domingo, 14 de dezembro de 2014

Borboletas, um conto de Rodrigo Rosas Campos

Borboletas
Rodrigo Rosas Campos



1. O Fora

Patrícia e Rute foram juntas a boate da moda. Patrícia não estava lá muito animada, até

que viu um rapaz chamado Maurício, logo chamou a atenção da amiga para ele e começou a falar:

– Olha lá Rute! Que gato! Bem que você disse para eu vir aqui antes.

– Qual?

– Aquele no centro daquele grupinho. Ele não é fofo?!

– Ha, não! Logo o Maurício?!

- Você conhece. Tá interessada nele?

– De jeito nenhum, estou bem com o Leandro. Mas esse garoto, além de ser um

galinha conhecido... - Rute interrompe-se.

– “... além de ser um galinha conhecido” o que mais?

– Bem...

– Fala!

– Bem, ele já foi visto com várias meninas diferentes em noites seguidas. É cara que,

no máximo, fica. Você não vai gostar dele não! É do tipo que usa e joga fora, e eu te conheço. Você não se contenta com uma noite só! Falei. Além do mais ele acaba de passar num vestibular, e, sabe como é? Na faculdade os galinhas pioram!

– Você está me escondendo alguma coisa. Você não consegue esconder nada de mim,

sabe disso. Além do mais, já fiquei com garotos antes. Sei perfeitamente usar e jogar fora se for preciso, e ele é tão fofo!

Rute olha para a amiga espantada e diz: – Até parece!

– E então eu não te falei sobre os gatinhos do carnaval? Foi um por noite, eu mudei de verdade, deixei de ser aquela bobona. Se o garoto não é sério, é ele quem perde. O que você não quer falar para mim? Vamos desembucha!

– É que ele só rejeita as meninas, ..., bem, entenda! Por mim você está ótima, mas é que... - respira findo - ... Ele só rejeita as gordinhas, chega até a ser grosso com elas! Pronto, falei!

Patrícia sorrindo respondeu – Ha, mas ele não me conheceu ainda! Além do mais, sou

gorda, mas nem tanto.

– Pronto! Era disso que eu tinha medo. Você e essa sua mania de querer mudar as

pessoas. Quantas vezes terá de se machucar com isso? Lembra o Guto.

– Um mal agradecido, tentei faze-lo gostar de poesia e ele me dispensou por aquela

zinha que só queria saber de dançar.

– O Cristiano.

– Este lia de tudo, mas não gostava de dançar.

– O Fábio.

– Adorava cinema, mas era um martírio levá-lo ao teatro. Uma vez roncou em plena

peça, um vexame.

– E é o único que continua teu amigo hoje, apesar de ter sido chutado por você. Olha

amiga. Eu sei que você acha que pode mudar as pessoas; mas há pessoas que não querem ser

mudadas. Além do mais eu já vi esse garoto humilhar uma menina menos gorda do que você.

E olha que ele ainda saiu da boate naquela noite com uma salafrária que viu tudo e que hoje é

capa de revista de moda, vai por mim, esse aí só quer saber de supermodelos magrelas, ele não

gosta de meninas de verdade, com defeitinhos e gordurinhas como a maioria de nós mortais.

– Bobagem! Todos dizem que meu pai queria ser um solteirão até conhecer a minha

mãe. E ela, que era magrinha, engordou. Isso não afetou em nada o amor de papai...

– Pessoas não são iguais e...

– Quando ele me conhecer vai gostar de mim. Tenho certeza, olha! Ele até está

olhando para cá!

– Ele está olhando para mim! Esse garoto olha para mim escrachadamente, só porque

eu não dou bola para ele. Só não conto para o Leandro para evitar um tumulto, por que gosto

daqui e porque não é todo dia que esse cara vem. Além do mais, esse talzinho não perdoaria

minhas estrias, só iria querer me convencer a tirar fotos que seriam retocadas por computador

para alguma dessas capas de revistas de moda. Nada contra, mas eu não quero ser modelo e

ele é mais um agenciador de modelos que um namorado em potencial. O pai dele é dono de

uma agência de publicidade e é esse o curso que ele fará na faculdade, embora já trabalhe para

o pai e seus contatos do mundo da moda. Ele recebe comissões sabia.

– Você fala como se ele fosse um gigolô, e ele é só um cara com um emprego legal

antes de terminar a escola.

– Querida, não vale a pena trocar os carinhos do Leandro pelo “carrinho” desse aí.

Esse troca de namorada mais rápido do que troca de carro e eu sei que o Leandro e eu

cresceremos bastante juntos.

– Você está é com muita má vontade com ele; quem sabe ele não tinha bebido um

pouco mais naquele noite, antes de ser grosso com aquela gordinha; além do mais ele pode ter

amadurecido. Decidi, “quem não arrisca não petisca!”. Com ou sem sua ajuda, vou falar com

ele, foi amor a primeira vista e é mais forte que eu!

Rute ri de nervoso, ia tentar segurar a amiga para dizer que Maurício não bebe, mas ela

foi mais rápida, saindo decidida na direção do garoto. Rute então ficou atenta e pensativa, o

inevitável ia acontecer e aquela noite terminaria antes da hora: “Amor a primeira vista; essa

paspalha ainda acredita nisso? A primeira vista o que pode existir é tesão e só isso, TE-SÃO.

Nunca ví amor a primeira vista de um homem para uma gordinha, nem de uma mulher para

um magrelo ou barrigudo.”.

Chegando perto de Maurício e seu grupo, Patrícia começa a falar: – Oi!

Maurício e seus amigos respondem: – Oi!

– Música legal essa né? Será que você não me tiraria para dançar? - falou Patrícia com

os olhos faiscantes para Maurício. O garoto a olhou de cima abaixo e com a voz carregada de

deboche e empáfia respondeu:

– Agora não vai dar; sabe? Eu já tenho compromisso, estou esperando uma gata que

está a uma tonelada..., digo, a uma hora atrasada. Desculpe-me, ciau! - Maurício e seu grupo

se afastaram de Patrícia as gargalhadas. Rute que a tudo assistiu aproxima-se de amiga, agora

em prantos, ambas saem da boate. Isso foi numa sexta a noite.



2. Mudança de Hábitos

Na segunda-feira, as duas entram em uma banca de jornal, caminhavam e conversavam

enquanto voltavam da escola. Diante de revistas com os títulos de “Dieta Já”, “Pense Leve”

etc. Patrícia muda o assunto da conversa com Rute: – Quero entrar para a sua academia de

ginástica. Quais são os documentos necessários, preço e tudo mais?

– O de praxe, identidade, CPF, teu endereço com CEP, um atestado médico de que

você está boa para exercitar-se; podemos ir até agora mesmo, está aberta!

– Agora não dá. Tenho hora com um endocrinologista amigo da família que aceitou

me encaixar hoje. Mas me liga mais tarde e me passa o preço. Quero fazer ginástica com

você!

Rute respondeu enfática: – Eu malho de segunda a sexta! Você nem natação faz, que é

menos puxado.

– Mas agora quero fazer como você, depois eu entro na natação, o que eu quero agora

são resultados imediatos. - Patrícia pega uma revista feminina com dicas de dieta e

maquiagem, paga ao jornaleiro e volta-se para a amiga: – Bem, Que espanto é esse agora?

– Você nunca comprou uma revista dessas antes. Dizia que sendo você mesmo não lhe

faltava namorado, que isso padroniza todo mundo, e bla bla bla.

– É, mas é preciso ler..., até para julgar melhor não é? Acho que tinha muito preconceito antes.

Rute pensa “Sei!”.

– Tá na minha hora, ciau! - Patrícia cumprimenta Rute que a detém.

– Vai entrar na academia de ginástica, hora no endocrinologista,...? O que você tá querendo? Emagrecer?

Patrícia visivelmente irritada: – No telefone a gente se fala, ciau!

Patrícia sai apressada da banca, deixando Rute pensativa.

Naquela noite, Patrícia ligou para Rute. Esta atende o telefonema que já esperava.

– Alou!

– Alô! Rute, sou eu Patrícia!

– E aí Patrícia? O que o médico disse?

– Que o meu caso é fácil. Ele passou uma dieta balanceada e me autorizou a fazer

exercícios.

No dia seguinte, Patrícia foi com Rute a academia, inscreveu-se e teve sua primeira

aula de aeróbica, bicicleta e musculação leve. Voltou para casa um caco, cenas que se

repetiram por umas três ou quatro semanas. Quando Patrícia finalmente se acostumou a rotina

dos exercícios, Rute veio com uma novidade, arrumara um emprego e teria que mudar o

horário da academia. As amigas passaram a se ver só na escola. Nesta altura patrícia já era

conhecida de todos na academia de ginástica. Os professores se impressionavam com a

dedicação da menina em emagrecer.

Em casa, seus pais ficaram perplexos, pois pensaram que ela fosse largar a nova rotina

em uma semana. Logo ela, que não dispensava um churrasco e um rodízio de massas, que

sempre comprava caixas de bombons e chocolates para ter na geladeira. Agora as guloseimas

se amontoavam na geladeira e nas prateleiras, e os potes de compotas nos armários da

cozinha. Ela que nem gostava tanto assim de fruta começou a fazer seus próprios sucos e

vitaminas, que não dispensava uma boa feijoada, agora, quando muito, comia carne vermelha

uma vez a cada duas semanas. Não chegou a virar vegetariana completa por muito pouco e

logo ela, que nem gostava tanto assim de saladas, agora, aparecia com uma receita nova que

ela mesma preparava semanalmente.

Em relação as proteínas, Patrícia passara a comer mais peixe e frango, e ela nem

gostava tanto assim de frutos do mar antes. Seu pai ficou realmente surpreso quando a mãe

falou para ele que teve que dar a maior parte dos doces e salgadinhos da casa para a criança

dos vizinhos de porta, caso contrário estragariam.

Os potes de Caldas nas prateleiras foram cedendo espaço as frutas, principalmente o

açaí, numa velocidade inacreditável. Massas? Agora, quando muito, Patricia só comia macarronadas e ainda assim nunca duas vezes numa mesma semana e na maior parte das vezes só no alho e óleo.

3. A Crise da Comida

O pai da menina, que era um bom garfo, passou a comer mais em restaurantes do que

em casa, pois sua esposa aderira a dieta saudável da filha e ambas monopolizaram a empregada. Luciana, a mãe de Patrícia, sempre corria no calçadão, mas não tinha grandes preocupações alimentares. Agora pensava em ir a acadêmia com a filha, não fossem os

horários atribulados de seu trabalho já teria se matriculado. Quando ouviu a idéia de sua

esposa, Rodolfo fez um muxoxo e desabafou visivelmente irritado e alterado: - Vê se vocês

não me incluem nessa, sou gordinho e sou feliz e gosto do que é gostoso! Já tô cheio de vocês

e dessas comidas daqui de casa: alho, óleo e, raramente, pouco sal. Tô até pensando em

arrumar uma amante para voltar a comer bem.

- Ora, do que você está reclamando? Come agora quase todo dia em restaurantes.

- É, só que tudo do meu salário, a dondoca aí gosta que eu te dê dinheiro para suas

despesas pessoais, nem parece que também trabalha. E eu?

- Deixe de ser mesquinho, você ganha mais que eu.

- Isso é o que você diz. Até hoje, desde que nos casamos, você nunca me mostrou seu

contra-cheque. Mas pra mim chega! Se a Zuleica não voltar a fazer as coisas de que eu gosto,

à partir do més que vêm, você vai paga-la sozinha. De que adiante dividir o salário de uma

empregada que só põe capim na mesa? E a tua filha que trate de trabalhar para te ajudar com o

salário dela.

- Querido, você está sendo mesquinho comigo?! Você nunca exigiu essas coisas de

mim. Você nunca foi assim com ninguém e...

Ele retomou a palavra cortando-a - Você nunca havia me dado motivo para

mesquinhes antes. Daqui a pouco você vai dizer que eu tenho que emagrecer também: olha

você gostou de mim assim, num tempo em que eu já era gordo, namoramos um bom tempo,

casamos e tivemos a Patrícia. Mas olha, o casamento é a única concessão que fiz por você,

que não topou minha idéia de termos filhos mas continuarmos em casas separadas. Escute

bem dona Luciana de Almeida Prado, se eu tiver que comer como um boi, ao invés do

próprio, por mais um mês, em minha própria casa, eu me divorcio!

Naquela noite dona Luciana resolveu nem discutir e ser mais afável com o marido do

que de costume. Mas ele estava realmente tão irritado com a “crise da comida” que recusou

sexo pela primeira vez em quase vinte anos de casamento e foi bufando para o sofá da sala,

ainda mais irritado com a insistência da esposa. Luciana percebeu que o caso era sério.

Depois dessa noite, Zuleica, a empregada, passou a fazer dois jantares, um para seu

Rodolfo e outro para dona Luciana e Patrícia. Com o tempo Luciana não resistiu e começou a

jantar como o marido e o casal voltou a se entender como nos velhos tempos. Mas Patrícia foi

firme, mesmo com as tentações de Zuleica, o jantar dela era diferenciado. A empregada se

admirou como a menina havia mudado. Logo ela que nunca havia recusado seu tutu à mineira

antes, agora comia sua salada como se nem o cheiro saboroso do tutu pudesse sentir.

4. Assunto entre Amigos

Os amigos mais chegados de Patrícia também notavam as mudanças. Rute, que sabia

mais dos motivos de Patrícia, era a que menos estranhava. No grupo de amigos, que se

reuniam quase todas as sextas ou sábados, também estavam: o Leandro, namorado de Rute; o

ex-namorado Fábio, que após ter sido dispensado por Patrícia, arrumara outra namorada

gordinha, a Amanda, que logo se integrara ao pessoal e não se importava com o fato de Patrícia e Fábio já terem namorado: até achava graça “Como é que uma menina tão séria

como a Patrícia namorou um palhação como você?”. Fábio apenas ria desse comentário, era a mais pura verdade, ele nunca se levou muito a sério e isso fazia com que fosse agradável com todo mundo. Eles eram os presentes naquela sexta-feira, em que, heroicamente, Patrícia, em pleno restaurante italiano, só comia uma salada verde com frango grelhado e arroz enquanto

os demais comiam canelones de carne fumegantes.

Leandro, o menos discreto do grupo, não conseguiu se conter e puxou a conversa principal da noite: - Pati, quem te viu quem te vê, hein? Você recusando um canelone desse e comendo salada com frango e arroz, daqui há pouco vai deixar até de comer carne branca e

virar vegetariana radical.

- De jeito nenhum, meu endocrinologista, o Dr. Hélio, disse que esses radicalismos

não são saudáveis, nossos corpos também precisam de proteínas. Como foi que ele disse

mesmo?! “Se tivéssemos que comer só vegetais, Deus teria feito nossos estômagos iguais aos dos ruminantes.”.

Nesse ponto foi Fábio que não resistiu e continuou: - Quer dizer que você chegou a

pensar nessa idéia. Pô, quando namorávamos você olhava para as modelos anoréxicas de revistas e dizia que elas não tinham o menor amor próprio, que mantinham morbidamente um padrão estético machista por pura falta de personalidade, que era um absurdo alguém se preocupar mais com modas fúteis que com o próprio conforto e saúde e bla, bla, bla.

- Fábio não seja grosso! - retrucou Amanda.

Patrícia respondeu: - Ele não está sendo grosso, é tudo verdade, além do mais os

deboches de Fábio não me afetam. Eu realmente pensei em cortar a carne por completo, mas

teria sido uma decisão não saudável. Como vê, querido, não mudei tanto assim, continuo

sendo inteligente e tendo amor próprio.

- Por mim, você era melhor antes, agora tá ficando chupada, até suas bochechas estão

sumindo.

- Quer dizer que você gosta de mim por que me acha uma baleia?

- Não é nada disso Amanda. Só acho que não tem graça namorar uma menina que não

tem carnes para serem apertadas. Desde os anos de 1990 até hoje, Merilyn Monroe é

considerada gorda, sabiam? Acho que quem gosta dessas vassouras andantes são costureiros.

Tudo bem, existem pessoas como a Raquel que comem e não engordam, mas a Raquel não

parece uma doente.

- Suas justificativas só fazem piorar, quer dizer que agora você acha que eu estou

doente?

- Não, Patrícia, você ainda não está parecendo doente, mas eu não quero te ver como a

Bruna, da escola, que precisou ser internada para não morrer. E estou falando sério.

- Milagre, Fábio falando sério.

- Cale a boca Leandro, você é que não devia ter puxado o assunto.

- Tudo bem Rute, eu não me importo. Sei que vocês gostam de mim e quero garantir

que podem ficar despreocupados porquê eu só emagrecerei o que minha saúde permitir. Não

foi a toa que busquei orientação de um endocrinologista e de um nutricionista. Vocês não

estão diante de uma burra, posso até ser meio maluca e ingênua as vezes, mas burra não.

Os garotos resolveram se calar diante da fala de Patrícia. Amanda, para mudar rápido

de assunto e evitar um clima ruim, perguntou se eles já tinham ouvido o hit do momento e

logo todos estavam de novo jogando conversa fora sobre outras pessoas e rindo animadamente

de piadas, mais bem contadas do que novas ou engraçadas.



5. Conversa Sobre Garotos

Com as provas de fim de ano, Rute foi passar um fim de semana na casa de Patrícia

para que ambas estudassem juntas. Combinaram de passar de sexta a noite até domingo a

tarde estudando. Deram a pausa para um lanche, no qual Rute bebera refrigerante e Patrícia

uma vitamina de frutas e estudaram até cerca de 11:00 da noite, quando suas cabeças

finalmente se cansaram da química, física, matemática e cia. Antes de dormir, porém,

decidiram apenas conversar no quarto escuro até que o sono as vencessem.

- Já decidiu pra o quê vai fazer o vestibular Rute? Desde que você começou a trabalhar

que quase não temos nos visto.

- Não. Decidi que vou fazer um concurso público e depois ver se faço alguma

faculdade. Gostei de não precisar depender do dinheiro de meus pais e tem muitos cargos que

só exigem o nível médio, que terminaremos esse ano se Deus quiser, apesar das exatas. Além

do mais, trabalhar em loja de shopping center é uma verdadeira escravidão.

- Acho que deveria fazer o mesmo. Mas meus pais estão me pressionando, ele gostaria

que eu fizesse contabilidade ou administração de empresas, ela que eu fizesse direito ou

filosofia, tá um saco!

- Meu pai me dá a maior força, ele passou anos desempregado com um diploma

universitário debaixo do braço até passar num concurso público e conhecer minha mãe. Já

para minha mãe, que chegou a trabalhar na área que ela escolheu, a carreira foi uma decepção

e ela virou servidora pública do mesmo jeito.

- Então você nem se inscreveu nos vestibulares?

- Não.

- E o Leandro.

- Ele vai fazer filosofia, mas eu não tô nem aí. Ele é ele e eu sou eu. Depois, se na

faculdade ele decidir que quer uma filosofa, que seja, a gente termina.

- Queria ter seu desprendimento.

- Não é uma questão de desprendimento. Eu amo o Leandro, mas tenho que me amar

primeiro para poder ser bem amada pelos outros. Além do mais, meus namoros só deram certo até que os objetivos meus e de meus antigos namorados foram os mesmos. Lembra quando eu gostava mais de cinema do que de boates, pois é, o Gustavo e eu nos separamos porque ele conheceu uma menina que gostava mais de cinema do que eu, e eu já nem o curtia tanto assim. É simples, quando nos conhecemos, sabemos amar e mudar de amor sem perder a amizade.

- Eu acho que só agora começo a me conhecer. Se não fosse pelo Fábio, acho que

nunca mais nos veríamos. Ele dormiu naquela peça de teatro, mas não sei como ele perdoou o modo grosseiro como eu terminei com ele. Eu exagerei, ele não correspondia a todas as

minhas expectativas, mas era carinhoso.

- Quer voltar para ele? É melhor pensar à frente, ele e Amanda estão firmes.

- Não, só me arrependo de não ter aproveitado mais ele na época, tantas coisas e ideias legais que ele me apresentava e eu só pensando no fato de ele não gostar de teatro quando terminei. Sei que um dia terminaríamos, mas eu podia ter sido melhor e poderíamos ter durado mais.

- É! O Fábio tem umas ideias que só ele mesmo!

- Lembra quando acampamos e o Juca levou uma Playboy e a Tereza levou uma

Cláudia?

- Lembro, era a mesma modelo nas duas capas. E o Fábio reparou que enquanto todos os garotos a desejavam, as garotas queriam ser desejadas como ela. Queriam ser como ela.

- Aí ele mandou aquela máxima: “Não sei como as mulheres não são lésbicas em sua maioria? Afinal o padrão de beleza feminina que é vendido para os homens é igual ao que as mulheres também compram. A única diferença é que uma mulher aprecia o esforço que outra faz para ficar nesse padrão, ao passo que nós, homens, só queremos saber dos resultados e de quão fácil é para tirar estas belas roupas e lingeries. Se eu fosse uma mulher como essa aí eu iria querer uma mulher que também fosse bonita e valorizasse tanto a minha beleza quanto o meu esforço para mantê-la, e não um homem que além de ser menos belo que qualquer mulher é um escroto”.

- Foi aí que o Daniel falou: “Eu não disse, eu não disse? Desde que esse cara nasceu,

que ele é sapatão!!!”

- “Sou mesmo, e daí?” - elas gargalham. Logo depois, Patrícia retomou, séria, a fala.

- Naquela noite eu morri de vergonha do meu namorado falando tanta besteira. Por

outro lado ele estava certo. A única diferença entre as capas e as fotos internas é que em uma a modelo estava vestida e na outra não. Era a mesma mensagem, o mesmo ideal de mulher bonita que estava sendo passado para mulheres e homens.

- Deixa a Amanda saber disso!

- Pode acreditar, Rute, eu não estou tendo uma recaída pelo Fábio. Só estou pensando:

Quer dizer, como posso desejar ser uma mulher bonita se eu não me sentir atraída realmente

por mulheres bonitas? É que... (Patrícia interrompe-se).

- É que?

- Tenho tanto medo de falar isso com vocês, meus amigos.

- Isso o que?

- Sei lá. Tipo assim, já conversei com os meus pais, mas acho que os pais sempre

acabam nos aceitando de qualquer jeito.

- Você virou lésbica? Bem não vou deixar de gostar de você por isso, mas olha, você

não é meu tipo!

As duas riem. Patrícia retoma a palavra.

- Desde que aquele pulha do Maurício me sacaneou e eu comecei a emagrecer tenho

observado muito as outras mulheres, principalmente Regina, a professora de ginástica.

- Ela é realmente linda. Pena que só dá aula na nossa academia a noite. Se não, eu

voltava a fazer exercícios com ela.

- Ficamos amigas, sabe? Um dia desses eu perguntei se ela tinha namorado. Ela

respondeu que já teve um ou dois mas que desistiu de namorar garotos quando descobriu que

gosta mesmo é de garotas.

- Que babado é esse? Nunca percebi nada e fui aluna dela por uns cinco anos!

- Bem, ela me disse que não é porquê gosta de mulher que vai andar e se comportar

como um homem, como algumas lésbicas fazem. Ela nem namora garotas assim, acha

ridículo.

- Tô besta!

- Fala a verdade Rute. Se eu fosse sapatão você se afastaria de mim, você gostaria

menos de mim ou teria medo de ficar comigo como está agora e esteve tantas vezes antes?

- Nós nos conhecemos desde crianças, é claro que eu jamais deixarei de ser sua amiga.

Aliais, nem eu e nem nenhum dos seus amigos de verdade, sejam eles novos, velhos ou

futuros.



6. De Volta a Boate da Moda



Lá estavam os casais - Fábio e Amanda, Rute e Leandro – acompanhados de Patrícia

que faria uma grande revelação a todos, que nem mesmo Rute sabia, embora suspeitasse.

- Hoje meus amigos vocês vão conhecer a pessoa que estou namorando, se atrasou um

pouco por causa de uma emergência, mas já me ligou e não demora.

Enquanto os cinco esperavam, Maurício entrara na boate e não reconhecendo Patrícia

foi ao encontro do grupo que estava no bar da boate.

- Oi, está sozinha.

Patrícia o reconheceu de pronto, o mesmo que há um ano a humilhara. Estava

acompanhado de novos amigos e nem reparou, desta vez, a presença de Rute.

- Não, estou com meus amigos aqui e esperando uma pessoa. - Respondeu Patrícia

enquanto os outros, especialmente Rute, olhavam para Maurício. Nesse instante Regina, a

professora de ginástica apareceu na boate e dirigiu-se ao grupo.

- Oi Rute, há quanto tempo! Ela cumprimentou a antiga aluna. Virou-se para Patrícia e

disse: - Oi.

Patrícia afastou-se de Maurício levantando-se do banco do bar e indo em direção a

professora de ginástica. Antes que esta pudesse cumprimenta-la, Patrícia deu-lhe um beijo na

boca na frente de todos. Apenas Rute não ficou chocada, Fábio ficou excitado, Maurício e

seus acompanhantes ficaram perplexos.

Quando o beijo terminou, Patrícia falou: Regina, minha namorada, a Rute você já

conhece, esses são meus amigos Fábio, Amanda a namorada de Fário, e Leandro, o namorado

de Rute.

- E quele garoto ali que estava falando contigo quando eu cheguei? -Regina apontou

para Maurício.

- Há, ele apareceu por aqui para me dar uma cantada, mas eu já tinha falado de você. A

propósito, você não chegou a dizer seu nome, chegou? - Patrícia fingira tão bem que não

reconhecera Maurício que o garoto ficou sem fala. Gaguejando um pouco, muito sem graça, respondeu: - Maurício, me-meu nome é Maurício.

Foi nesse instante que Patrícia resolveu falar: - Bem este era só nosso ponto de encontro, galera, vamos logo para aquele restaurante novo, que esta noite temos muito o que conversar.

Porém, antes de sair da boate, Rute não resistiu, fingiu querer ir no banheiro e, escondida de todos, escreveu um bilhete em um guardanapo, sem assinar, e pediu a um garçom que o entregasse a Maurício. Maurício, só agora reconhecera Rute, viu o movimento da garota e pensou, menos inconformado com o vexame recente, que, pela primeira vez, ela criara coragem de trair o namorado duro que nem carro tinha. Quando recebeu o bilhete do garçom, abriu-o com sofreguidão e leu: “Quem pisa nas lagartas, pelas borboletas será ignorado”.

Só então, Maurício percebeu que Patrícia era a gordinha humilhada que acompanhara

Rute no ano anterior. Rute juntou-se ao namorado, Leandro, e aos amigos, e o grupo saiu da

boate animadamente. Sentindo-se rejeitado duas vezes em uma noite; trocado por um duro e por uma mulher; tendo as gargalhadas de seus amigos a debochar do grande pegador; ele passou, desde aquela noite, a beber, fumar, drogar-se, perdeu tudo o que tinha conquistado antes mesmo de entrar numa faculdade e morreu de overdose antes que pudesse terminá-la.
Fim
 

P.S.: este conto está no livro O Homem Que Trouxe a Chuva e Outras Viagens. Gostou? curta, compartilhe, compre o livro.
Essa formatação não está muito legal, reconheço, mas é o que deu para hoje.

Juvenal, O Velho Hippie, todos os sábados.

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