quarta-feira, 29 de março de 2017

Review - Zumbis e Outras Criaturas das Trevas

Desaconselhável para menores de 18 anos.
Confesso que estou em débito com os quadrinhos nacionais. Prefiro americanos e franco-belgas, me julguem. Mas lendo São Paulo dos Mortos 1, 2 e 3 tive a dica de Zumbis e Outras Criaturas das Trevas. A edição é um verdadeiro intensivo de quadrinhos de terror brasileiros.

Zumbis e Outras Criaturas das Trevas foi uma antologia de quadrinhos em uma edição única e especial com publicações (até então inéditas) e republicações de vários criadores nacionais de quadrinhos de terror. Foi publicada em 2012 pela Editorial Kalaco. São 25 histórias em quadrinhos em 240 páginas, um conto em prosa, um poema ilustrado e muitas matérias sobre terror em quadrinhos no Brasil, quadrinhos de terror em geral e terror no cinema.

E antes que a patrulha TWD fique de mimimi, dizendo que eles surfaram na onda; Robert Kirkman, autor dos quadrinhos The Walking Dead, chupou os filmes de George A. Romero. O próprio Kirkman admite isso. E isso numa época em que videogames com o tema zumbi estavam bombando; o jogo original Resident Evil, também conhecido como Biohazard, foi lançado em 1996. Além do que, mortos-vivos em geral são uma temática universal de horror e terror. Sim, antes de ser série de TV ou qualquer outra coisa, TWD é quadrinho e Kirkman surfou na onda zumbi dos videogames!

O formato é o magazine, capa cartão e miolo em papel-jornal, o que rendeu duras críticas na época do lançamento, principalmente tendo em vista o preço final, caro para 2012. Também teve duas capas alternativas e a Comix não mandou a capa que eu escolhi. Se bem que, mesmo com o frete, paguei menos que o preço de capa de 2012: Comix perdoada.

As capas alternativas também foram alvo de duras críticas do público e da crítica na época do lançamento. Caça-níquel manjado nos EUA (e até aqui no Brasil) para vender mais edições com o mesmo conteúdo. Não há um índice, e isso é a mais imperdoável das falhas. As histórias também não estão separadas por republicadas e inéditas e as republicadas não estão na ordem cronológica. Enfim, as histórias foram colocadas de forma aleatória mesmo. Queria que tivessem na ordem de publicação original, da mais antiga para as inéditas, mas quem sou eu?

De fato, a qualidade da edição (da revista em si) é muito ruim. Em todo caso, não serei eu mais um a atirar pedras no aspecto técnico. Tenho certeza que a Editorial Kalaco fez o que pôde para tornar a edição o mais atraente, abrangente e acessível possível a um novo público. Publico esse que, vamos e venhamos, gosta de colecionar capas alternativas e depois reclama.

Só o fato da Kalaco ter republicado nomes que fizeram a história das histórias em quadrinhos no Brasil, nos anos mais duros de nossa história, merece todo o nosso reconhecimento e aplauso. Uma época em que o terror sobrenatural era metáfora e válvula de escape ao terror real que foi a ditadura militar. Da minha parte, a Kalaco está perdoada.

O preço foi salgado para a época, R$39,90, é dinheiro hoje, imagina em 2012. Hoje, mesmo com o frete, barateou, mas é aquela tecla em que volto a bater: pare com o mais do mesmo das mensais de super-heróis e terá qualidade e variedade. Não seja leitor de monocultura literária, experimente tudo o que puder.

As histórias que foram republicadas eram antigas, mas não imaginava o quão antigas eram. Nem todas estão com a data da publicação original, mas há republicações de 1957, 1969, 1970, auge das HQs de terror no Brasil, e até da década de 1980, quando o terror cedeu espaço para os super-heróis nas bancas de jornais. Daí para frente as publicações de terror em quadrinhos nacionais no Brasil passaram a ser bem esporádicas mesmo. Essa despreocupação de contextualizar o leitor em cada história é outro ponto ruim da edição. Nem todas as matérias se referem às histórias e aos artistas que aparecem na edição.

Aí um leitor pode perguntar: “Mas o que há no terror brasileiro que não há no estrangeiro?”. Pegada, ou melhor, pegação explícita! Até os zumbis são trabalhados no erotismo, imagine os vampiros e lobisomens.

Como o próprio título fala, os zumbis são os astros, mas outras criaturas das trevas dão as caras. Também foram convidados para esta festa... digo, edição: vampiros, sobretudo o Drácula, convidado de honra pela pena de Shimamoto; lobisomens; alienígenas, sim, eles também estão aqui; bestas e demônios. A maioria das histórias é tão curta que não se pode comentar sem entregar o final. Nestes casos, haverá apenas o título a equipe e, quando disponível, o ano em que foi publicada originalmente. Zumbis e Outras Criaturas das Trevas traz as histórias e matérias, na ordem:

Uma história sem palavras que cerca o expediente da revista e introduz o leitor na temática por Vitor.

Zumbis, Quem São? Para Onde Vão?, matéria introdutória da edição por Antero Leivas.

Criaturas da Noite de Mozart Couto (texto e arte): de fato, essa história é uma típica história de surgimento de zumbis pondo tudo de pernas para o ar em uma pequena cidade agitada por um concurso de beleza, uma corrida de moto cross e um show de rock. Mas a arte de Mozart Couto é arrebatadora. História originalmente publicada em 1987, 32 páginas. É a maior de toda a revista e daria um bom filme trash.

Próxima Estação: com roteiro de Daniel Esteves e arte de Al Stefano. Uma mulher nos subterrâneos do metrô de São Paulo tenta fugir de um ataque de zumbis. Sim, é uma das histórias que Esteves incluiu no primeiro São Paulo dos Mortos. Quando ele recebeu o convite para participar dessa antologia, enviou e antecipou a publicação de uma história que já tinha sido pensada para um projeto próprio e maior.

O Poder de N´Zambi de Antonio Lima, história e desenhos.

Mortos-vivos nos Porões da Ditadura; arte de Rodolfo Zalla e roteiro de Raphael Fernandes: história inédita escrita e desenhada em 2012. Toca numa ferida de nossa história sem subterfúgios, a ditadura militar. Um dos últimos trabalhos de Rodolfo Zalla, falecido em 2016.

Três Balas; história de Gian Danton e arte de Walmir. Amigos de infância tentando sobreviver a uma pandemia zumbi no Rio de Janeiro.

A Canção de Eva Jones, história de Franco Rosa, desenhos de Seabra e arte-final de Iório. A origem de uma vampira.

O Apocalipse Quase Zumbi ou: Nem Romero Foi Tão Longe, com roteiro de Antero Leivas, desenhos de Arthur Garcia e Antônio Lima, cinzas de Wanderley Felipe, letras e retículas de Daniel Rosa. Um garoto fala sobre a receita de um filme de zumbi. De todas as histórias é a que teve um apuro gráfico mais caprichado, afinal, foram 4 artistas plásticos envolvidos. Também foi ambientada no Rio de Janeiro. Merecia um papel melhor.

Sobreviventes, roteiro e arte Charles.

Vingança, história de Novais (texto e arte).

Pirata! De José Aguiar.

Os Zumbis de Dylan Dog, matéria escrita por Júlio Schneider. Repercutiu bem, sendo mencionada até no site oficial do personagem na Itália.

A Sombra com roteiro de Ferrez e arte de Franco.

O Mundo do Horror: três matérias consecutivas reunidas sob um título comum. Duas escritas por Franco Rosa e uma por Guilherme Martino. As de Franco Rosa falam das histórias que vem a seguir. Martino falou de horror em geral.

A Volta do Drácula; texto e arte de Shimamoto: de 1957, segundo Franco Rosa, foi, possivelmente, a primeira história em quadrinhos brasileira com o príncipe dos vampiros, Drácula, como protagonista. No Brasil, Drácula já havia sido mencionado ou coadjuvante, mas nunca antes como protagonista. Na trama, um negociante de quadros em férias encontra uma bela mulher que o leva até a casa do tio e a uma pintura rara. Parece bom demais para ser verdade? Sim, agora o incauto viajante tem que fugir de Drácula, o príncipe dos vampiros e de sua “sobrinha”, também vampira. Será que ele consegue se livrar de seus captores com vida e ainda resgatar o quadro raro?

Cântico As 3 Vampiras por Jonathan Harker, poema de R. F. Lucchetti ilustrado por Fábio Moraes, baseado no livro Drácula.

Zumbi, texto e lay-out de Antônio Rodrigues e desenhos de Rodolfo Zalla. De 1987. Um boxeador se recusa a entregar uma luta e é assassinado por um gangster. Transformado em zumbi, ele volta para se vingar. História ambientada nos EUA.

O Terror de Jayme Cortez, matéria de Fábio Moraes. Seguida por duas histórias desse monstro dos gibis que foi o desenhista, roteirista e adaptador Jayme Cortez.

Conte-nos Sua História Macabra de Jayme Cortez. Uma história em uma página.

Latir Para a Lua, ilustrada por Jayme Cortez em 1984, baseada em composição de Ozzy Osbourne. Isso mesmo, ele quadrinizou (adaptou para os quadrinhos) uma música do Ozzy.

Zumbis nas HQs, matéria de Heitor Pitombo. Da EC até os dias de hoje, um resumo da história dos quadrinhos de terror nos EUA. Menciona até a Marvel e a DC, mas esquece da Warren Publishing, editora original do tio Creepy, do primo Eerie, da bela Vampirella entre outras revistas de terror, guerra e ficção científica.

Lycanthropos de 1986 por Deodato Borges (texto) e Deodato Filho (arte). Sim, uma história sobre lobisomem desenhada por Mike Deodato. Ele desenha um texto escrito pelo pai, antes da fama na indústria dos comics estadunidenses.

Morte Vudú, com roteiro de João Costa e arte de Bené Nascimento.

Roko loko em A Noite dos Mortos-Vivos por Marcio Baraldi. Sim, há bom humor e rock and roll no mundo das trevas!

A Epidemia dos Zumbies tem 28 páginas, é de 1969 com arte (e, provavelmente, texto) de Paulo Fukue. Ambientada na Inglaterra do final do século XIX. Muitos quadrinhos nacionais foram ambientados na Europa e EUA a fim de pegar o público dos quadrinhos gringos. Eu sei disso! Mas nunca gostei. Autores brasileiros vamos fazer histórias aqui mesmo no nosso quintal. Quando quero um terror estrangeiro procuro autores estrangeiros.

A Saga do Ogro é uma matéria de Fernando Moretti que se refere a história em quadrinhos O Ogro de 1984. O texto também menciona a adaptação da trama para animação curta-metragem feita em 2011, com 8 minutos de duração, de Márcio Júnior e que contou com o próprio Shimamoto na direção de arte. A animação é impecável e bela, mas alguns diálogos foram alterados, nada que interfira no sentido geral da trama. Este curta tem até um site oficial, (http://www.oogro.com.br).

O Ogro, história de 1984, com texto e roteiro de Antônio Rodrigues e arte de Shimamoto.

Dor, texto de Mary Astor e desenhos de Adelmo. Temática gasta!

Apaixonado Coração Apodrecido: um conto de Antony Magalhães. Pode o medo da morte ser maior que o temor de virar um zumbi? Pode haver bom humor e amor na não vida cheia de preconceitos de um zumbi? Leia e tire suas próprias conclusões.

Paixão Sangrenta de E. C. Nickel. Para essa história um texto de contextualização não seria nada ruim. Parece ter sido publicada originalmente em tiras dominicais (ou inteiramente em páginas duplas de alguma edição de lombada canoa grampeada). Nessa edição, as páginas estão em formato paisagem. Ambientada na Europa medieval, a diagramação é soberba e o desenho impecável.

Sobrevivência de Gonçalo Júnior e C. Alberto. No sertão nordestino, em plena seca, uma repórter e um câmera de TV estão prestes a se deparar com uma terrível descoberta.

O Último Zumbi, uma história sem palavras. Roteiro de Franco de Rosa e arte de Gustavo Machado.

Humorto por Moretti, história de uma página, dois quadros e sem palavras.

Antes que o leitor pense que só coloquei as datas das histórias republicadas, é bom deixar claro que pus as datas disponíveis na revista. Quando os computadores pessoais entram no contexto, fica claro que algumas foram produzidas nas décadas de 1990 e 2000, mas não houve por parte dos editores a preocupação de separar as (até então) inéditas das republicadas e nem de as colocar na ordem correta de publicação original. Fora que as dos anos 1990 possuem aquele traço característico da época, quando impacto visual era mais importante que perspectiva, anatomia, escala e texto.

Alguns artistas que trabalhariam para editoras norte-americanas também aparecem, mas nenhum usando os nomes americanizados, usados para ganhar mercado nos EUA. A contracapa e o expediente até publicam os nomes mais conhecidos pelos leitores das editoras gringas, mas os créditos internos põem seus nomes reais, usados antes deles publicarem lá para fora.

A liberdade criativa dos quadrinhos independentes nacionais de terror é gritante. Várias histórias diferentes mostram causas diferentes para os zumbis, afinal, estamos no multiverso do folclore e dos mitos. Bem verdade que muitos decidem não explicar os zumbis, mas, em algumas tramas, a explicação faz diferença criando um contexto para aquele mundo e cada autor ou equipe cria seu próprio mundo. Todas as 25 histórias são autocontidas e completas. Prato cheio para leitores casuais e novos.

É uma edição de colecionador? Sim. Pela qualidade inestimável de histórias que deveriam estar em edições em catálogo permanente em livrarias e gibiterias, mas estamos no Brasil. A garantia desse valor fica por conta de Rodolfo Zalla, Jayme Cortez, Antônio Rodrigues, Shimamoto entre outros. Há também a primeira publicação de uma história da série São Paulo dos Mortos, idealizada e escrita por Daniel Esteves, e um Mike Deodato Filho antes da fama. Fora um Roko Loko, porque the zoeira never end! É uma edição de colecionador com certeza. Merecia uma republicação revisada e melhorada, com um índice, galeria de capas originais e com as duas capas alternativas, textos contextualizando cada história, histórias na ordem em que foram originalmente publicadas, contos, poemas e matérias gerais no final como extras e, no mínimo, um papel cartão no miolo? Sim, merecia. Kalaco, fica a dica!

Se puderem, bons sonhos e boas leituras!

Rodrigo Rosas Campos

Tags: Terror, quadrinhos, Brasil, criaturas das trevas, antologia.

quinta-feira, 23 de março de 2017

Aviso Sobre as Leituras Recomendadas

Leitura Recomendada (ou Leituras Recomendas) é quando eu apenas publico capas de livros ou revistas com os dizeres Leitura Recomendada. Sem resenha, sem opinião, no máximo alguma observação. Tanto aqui, quanto em minha página do Facebook.

A Partir de agora, as Leituras recomendadas serão exclusivas da minha página no Facebook, Rodrigo Rosas Campos Fazendo Literatura Etc. e Tal.

Aqui, continuarão meus contos, poemas, tiras e resenhas. Eventualmente um(a) convidado(a), como no caso de Mary Campos.

Obrigado, beijos e até breve!

Rodrigo Rosas Campos

terça-feira, 21 de março de 2017

Aviso Sobre as Listas

A partir desse ano, as listas que monto serão colocadas somente no Literakaos. Isso já acontecerá para as listas de 2018.

Obrigado pela atenção, abraços e beijos.

Rodrigo Rosas Campos

P.S.: Qualquer novidade ou imprevisto, eu aviso!

sexta-feira, 17 de março de 2017

Marvels: Breves Palavras Sobre a Obra Que Alçou Alex Ross ao Estrelato

Rodrigo Rosas Campos

Já escrevi muito sobre Astro City (em vários textos dedicados só a Astro ou não), já escrevi sobre Reino do Amanhã (no ensaio os Filhos de Watchmen), já escrevi sobre Projeto Superpowers (em duas ocasiões) e já fiz uma resenha de Kirby Genesis. Das cinco obras que considero as mais impactantes e emblemáticas da carreira de Alex Ross até agora (2017), falta justamente aquela que o alçou ao estrelato dos quadrinhos: Marvels.

Aviso: Alerta de Spoilers!

Bem verdade que também não falei de Justice (DC), nem de Terra X (etc. da Marvel), mas dessas séries nem vou falar mesmo. Por que? Justice é uma mini série legal, linda e arrebatadora. Mostra a arte do Ross em ponto de bala, mas a história é só um tributo ao desenho animado Superamigos versus Legião do Mal com o clássico embate do Superman com o Capitão Marvel/Shazam que nunca teve no desenho. Vale mais pela arte que pelo roteiro e não traz nenhuma polêmica ou novidade, apesar da enxurrada de ovos de páscoa e fan services para saudosistas. É boa no fim das contas (o final tem uma sacada genial), mas o meio é um conjunto de elementos reaproveitados a exaustão. Terra X, seus derivados e continuações soam como um Mad Max mutante da Marvel, vale mais pela arte também, foi um fracasso de crítica apesar dos fãs saudosistas. Ou seja, são obras lindas do ponto de vista estético, mas que não acrescentam nada ao gênero super-heróis como um todo. Em termos de beleza Justice é disparada a melhor arte de todos os trabalhos de Ross, que não esconde de ninguém que é um DCnauta, prefere a DC à Marvel. Vejam bem, ele não desgosta da Marvel, ele prefere a DC! Mas, apesar dele preferir a distinta concorrente à casa das ideias, foi na Marvel que ele teve sua grande chance, que agarrou com unhas e dentes.

Falar bem de Marvels é chover no molhado. É um quadrinho para quem não gosta de quadrinhos amar, um quadrinho que alcança um público que, normalmente, não lê quadrinhos e, menos ainda, super-heróis. Foi o momento em que a parceria Ross e Busiek foi firmada. Parceria que ainda nos daria Astro City e Kirby Genesis. Marvels também foi o marco zero da reconstrução do gênero super-heróis que, em plenos anos 1990, estava desgastado com violência gratuita, grafismos exagerados e mal feitos, histórias ralas, péssimas e, muitas vezes, mal acabadas. Quadrinhos videogame, ou era invasão de base (jogos de tiro em primeira pessoa), ou era um conjunto de lutas mano a mano (jogos de luta em geral). Heróis truculentos que batiam (e até matavam) primeiro e nem perguntavam nada depois.

A ideia original de Ross era pintar histórias inéditas dos personagens da Marvel em aquarela. Kurt Busiek foi designado para os roteiros e queria que um repórter se encontrasse com os heróis desde 1941 até os anos 1990. Surge, então, o repórter fotográfico Phil Sheldon. Segundo a edição da Salvat, foi Tom DeFalco que sugeriu que a série fosse recontar as histórias clássicas do ponto de vista de uma pessoa comum, sem poderes. Ainda segundo esse encadernado, Busiek detestou a ideia no primeiro momento, pois coube a ele a pesquisa do material e a organização da linha do tempo. Não haveria mais a inserção de novas histórias no passado, e sim o ponto de vista de um novo personagem, um repórter fotógrafo e sem poderes, como testemunha do passado da Marvel. Depois já sabemos o que aconteceu, a ideia de ter a perspectiva de pessoas normais num mundo de super-heróis funcionou tão bem que Busiek ficaria motivado a criar vários personagens humanos comuns narradores de primeira pessoa em sua obra autoral, Astro City, também com a participação decisiva de Ross. Mas voltemos a Marvels. O tempo de ação da história também mudou, ficou reduzido entre a Segunda Guerra até o início dos anos 1970.

Sheldon acompanha o surgimento das maravilhas (marvels) desde a era de ouro, com a criação e a revelação do Tocha-Humana original (o androide), as primeiras aparições de Namor, o Príncipe Submarino, o surgimento do Capitão América, a ida destes e de outros a Segunda Guerra Mundial até a morte de Gwen Stacy quando resolve se aposentar.

Nesse meio tempo, ele perde o olho ao ser atingido por um tijolo durante uma luta do Tocha-Humana original contra Namor; se casa; vai para o fronte da Segunda Guerra cobrir a atuação dos super-heróis na Europa; nascem suas duas filhas; presencia a primeira vinda de Galactus; as muitas invasões alienígenas combatidas pelos Vingadores; cobre a confusão no casamento de Reed Richards e Sue Storm; ajuda uma menina mutante a fugir de uma multidão enfurecida; publica um livro de fotos dos heróis intitulado Marvels, que dá título a série. É depois do sucesso desse livro de fotos que Sheldon tem a maior das reviravoltas da história e é, nesse período, que ele contrata uma assistente.

Assim como os policiais e bombeiros de Nova York, Phil Sheldon acompanha de perto as ações do Homem-Aranha. Ele o admira, fica revoltado com o canalha do Peter Parker que vende as fotos do aracnídeo para o Jameson, maior detrator do amigão da vizinhança. Sim, caros leitores, a perspectiva é de alguém de dentro do universo Marvel. Sheldon resolve investigar a morte do Capitão Stacy a fim de inocentar o Aranha. Nesse momento, eu fiquei tão imerso na história que pensei: “Será que ele vai descobrir que o Aranha é o… Putz, eu sei quem é o Aranha, tomei spoiler!”. Sim, eu que leio gibi desde os sete anos, que via desenhos animados do Homem-Aranha a mais tempo que isso, quando li Marvels pela primeira vez, senti aquele gosto de novidade de fato. Fiquei irritado por já saber que o Peter Parker era o Homem-Aranha. Queria que Marvels tivesse sido minha primeira leitura da Marvel. Quando estava lendo, senti tanta compaixão pelo Sheldon que engrossei o coro quando ele se referiu ao “canalha do Parker” desse jeito.

Phil pretende transformar essa investigação num livro reportagem, um livro mesmo, como ele mesmo diz, com palavras, não fotografias. Mas a morte de Gwen Stacy nas mãos do Duende Verde original o deixa desgostoso. Ele desiste da ideia, se aposenta e passa a câmera para sua assistente Márcia. Durante um bom tempo, achei que ela continuaria a história, esperei um Marvels II, mas Ross e Busiek se envolveram com Astro City e outros projetos logo depois. E uma continuação de Marvels sem os dois não seria uma legítima continuação de Marvels. Ponto para a Marvel que não cometeu um dos piores erros de uma certa e distinta concorrente.

Marvels saiu originalmente nos EUA em 1994 como uma minissérie em 4 edições. Aqui, no Brasil, foi publicada pela primeira vez, como minissérie em 4 partes pela Abril em 1995. A edição da Salvat, usada nesta matéria, é a de 2013. É claro que, entre sua edição original e a atual, vários materiais extras foram produzidos para engrossar os encadernados (tanto aqui, como nos EUA). A atual é a versão definitiva até a próxima edição definitiva com ainda mais material exclusivo que a edição definitiva atual. Confuso? Não se preocupe, você se acostuma (ou não).

Mas o ponto alto das edições encadernadas mais atuais são os bastidores. Ross usando seus amigos como modelos; improvisando fantasias (ele ainda não tinha a grana que viria a ter depois do Reino do Amanhã); transformando um lápis num charuto e fotografando seus pais como modelos para o beijo de Reed e Sue. Referências inter editoriais que só o Ross consegue aprovar estão por toda a parte: Billy Batson (o Capitão Marvel original da distinta concorrente) aparece com um boné azul vendendo jornais; o Spirit surge correndo junto aos repórteres e essas são só as mais gritantes.

Bem, precisava falar algo sobre Marvels. Espero que Alex Ross volte a me surpreender e que se envolva em algum projeto novo para além das capas. Seu último trabalho memorável foi a reapresentação dos personagens de Jack Kirby fora das duas grandes, com texto de Kurt Busiek (seu parceiro de Marvels e Astro City), a série Kirby Genesis.

Obrigado a você que leu até o fim. Boas leituras e até breve!

BUSIEK, Kurt (texto)/ ROSS, Alex (arte). Marvels. São Paulo: Salvat, 2013.

www.guiadosquadrinhos.com

Tags: quadrinhos, super-heróis, Marvel, Alex Ross, Kurt Busiek.

domingo, 5 de março de 2017

147

147
147 é um quadrinho curto, 23 páginas, escrito por Daniel Esteves com arte de Hugo Nanni. Nele, dois amigos vão de carro da cidade de São Paulo até uma praia (não identificada). O motorista e dono do carro pergunta ao amigo o que ele acha de temas como pena de morte, que acaba resvalando na diminuição da maior idade penal e até na volta da ditadura. O amigo carona, que tem o motorista no Facebook, até tenta mudar de assunto, mas o motorista insiste. A grande questão é que o motorista não quer discutir, quer apenas que o outro concorde com ele e a impossibilidade de diálogo real se esvai a cada frase trocada pelos dois.

A medida em que o leitor avança, referências pop do cinema e da TV, que vão das décadas de 1960 até 1980, pipocam nas páginas para mostrar, visualmente, o quanto aquela amizade era antiga e como uma simples opinião diferente deveria ser pequena em relação ao passado comum dos personagens. A arte de Nanni é usada muito bem para atenuar a baixaria que começa a rolar solta nos “diálogos”. O leitor prossegue pensando se um diálogo real não se estabelecerá entre os dois em algum momento. Afinal, eles estão indo para a praia e são amigos de longa data, de infância mesmo. 147 está disponível para compra no site da Zapata Edições por R$10,00. Uma história curta, simples e que manda a mensagem.

Todos os radicais de Facebook deveriam ler essa história e muito mais livros, jornais, revistas e muito mais do que simplórios posts repetidos, com palavras de ordem fora de contexto. Quer ser favorável a pena de morte? Tenha ao menos bons argumentos para isso, se informe sobre os lugares que a adotam e sobre os interesses e história das populações desses locais, leia sobre o assunto, leia livros, jornais e revistas. Chega de palavras de ordem esvaziadas por puro ódio, ignorância, desinformação e preconceito. Opinião não é rótulo nem camisa, é texto de 100 palavras ou, de preferência, mais. 147 foi publicado em 2015, o auge da baixaria nas redes sociais brasileiras, sobretudo no Facebook.

Boas leituras e reflexões!

Rodrigo Rosas Campos

Tags: quadrinhos, cotidiano, viagem, comportamento, redes sociais.

[Resenha] Diário Macabro RPG Versão Beta

    Sim, isso é uma resenha de um RPG em fase beta. Descobri esse sistema ao consultar o site da editora do quadrinho Ink Madness . Diário ...