digam o que eu devo fazer pra mostrar a minha coragem?
Eles pareciam estar gostando daquilo, mas de um jeito diferente do meu.
-Desafiamos você a tirar suas roupas também! -e riram. Ah! Como aquilo me irritava.
Um deles se aproximou e mexeu na alça da blusinha que eu estava usando.
-Se quiser eu posso tirar pra você! -e riram mais ainda.
Eu coloquei a mão no peito dele e empurrei pra trás.
-Não! Eu quero um desafio de verdade. Alguma coisa que ninguém normal tenha coragem de fazer...
Eles riram e se olharam, falaram algumas coisas, mas eu não conseguia ouvir e desisti de entender depois de alguns minutos. Minha amiga, estava sentada encostada em um poste.
Eu me senti mal por ela. Sempre vaidosa até metida demais. E agora estava ali, sentada no meio da rua, bêbada e nas mãos daqueles idiotas que nós duas mal conhecíamos.
Se fossemos mais responsáveis, se ouvíssemos mais as pessoas que realmente nos querem bem em vez de ser sempre tão... Sempre tão...
-Gracinha.. então você quer um desafio de verdade? -disse um deles interrompendo meus pensamentos e me fazendo virar.
-Fala aí! O que vocês fazem nessa cidade quando querem provar que são corajosos de verdade? -eles se olhavam e por um segundo fiquei com medo. Mas a bebida e o fato de meu pai ser um pouco importante naquela cidade idiota, eu encarei eles.
-Você conhece o cemitério que tem aqui perto? -disse um deles.
Logico que eu conhecia, mas onde ele queria chegar? Esperei ele continuar. Ele riu e continuou, já que eu não parecia com vontade de responder.
-Desafiamos você a passar a noite lá.
-Hã? -Eu fiz uma careta. Tinha pensado em muitas coisas, mas não tinham nada haver com o cemitério. Aquilo parecia tão infantil.
-E aí? -disse um deles com impaciência -Se você não quiser ir fala logo, já já amanhece e não vai ter mais graça -e eles se olhavam
dando risadinhas.
Minha cabeça doía muito e eu estava confusa. Como aquilo tinha começado? Mas como ele mesmo tinha dito, já estava prestes a amanhecer e eu tinha começado aquilo.
-Tá! Vamos logo com isso! Eu quero voltar pra casa! -eu disse colocando uma mão na cabeça.
Um deles, parecendo adivinhar meus pensamentos, olhou minha amiga e disse:
-Vão vocês, eu fico com ela. Depois vocês me contam como foi!
Me contam como foi! Aquilo soou de um jeito estranho, mas eu estava com tanta dor de cabeça e cansada que eu não pensei nas possibilidades de significados.
Caminhamos em direção ao cemitério que ficava a algumas quadras dali, e chegamos ao portão que estava encostado. Eles falavam durante o caminho, mas eu não conseguia ouvir e nem estava prestando tanta atenção. Minha cabeça doía muito.
-As regras são simples: você entra, fica lá no meio até clarear o dia e depois pode sair. -os dois se olharam e ele continuou -Nós dois ficamos aqui.
De fato era tudo muito simples. Eu não acreditava em nada sobrenatural e logo amanheceria e eu poderia ir pra casa.
-Tá certo. Mas o que eu ganho quando eu conseguir? -perguntei. Com certeza essa brincadeirinha merecia um premio.
Os dois se olharam e riram baixinho.
-Podemos garantir que você não se esquecerá dessa noite!
Aquilo foi a gota d’água!
-Tá, o que vocês estão pensando em fazer? Me assustar?
Perguntei mais nervosa do que realmente estava.
-Acho que você está com medo de entrar e fica mudando de assunto pra tentar fugir do assunto... -disse um deles com cara de ofendido. -Oras, se você não quer entrar, fala logo que nós te deixamos em casa.
-Tá. Eu vou entrar." eu disse. Minha cabeça doendo bem mais.
Eles abriram o portão fazendo um barulho muito alto. Ele não estava trancado, mas enferrujado. Entrei e sem olhar pra trás, caminhei em direção ao centro do cemitério. Percebi que não ouvi o portão fechando e estranhei.
Estava escuro demais lá dentro. As arvores e cruzes eram apenas vultos ao redor e eu tropecei algumas vezes durante o trajeto.
Finalmente ouvi o barulho do portão, não muito alto o que me fez perceber que eu já havia andado bastante. Nesse momento tive a sensação de alguém passando a mão pelo meu braço. Uma mão fria demais pra noite o que fez meu braço inteiro arrepiar. Toquei o lugar onde a mão passou e estava gelado.
-Devo estar muito bêbada mesmo. -pensei e tateei uma arvore próxima para me encostar.
"Por favor, vá embora!" ouvi uma voz bem perto dizer. Dei um pulo. Era uma voz feminina estranhamente familiar, o que me assustou mais.
Olhei em volta, mas não se podia ver nada naquela escuridão. A lua só permitia ver fracamente as arvores e cruzes mais próximas, mas não havia ninguém perto o suficiente para ser visto.
"É só a minha imaginação! É só a minha imaginação!!" eu tentava acreditar, mas não entrava na minha cabeça
que aquilo não era real, que era só a minha imaginação com ajuda do álcool.
Encostei na arvore e deslizei até sentar no chão. Minha cabeça doía muito eu queria chorar. Mas, pior que isso
era a sensação de estar sendo vigiada. Como se tivesse alguém muito perto olhando meus movimentos.
"Saia daqui agora!" era a mesma voz. Eu arregalei os olhos, mas não vi ninguém. Coloquei as mãos no ouvido e
disse
-Vá embora! -apertando os dentes. Sem duvidas estava bêbada demais.
Novamente as mãos geladas seguraram meus pulsos e me puxaram com força pra frente. Como eu estava sentada caí meio de lado e novamente arregalei os olhos. Não havia ninguém.
-Quem está aí!? -perguntei tentando superar o medo que ia até os meus ossos e me fazia tremer.
"Saia já daqui!" a voz estava nervosa.
Eu não pensei em mais nada. Me levantei e comecei a andar rápido em direção à saída do cemitério. Um vulto chamou minha atenção. Devia ser um dos garotos tentando me assustar.
-Olha, isso não tem a menor graça! -de repente o vulto veio na minha direção. Era a figura de um homem, mas como estava contra a luz da rua, eu não conseguia ver quem era.
"Corra!" disse a voz, me fazendo pular. Antes que eu me refizesse do choque, sentir uma batida muito forte na minha cabeça. A minha visão ficou nublada e eu desmaiei.
Não sei exatamente quanto tempo se passou. As coisas estavam confusas pra mim, minha cabeça ainda doía
muito, e aos poucos eu fui despertando.
Uma luz muito forte fazia meus olhos arderem, mas eu não queria acordar. Eu tinha medo de ver onde estava e começar a me arrepender das coisas que eu tinha feito na noite anterior. Eu tinha medo de lembrar tudo que havia acontecido na noite anterior.
Aos poucos fui abrindo os olhos e vi que estava no cemitério, mas não perto da entrada e sim quase no meio, onde havia parado antes.
Estava enjoada, e meu corpo estava dormente. Meus olhos ainda estavam se adaptando a claridade e eu via tudo como se fosse um sonho.
Levantei, mas uma tontura muito forte me fez cair de joelhos. Minha garganta estava seca -resultando da bebedeira da noite anterior- e eu precisava mesmo de água gelada ou um café bem forte.
Precisava me levantar e ir pra casa. Meus pais deviam estar preocupados e provavelmente, depois de ontem, eu estaria de castigo pelo resto da minha vida.
Levantei de novo com um pouco de dificuldade e caminhei devagar até me ver fora do cemitério. As ruas estavam vazias, mas ainda era cedo e por ser domingo, as pessoas ainda deviam estar em casa.
Me sentia sendo vigiada o tempo todo, olhei para trás muitas vezes mas não vi ninguém e por estar em uma rua deserta isso me deixou com mais medo.
Entrei em casa, esperando ver meus pais na sala, mas não havia ninguém. Parecia um sonho, tudo estava meio desfocado.
Andei pela casa chamando pelos meus pais, mas não vi ninguém. Fui até a cozinha, mas não sabia o que fazer ali, apesar de a garganta estar ardendo e seca, eu não estava com sede.
Achei melhor avisar os meus pais que eu já estava em casa. Saí da cozinha e subi as escadas correndo, a porta do quarto dos meus pais estava aberta e eu espiei, mas a cama estava arrumada.
Ou eles saíram muito cedo ou eles passaram a noite me procurando. De qualquer jeito, eu estava ferrada!
Desci para a sala e percebi que a luz tinha caído. Olhei pela janela e vi que já estava anoitecendo.
-Que merda esta acontecendo aqui!? -eu pensei.
Era uma situação no mínimo estranha e muito assustadora. Sentei no sofá e pensei que tudo tinha uma explicação logica.
Talvez eu tivesse acordado tarde, talvez por isso meus pais já não estivessem em casa e talvez por isso eu tenha tido essa impressão de que estava escurecendo muito cedo.
Isso foi o suficiente pra me acalmar, decidi não mais pensar nisso, logo tudo estaria respondido.
Sentei no sofá e fiquei olhando a parede. Minha cabeça doía um pouco, mas não me incomodava como
antes, procurei alguma revista ou livro pra me distrair até meus pais voltarem. E vi um livro grosso com
capa dura branca em cima da mesinha de centro.
-O que é isso? -falei curiosa. E peguei para dar uma olhada.
Nesse instante uma sombra chamou minha atenção. Alguém havia passado correndo pelo corredor, mas eu só tinha conseguido ver só um vulto e não ouvi nada. Lembrei-me da sensação de estar sendo vigiada, e isso me
deixou mais nervosa.
-Quem esta aí? -perguntei, não ouvi som nenhum. Me levantei e levei o livro comigo, andei devagar até a cozinha mas não vi ninguém lá. E juntei aos 'talvez' a ideia de que eu podia ter imaginado aquilo também.
Decidi voltar para a sala e dar uma olhada no livro que eu estava carregando.
Me sentei confortavelmente no sofá e virei a capa.

"Nascida no dia 17 de janeiro a mais bela flor que havia
brotado do meu jardim: Minha Jasmim!"

Era a letra da minha mãe e estava falando de mim. Que lindo! Talvez minha mãe estivesse preparando algum álbum de família. Aquilo me deixou emocionada.
Abaixo da descrição tinha uma foto minha recém-nascida, ainda no hospital. Senti uma lagrima rolando pelo meu rosto e sorri. Virei uma pagina e vi outra foto minha, com 1 ano de idade. Abaixo da foto estava escrito:

"Jasmim mostrando seus
dentinhos, meu anjo que veio do céu!"

Cada foto marcava alguma coisa importante na minha vida. O primeiro passinho, o primeiro dia de aula, festas de aniversário,... Todos os momentos significantes para mim e minha família.
Eu percebi que ria e chorava das lembranças que elas traziam, e me emocionava muito com o que minha mãe
havia escrito debaixo delas.
As fotos foram passando e eu percebi que tinha chegado ao fim do álbum, virei a ultima pagina e vi uma foto que eu tinha tirado semana passada.
Que estranho àquela foto não marcava nenhum momento importante. Corri os olhos pela página e li a legenda.
Nesse momento, o álbum escorregou das minhas mãos e foi parar nos meus pés.
Tudo girava ao meu redor e eu estava tonta. Fiz muito esforço pra me lembrar da noite anterior, minha cabeça doía muito.
A casa estava escura, fria. E eu precisava sair dali.
Olhei a porta e pensei em dar uma volta. Respirar um pouco poderia me ajudar a lembrar de tudo que havia acontecido.
E talvez ajudasse a passar essa dor de cabeça que insistia em me perseguir.
Abri a porta e dei um grito. Eu estava novamente no cemitério. Mas não no meu corpo, era como se eu estivesse
assistindo à noite anterior. Eu 'me vi' entrando pelo cemitério e os dois garotos me olhando do lado de fora do portão, depois de um tempo que eu havia entrado, eles olharam pra ver se alguém os
estava vendo, fecharam o portão e também entraram.
Eu sentia que era ali que estava o perigo e pensei em um jeito de me ajudar. Lembrei-me da voz na noite anterior, agora eu sabia por que ela era familiar: era a minha voz.
Mas não conseguia sair do lugar, não sabia como me mexer. Eu olhava cada movimento meu e cada movimento deles, eles com certeza não tinham boas intenções.
Eu estava com muito medo do que estava acontecendo eu precisava 'me' salvar. Pensando nisso, eu dei um grande impulso pra frente e tentei pegar 'meu' braço. E vi minha mão deslizar como se fosse uma nuvem através do 'meu' braço.
Arregalei os olhos e olhei para minha mão, ela ainda estava inteira. Mas isso não diminuiu a vontade que eu estava de sair correndo -e gritando- dali.
Olhei para 'mim' e vi que apesar de ter levado um susto, eu continuava andando em direção ao centro do cemitério. E sabia que o tempo para fazer alguma coisa estava se esgotando.
Andei até ficar na 'minha' frente e comecei a falar, gesticular, chorar,... Mas nada parecia chamar a minha atenção. Fiquei com tanta raiva e medo, olhei pra 'mim' e disse:
-Por favor, vá embora! -e vi que isso, de alguma forma tinha chamado a 'minha' atenção. Por um segundo eu tive esperança de que tudo teria um final diferente. Mas logo, percebi que 'eu' iria ignorar isso também.
Mas ali estava a resposta pra minha angústia. Eu tinha conseguido chamar minha atenção e precisava usar isso de alguma forma.
Olhei para os garotos e eles estavam olhando para 'mim' de longe. Olhei para 'mim' de novo e me aproximei.
-Saia daqui agora! -eu disse ficando nervosa por ter entrado naquela confusão. Mas, fiquei com muito mais raiva, quando me vi colocando as mãos no ouvido e falando "Vá embora!"
Que droga, 'ela' devia estar indo embora, na verdade, nem era pra estar ali. A raiva me deu uma energia que eu não tinha sentido antes e eu segurei meus pulsos com força e puxei para frente.
Quando eu percebi o que tinha conseguido fazer, soltei 'meus' pulsos e olhei minhas mãos. Eu tinha conseguido ter um contato físico.
Olhei pra 'mim' e vi o quanto estava assustado com tudo aquilo. Aproveitei-me da raiva e do medo que ainda sentia e gritei:
-Saia já daqui! -e vi que dessa vez teve algum efeito.
Eu vi o quanto estava apavorada e tentei segurar a minha mão de novo, foi em vão.
Eu me senti estranha, aquele toque deu uma sensação de formigamento na minha mão, e eu fiquei distraída, mas lembrei de que algo muito ruim estava pra acontecer.
Mas pelo menos 'eu' já caminhava em direção à saída do cemitério, porém, nervosa demais pra estranhar que havia só um cara perto do portão.
O outro havia se escondido atrás de uma arvore e estava praticamente invisível segurando um pedaço de pau que parecia um tronco de árvore. Ele olhava com atenção para mim e embora parecesse nervoso ria de vez em quando para o amigo.
Senti um calafrio correr todo meu corpo inteiro e tentei correr pra perto de mim, mas minhas pernas não me obedeciam. Eu estava desesperada. Queria gritar, mas não saia nenhum som da minha boca.
A sensação era de estar em um pesadelo, daqueles que a gente corre e corre mas nunca alcança o objetivo. Vi quando o cara acertou 'minha' cabeça eu caí de joelhos e de olhos fechados senti alguma coisa escorrendo pelo meu pescoço abri os olhos e passei a mão: era sangue.
A dor de cabeça voltou muito forte e eu fiquei tonta. E via alguns flashes -algumas vezes dentro do meu corpo-
deles me atacando.
Eles rasgaram minhas roupas e enquanto um me estuprava o outro me segurava e o outro fez a mesma coisa. Eles me bateram muito e riam quando eu chorava ou tentava lutar. Tudo em vão.
A pancada na cabeça tinha me deixado sem forças, eu mal conseguia falar. Eu mal conseguia abrir os olhos. Meu corpo inteiro parecia triturado, estava realmente doendo muito.
Aí, eles pararam, eles se levantaram e um deles pegou de novo a madeira e bateu com força na minha cabeça.
E dessa vez, eu não desmaiei apenas. Eu fechei meus olhos e sabia que tinha sido o fim.
Quando abri meus olhos, eu estava fora do meu corpo e olhei para onde eles haviam me deixado. Eu estava coberta de sangue e machucados.
Eu me sentia estranha. Estava com uma angústia muito grande, queria chorar, queria sair dali, queria que tudo fosse um sonho.
Pensei em como minha família estaria se sentindo. Pensei principalmente na minha mãe e senti vontade
de chorar. O dia estava amanhecendo e eu fechei os olhos, sentia tanta vontade de estar em casa.
Quando abri os olhos, eu estava na sala da minha casa, eu nem tentei entender como tinha chegado lá, de repente as coisas não precisavam de respostas.
Eu vi meu pai descendo a escada com o jornal na mão, ele sentou em sua poltrona e abriu em alguma pagina para começar a leitura, colocou seus óculos e colocou um pé em cima do joelho. Ele não me viu, lógico.
-Beto, você já quer o seu café? -gritou minha mãe da cozinha, a voz dela me fez sentir um vazio no estômago.
-Claro meu bem, você pode me trazer? -respondeu meu pai.
-Já vou. -gritou ela de novo. E de novo tive a sensação estranha. Eu queria vê-la.
Caminhei devagar até a porta da cozinha - não, foi diferente de caminhar, eu tinha a sensação de flutuar. E quando parei na porta da cozinha eu a vi pegando alguma coisa no armário e voltando para a pia.
Ela estava diferente, mais magra. Eu me aproximei e vi que ela colocava leite em uma vasilha.
Vi que tinha uma marca que ia do polegar até o meio do braço entre a mão e o cotovelo. Ela devia ter tentado se matar quando soube que eu morri.
"Ai, mãe... o que você fez?" eu perguntei me aproximando.
Ela parou o que estava fazendo e olhou para frente. Por um momento eu tive a impressão de que ela tinha-me
ouvido. Tudo ali parecia fora do lugar, apesar de estar sempre arrumado. Era como se tivessem paredes de vidro em toda a casa que limitassem os movimentos e tudo fosse feito com cuidado pra não esbarrar nelas.
Eu sabia que tinha que deixar minha família em paz. Que eles precisavam seguir com a vida deles. Mas era
tão difícil dizer adeus.
Decidi que era hora de me despedir de tudo que eu conhecia. Andei pela casa, fui primeiro ao meu quarto, olhei minhas coisas. Parecia que tudo que eu tocava me mostrava uma história, um pedacinho da minha vida.
Eu tinha tantas lembranças ali. Ali era o meu Mundo. Era onde eu queria estar. Depois fui andando pela casa toda. Revi as fotos, os enfeites, as cores nas paredes, até uma marcação que eu tinha feito da minha altura com o passar dos anos. Uma lembrança pura de dias vividos com a minha mãe.
Os desenhos nas paredes do escritório do meu pai. Cada um com um significado especial. Eram os presentes que eu dava quando pequena nos dias dos pais, natais.
Agora eu via as coisas de forma diferente. Agora eu realmente as via como lembrança. Agora elas eram parte do quebra-cabeça que formava minha vida.
Olhei tudo várias vezes para ter certeza de que não ia me esquecer de nada. E quando dei por mim já era noite. Meu pai estava deitado, e eu me aproximei dele, sentindo falta das historinhas que ele me contava antes de dormir.
"Eu nunca vou me esquecer de você, pai. Você sempre foi meu herói e meu anjo da guarda. Eu nunca tive medo de nada perto do senhor. Obrigada mesmo por tudo que o senhor fez por mim. Eu sei que nem sempre fui uma pessoa agradável e nem sempre ajudei na convivência como deveria. Hoje eu sei o quanto tudo é importante durante a vida. Como cada minuto pode ser o ultimo. Mas, eu só quero que você saiba que eu sempre vou amar o senhor. E vou olhar por vocês também. Eu amo muito o senhor. Adeus papai!"
Ele estava dormindo e eu olhei para ele enquanto saia do quarto. O que eu disse a ele não fazia diferença nenhuma agora, eu devia ter dito isso enquanto ele ainda podia me ouvir, enquanto eu ainda estava viva. Mas dizer tudo isso a ele fazia uma grande diferença pra mim, fazia eu me sentir mais leve.
Era a vez de me despedir da minha mãe. Isso ia me doer muito.
Quando desci até a sala, vi minha mãe deitada no sofá cochilando coberta das cochas até o pescoço com uma
manta. Acho que se eu pudesse chorar, esse seria um momento. Eu sempre amei muito a minha mãe e ainda amo demais. Ela era um exemplo de pessoa, boa, carinhosa, educada até com quem não merecia.
Eu me aproximei e não conseguia dizer nada. Eu só queria olhar para ela. Minha mãe sempre foi minha melhor amiga. Sempre me deu bons conselhos, embora eu não seguisse todos e sempre me ajudou com tudo que eu precisava.
Não sei quanto tempo fiquei olhando ela dormir, mas tinha a sensação de que tudo estaria acabado em pouco tempo. Nesse momento, minha mãe se virou no sofá e eu vi que ela estava agarrada naquele álbum branco. E percebi que ela não tinha me esquecido e nada ia fazê-la me esquecer. Ela também me amava muito e eu sempre seria a filha dela, não importando onde eu estivesse ou o que eu fosse.
Me ajoelhei e abracei minha mãe, fichei os olhos e senti como se uma força me fizesse flutuar. Era como se eu não estivesse mais em lugar nenhum. Eu apenas flutuava.
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Minha mãe abriu os olhos e olhou em volta.
-Querido? -passou a mão na manta em que estava coberta e sentiu que estava fria, puxou para o nariz e sentiu o perfume, fechou os olhos. -Beto, querido! Venha aqui, rápido!! -ela estava chorando, de alegria e saudades, tudo misturado.
Meu pai desceu correndo a escada e parou perto do sofá. Ela olhou para ele e sorriu mostrando a manta, ele pegou e ela falou:
-Ela estava aqui, não posso provar nem sei como explicar, mas ela estava aqui.
Meu pai sentou ao seu lado e abraçou minha mãe que chorava e ria ao mesmo tempo. Ele olhou sua mão esquerda e lembrou o que a saudade havia feito a ela no começo. Resolveu que seria melhor não mentir:
-Eu também senti, querida, eu também senti! Mas devemos deixá-la ir. Ela precisa descansar.
E os dois ficaram juntos, cada um com sua forma de sentir.
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Abaixo da minha foto, no álbum, estava escrito assim:


"Jasmim com 16 anos.


Linda, a minha princesa.
Agora um anjo que vai nos iluminar e guardar sempre.
O motivo das minha orações e de eu crer em Deus.
E agora, mesmo estando perto dele, jamais saíra de dentro
do meu coração. Amo você, filha!

nascida: 23/março/1992
falecida: 23/março/2009"




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