Borboletas
Rodrigo Rosas Campos
1. O Fora
Patrícia e Rute foram juntas a boate da moda. Patrícia não estava lá muito animada, até
que viu um rapaz chamado Maurício, logo chamou a atenção da amiga para ele e começou a falar:
– Olha lá Rute! Que gato! Bem que você disse para eu vir aqui antes.
– Qual?
– Aquele no centro daquele grupinho. Ele não é fofo?!
– Ha, não! Logo o Maurício?!
- Você conhece. Tá interessada nele?
– De jeito nenhum, estou bem com o Leandro. Mas esse garoto, além de ser um
galinha conhecido... - Rute interrompe-se.
– “... além de ser um galinha conhecido” o que mais?
– Bem...
– Fala!
– Bem, ele já foi visto com várias meninas diferentes em noites seguidas. É cara que,
no máximo, fica. Você não vai gostar dele não! É do tipo que usa e joga
fora, e eu te conheço. Você não se contenta com uma noite só!
Falei. Além do mais ele acaba de passar num vestibular, e, sabe como
é? Na faculdade os galinhas pioram!
– Você está me escondendo alguma coisa. Você não consegue esconder nada de mim,
sabe disso. Além do mais, já fiquei com garotos antes. Sei perfeitamente usar e jogar fora se for preciso, e ele é tão fofo!
Rute olha para a amiga espantada e diz: – Até parece!
– E então eu não te falei sobre os gatinhos do carnaval? Foi um por
noite, eu mudei de verdade, deixei de ser aquela bobona. Se o garoto não
é sério, é ele quem perde. O que você não quer falar para mim? Vamos
desembucha!
– É que ele só rejeita as meninas, ..., bem,
entenda! Por mim você está ótima, mas é que... - respira findo - ... Ele
só rejeita as gordinhas, chega até a ser grosso com elas! Pronto,
falei!
Patrícia sorrindo respondeu – Ha, mas ele não me conheceu ainda! Além do mais, sou
gorda, mas nem tanto.
– Pronto! Era disso que eu tinha medo. Você e essa sua mania de querer mudar as
pessoas. Quantas vezes terá de se machucar com isso? Lembra o Guto.
– Um mal agradecido, tentei faze-lo gostar de poesia e ele me dispensou por aquela
zinha que só queria saber de dançar.
– O Cristiano.
– Este lia de tudo, mas não gostava de dançar.
– O Fábio.
– Adorava cinema, mas era um martírio levá-lo ao teatro. Uma vez roncou em plena
peça, um vexame.
– E é o único que continua teu amigo hoje, apesar de ter sido chutado por você. Olha
amiga. Eu sei que você acha que pode mudar as pessoas; mas há pessoas que não querem ser
mudadas. Além do mais eu já vi esse garoto humilhar uma menina menos gorda do que você.
E olha que ele ainda saiu da boate naquela noite com uma salafrária que viu tudo e que hoje é
capa de revista de moda, vai por mim, esse aí só quer saber de supermodelos magrelas, ele não
gosta de meninas de verdade, com defeitinhos e gordurinhas como a maioria de nós mortais.
– Bobagem! Todos dizem que meu pai queria ser um solteirão até conhecer a minha
mãe. E ela, que era magrinha, engordou. Isso não afetou em nada o amor de papai...
– Pessoas não são iguais e...
– Quando ele me conhecer vai gostar de mim. Tenho certeza, olha! Ele até está
olhando para cá!
– Ele está olhando para mim! Esse garoto olha para mim escrachadamente, só porque
eu não dou bola para ele. Só não conto para o Leandro para evitar um tumulto, por que gosto
daqui e porque não é todo dia que esse cara vem. Além do mais, esse talzinho não perdoaria
minhas estrias, só iria querer me convencer a tirar fotos que seriam retocadas por computador
para alguma dessas capas de revistas de moda. Nada contra, mas eu não quero ser modelo e
ele é mais um agenciador de modelos que um namorado em potencial. O pai dele é dono de
uma agência de publicidade e é esse o curso que ele fará na faculdade, embora já trabalhe para
o pai e seus contatos do mundo da moda. Ele recebe comissões sabia.
– Você fala como se ele fosse um gigolô, e ele é só um cara com um emprego legal
antes de terminar a escola.
– Querida, não vale a pena trocar os carinhos do Leandro pelo “carrinho” desse aí.
Esse troca de namorada mais rápido do que troca de carro e eu sei que o Leandro e eu
cresceremos bastante juntos.
– Você está é com muita má vontade com ele; quem sabe ele não tinha bebido um
pouco mais naquele noite, antes de ser grosso com aquela gordinha; além do mais ele pode ter
amadurecido. Decidi, “quem não arrisca não petisca!”. Com ou sem sua ajuda, vou falar com
ele, foi amor a primeira vista e é mais forte que eu!
Rute ri de nervoso, ia tentar segurar a amiga para dizer que Maurício não bebe, mas ela
foi mais rápida, saindo decidida na direção do garoto. Rute então ficou atenta e pensativa, o
inevitável ia acontecer e aquela noite terminaria antes da hora: “Amor a primeira vista; essa
paspalha ainda acredita nisso? A primeira vista o que pode existir é tesão e só isso, TE-SÃO.
Nunca ví amor a primeira vista de um homem para uma gordinha, nem de uma mulher para
um magrelo ou barrigudo.”.
Chegando perto de Maurício e seu grupo, Patrícia começa a falar: – Oi!
Maurício e seus amigos respondem: – Oi!
– Música legal essa né? Será que você não me tiraria para dançar? - falou Patrícia com
os olhos faiscantes para Maurício. O garoto a olhou de cima abaixo e com a voz carregada de
deboche e empáfia respondeu:
– Agora não vai dar; sabe? Eu já tenho compromisso, estou esperando uma gata que
está a uma tonelada..., digo, a uma hora atrasada. Desculpe-me, ciau! - Maurício e seu grupo
se afastaram de Patrícia as gargalhadas. Rute que a tudo assistiu aproxima-se de amiga, agora
em prantos, ambas saem da boate. Isso foi numa sexta a noite.
2. Mudança de Hábitos
Na segunda-feira, as duas entram em uma banca de jornal, caminhavam e conversavam
enquanto voltavam da escola. Diante de revistas com os títulos de “Dieta Já”, “Pense Leve”
etc. Patrícia muda o assunto da conversa com Rute: – Quero entrar para a sua academia de
ginástica. Quais são os documentos necessários, preço e tudo mais?
– O de praxe, identidade, CPF, teu endereço com CEP, um atestado médico de que
você está boa para exercitar-se; podemos ir até agora mesmo, está aberta!
– Agora não dá. Tenho hora com um endocrinologista amigo da família que aceitou
me encaixar hoje. Mas me liga mais tarde e me passa o preço. Quero fazer ginástica com
você!
Rute respondeu enfática: – Eu malho de segunda a sexta! Você nem natação faz, que é
menos puxado.
– Mas agora quero fazer como você, depois eu entro na natação, o que eu quero agora
são resultados imediatos. - Patrícia pega uma revista feminina com dicas de dieta e
maquiagem, paga ao jornaleiro e volta-se para a amiga: – Bem, Que espanto é esse agora?
– Você nunca comprou uma revista dessas antes. Dizia que sendo você mesmo não lhe
faltava namorado, que isso padroniza todo mundo, e bla bla bla.
– É, mas é preciso ler..., até para julgar melhor não é? Acho que tinha muito preconceito antes.
Rute pensa “Sei!”.
– Tá na minha hora, ciau! - Patrícia cumprimenta Rute que a detém.
– Vai entrar na academia de ginástica, hora no endocrinologista,...? O que você tá querendo? Emagrecer?
Patrícia visivelmente irritada: – No telefone a gente se fala, ciau!
Patrícia sai apressada da banca, deixando Rute pensativa.
Naquela noite, Patrícia ligou para Rute. Esta atende o telefonema que já esperava.
– Alou!
– Alô! Rute, sou eu Patrícia!
– E aí Patrícia? O que o médico disse?
– Que o meu caso é fácil. Ele passou uma dieta balanceada e me autorizou a fazer
exercícios.
No dia seguinte, Patrícia foi com Rute a academia, inscreveu-se e teve sua primeira
aula de aeróbica, bicicleta e musculação leve. Voltou para casa um caco, cenas que se
repetiram por umas três ou quatro semanas. Quando Patrícia finalmente se acostumou a rotina
dos exercícios, Rute veio com uma novidade, arrumara um emprego e teria que mudar o
horário da academia. As amigas passaram a se ver só na escola. Nesta altura patrícia já era
conhecida de todos na academia de ginástica. Os professores se impressionavam com a
dedicação da menina em emagrecer.
Em casa, seus pais ficaram perplexos, pois pensaram que ela fosse largar a nova rotina
em uma semana. Logo ela, que não dispensava um churrasco e um rodízio de massas, que
sempre comprava caixas de bombons e chocolates para ter na geladeira. Agora as guloseimas
se amontoavam na geladeira e nas prateleiras, e os potes de compotas nos armários da
cozinha. Ela que nem gostava tanto assim de fruta começou a fazer seus próprios sucos e
vitaminas, que não dispensava uma boa feijoada, agora, quando muito, comia carne vermelha
uma vez a cada duas semanas. Não chegou a virar vegetariana completa por muito pouco e
logo ela, que nem gostava tanto assim de saladas, agora, aparecia com uma receita nova que
ela mesma preparava semanalmente.
Em relação as proteínas, Patrícia passara a comer mais peixe e frango, e ela nem
gostava tanto assim de frutos do mar antes. Seu pai ficou realmente surpreso quando a mãe
falou para ele que teve que dar a maior parte dos doces e salgadinhos da casa para a criança
dos vizinhos de porta, caso contrário estragariam.
Os potes de Caldas nas prateleiras foram cedendo espaço as frutas, principalmente o
açaí, numa velocidade inacreditável. Massas? Agora, quando
muito, Patricia só comia macarronadas e ainda assim nunca duas
vezes numa mesma semana e na maior parte das vezes só no alho e óleo.
3. A Crise da Comida
O pai da menina, que era um bom garfo, passou a comer mais em restaurantes do que
em casa, pois sua esposa aderira a dieta saudável da
filha e ambas monopolizaram a empregada. Luciana, a mãe de
Patrícia, sempre corria no calçadão, mas não tinha grandes
preocupações alimentares. Agora pensava em ir a acadêmia
com a filha, não fossem os
horários atribulados de seu trabalho já teria se matriculado. Quando ouviu a idéia de sua
esposa, Rodolfo fez um muxoxo e desabafou visivelmente irritado e alterado: - Vê se vocês
não me incluem nessa, sou gordinho e sou feliz e gosto do que é gostoso! Já tô cheio de vocês
e dessas comidas daqui de casa: alho, óleo e, raramente, pouco sal. Tô até pensando em
arrumar uma amante para voltar a comer bem.
- Ora, do que você está reclamando? Come agora quase todo dia em restaurantes.
- É, só que tudo do meu salário, a dondoca aí gosta que eu te dê dinheiro para suas
despesas pessoais, nem parece que também trabalha. E eu?
- Deixe de ser mesquinho, você ganha mais que eu.
- Isso é o que você diz. Até hoje, desde que nos casamos, você nunca me mostrou seu
contra-cheque. Mas pra mim chega! Se a Zuleica não voltar a fazer as coisas de que eu gosto,
à partir do més que vêm, você vai paga-la sozinha. De que adiante dividir o salário de uma
empregada que só põe capim na mesa? E a tua filha que trate de trabalhar para te ajudar com o
salário dela.
- Querido, você está sendo mesquinho comigo?! Você nunca exigiu essas coisas de
mim. Você nunca foi assim com ninguém e...
Ele retomou a palavra cortando-a - Você nunca havia me dado motivo para
mesquinhes antes. Daqui a pouco você vai dizer que eu tenho que emagrecer também: olha
você gostou de mim assim, num tempo em que eu já era gordo, namoramos um bom tempo,
casamos e tivemos a Patrícia. Mas olha, o casamento é a única concessão que fiz por você,
que não topou minha idéia de termos filhos mas continuarmos em casas separadas. Escute
bem dona Luciana de Almeida Prado, se eu tiver que comer como um boi, ao invés do
próprio, por mais um mês, em minha própria casa, eu me divorcio!
Naquela noite dona Luciana resolveu nem discutir e ser mais afável com o marido do
que de costume. Mas ele estava realmente tão irritado com a “crise da comida” que recusou
sexo pela primeira vez em quase vinte anos de casamento e foi bufando para o sofá da sala,
ainda mais irritado com a insistência da esposa. Luciana percebeu que o caso era sério.
Depois dessa noite, Zuleica, a empregada, passou a fazer dois jantares, um para seu
Rodolfo e outro para dona Luciana e Patrícia. Com o tempo Luciana não resistiu e começou a
jantar como o marido e o casal voltou a se entender como nos velhos tempos. Mas Patrícia foi
firme, mesmo com as tentações de Zuleica, o jantar dela era diferenciado. A empregada se
admirou como a menina havia mudado. Logo ela que nunca havia recusado seu tutu à mineira
antes, agora comia sua salada como se nem o cheiro saboroso do tutu pudesse sentir.
4. Assunto entre Amigos
Os amigos mais chegados de Patrícia também notavam as mudanças. Rute, que sabia
mais dos motivos de Patrícia, era a que menos estranhava. No grupo de amigos, que se
reuniam quase todas as sextas ou sábados, também estavam: o Leandro, namorado de Rute; o
ex-namorado Fábio, que após ter sido dispensado por Patrícia, arrumara outra namorada
gordinha, a Amanda, que logo se integrara ao pessoal e não se
importava com o fato de Patrícia e Fábio já terem namorado: até
achava graça “Como é que uma menina tão séria
como a Patrícia
namorou um palhação como você?”. Fábio apenas ria desse comentário, era a
mais pura verdade, ele nunca se levou muito a sério e isso fazia com
que fosse agradável com todo mundo. Eles eram os presentes naquela
sexta-feira, em que, heroicamente, Patrícia, em pleno restaurante
italiano, só comia uma salada verde com frango grelhado e arroz enquanto
os demais comiam canelones de carne fumegantes.
Leandro, o menos discreto do grupo, não conseguiu se conter e puxou
a conversa principal da noite: - Pati, quem te viu quem te vê, hein?
Você recusando um canelone desse e comendo salada com frango e arroz,
daqui há pouco vai deixar até de comer carne branca e
virar vegetariana radical.
- De jeito nenhum, meu endocrinologista, o Dr. Hélio, disse que esses radicalismos
não são saudáveis, nossos corpos também precisam de proteínas. Como foi que ele disse
mesmo?! “Se tivéssemos que comer só vegetais, Deus teria feito nossos estômagos iguais aos dos ruminantes.”.
Nesse ponto foi Fábio que não resistiu e continuou: - Quer dizer que você chegou a
pensar nessa idéia. Pô, quando namorávamos você olhava para as
modelos anoréxicas de revistas e dizia que elas não tinham o menor
amor próprio, que mantinham morbidamente um padrão estético machista por
pura falta de personalidade, que era um absurdo alguém se preocupar
mais com modas fúteis que com o próprio conforto e saúde e bla, bla,
bla.
- Fábio não seja grosso! - retrucou Amanda.
Patrícia respondeu: - Ele não está sendo grosso, é tudo verdade, além do mais os
deboches de Fábio não me afetam. Eu realmente pensei em cortar a carne por completo, mas
teria sido uma decisão não saudável. Como vê, querido, não mudei tanto assim, continuo
sendo inteligente e tendo amor próprio.
- Por mim, você era melhor antes, agora tá ficando chupada, até suas bochechas estão
sumindo.
- Quer dizer que você gosta de mim por que me acha uma baleia?
- Não é nada disso Amanda. Só acho que não tem graça namorar uma menina que não
tem carnes para serem apertadas. Desde os anos de 1990 até hoje, Merilyn Monroe é
considerada gorda, sabiam? Acho que quem gosta dessas vassouras andantes são costureiros.
Tudo bem, existem pessoas como a Raquel que comem e não engordam, mas a Raquel não
parece uma doente.
- Suas justificativas só fazem piorar, quer dizer que agora você acha que eu estou
doente?
- Não, Patrícia, você ainda não está parecendo doente, mas eu não quero te ver como a
Bruna, da escola, que precisou ser internada para não morrer. E estou falando sério.
- Milagre, Fábio falando sério.
- Cale a boca Leandro, você é que não devia ter puxado o assunto.
- Tudo bem Rute, eu não me importo. Sei que vocês gostam de mim e quero garantir
que podem ficar despreocupados porquê eu só emagrecerei o que minha saúde permitir. Não
foi a toa que busquei orientação de um endocrinologista e de um nutricionista. Vocês não
estão diante de uma burra, posso até ser meio maluca e ingênua as vezes, mas burra não.
Os garotos resolveram se calar diante da fala de Patrícia. Amanda, para mudar rápido
de assunto e evitar um clima ruim, perguntou se eles já tinham ouvido o hit do momento e
logo todos estavam de novo jogando conversa fora sobre outras pessoas e rindo animadamente
de piadas, mais bem contadas do que novas ou engraçadas.
5. Conversa Sobre Garotos
Com as provas de fim de ano, Rute foi passar um fim de semana na casa de Patrícia
para que ambas estudassem juntas. Combinaram de passar de sexta a noite até domingo a
tarde estudando. Deram a pausa para um lanche, no qual Rute bebera refrigerante e Patrícia
uma vitamina de frutas e estudaram até cerca de 11:00 da noite, quando suas cabeças
finalmente se cansaram da química, física, matemática e cia. Antes de dormir, porém,
decidiram apenas conversar no quarto escuro até que o sono as vencessem.
- Já decidiu pra o quê vai fazer o vestibular Rute? Desde que você começou a trabalhar
que quase não temos nos visto.
- Não. Decidi que vou fazer um concurso público e depois ver se faço alguma
faculdade. Gostei de não precisar depender do dinheiro de meus pais e tem muitos cargos que
só exigem o nível médio, que terminaremos esse ano se Deus quiser, apesar das exatas. Além
do mais, trabalhar em loja de shopping center é uma verdadeira escravidão.
- Acho que deveria fazer o mesmo. Mas meus pais estão me pressionando, ele gostaria
que eu fizesse contabilidade ou administração de empresas, ela que eu fizesse direito ou
filosofia, tá um saco!
- Meu pai me dá a maior força, ele passou anos desempregado com um diploma
universitário debaixo do braço até passar num concurso público e conhecer minha mãe. Já
para minha mãe, que chegou a trabalhar na área que ela escolheu, a carreira foi uma decepção
e ela virou servidora pública do mesmo jeito.
- Então você nem se inscreveu nos vestibulares?
- Não.
- E o Leandro.
- Ele vai fazer filosofia, mas eu não tô nem aí. Ele é ele e eu sou eu. Depois, se na
faculdade ele decidir que quer uma filosofa, que seja, a gente termina.
- Queria ter seu desprendimento.
- Não é uma questão de desprendimento. Eu amo o Leandro, mas tenho que me amar
primeiro para poder ser bem amada pelos outros. Além do mais, meus
namoros só deram certo até que os objetivos meus e de meus antigos
namorados foram os mesmos. Lembra quando eu gostava mais de cinema do
que de boates, pois é, o Gustavo e eu nos separamos porque ele conheceu
uma menina que gostava mais de cinema do que eu, e eu já nem o curtia
tanto assim. É simples, quando nos conhecemos, sabemos amar e
mudar de amor sem perder a amizade.
- Eu acho que só agora começo a me conhecer. Se não fosse pelo Fábio, acho que
nunca mais nos veríamos. Ele dormiu naquela peça de teatro, mas não sei
como ele perdoou o modo grosseiro como eu terminei com ele. Eu
exagerei, ele não correspondia a todas as
minhas expectativas, mas era carinhoso.
- Quer voltar para ele? É melhor pensar à frente, ele e Amanda estão firmes.
- Não, só me arrependo de não ter aproveitado mais ele na época, tantas
coisas e ideias legais que ele me apresentava e eu só pensando no fato
de ele não gostar de teatro quando terminei. Sei que um dia
terminaríamos, mas eu podia ter sido melhor e poderíamos ter
durado mais.
- É! O Fábio tem umas ideias que só ele mesmo!
- Lembra quando acampamos e o Juca levou uma Playboy e a Tereza levou uma
Cláudia?
- Lembro, era a mesma modelo nas duas capas. E o Fábio reparou que
enquanto todos os garotos a desejavam, as garotas queriam ser desejadas
como ela. Queriam ser como ela.
- Aí ele mandou aquela máxima:
“Não sei como as mulheres não são lésbicas em sua maioria? Afinal o
padrão de beleza feminina que é vendido para os homens é igual ao que as
mulheres também compram. A única diferença é que uma mulher aprecia o
esforço que outra faz para ficar nesse padrão, ao passo que nós, homens,
só queremos saber dos resultados e de quão fácil é para tirar estas
belas roupas e lingeries. Se eu fosse uma mulher como essa aí eu iria
querer uma mulher que também fosse bonita e valorizasse tanto a minha
beleza quanto o meu esforço para mantê-la, e não um homem que além de
ser menos belo que qualquer mulher é um escroto”.
- Foi aí que o Daniel falou: “Eu não disse, eu não disse? Desde que esse cara nasceu,
que ele é sapatão!!!”
- “Sou mesmo, e daí?” - elas gargalham. Logo depois, Patrícia retomou, séria, a fala.
- Naquela noite eu morri de vergonha do meu namorado falando tanta besteira. Por
outro lado ele estava certo. A única diferença entre as capas e as
fotos internas é que em uma a modelo estava vestida e na outra não. Era
a mesma mensagem, o mesmo ideal de mulher bonita que estava sendo
passado para mulheres e homens.
- Deixa a Amanda saber disso!
- Pode acreditar, Rute, eu não estou tendo uma recaída pelo Fábio. Só estou pensando:
Quer dizer, como posso desejar ser uma mulher bonita se eu não me sentir atraída realmente
por mulheres bonitas? É que... (Patrícia interrompe-se).
- É que?
- Tenho tanto medo de falar isso com vocês, meus amigos.
- Isso o que?
- Sei lá. Tipo assim, já conversei com os meus pais, mas acho que os pais sempre
acabam nos aceitando de qualquer jeito.
- Você virou lésbica? Bem não vou deixar de gostar de você por isso, mas olha, você
não é meu tipo!
As duas riem. Patrícia retoma a palavra.
- Desde que aquele pulha do Maurício me sacaneou e eu comecei a emagrecer tenho
observado muito as outras mulheres, principalmente Regina, a professora de ginástica.
- Ela é realmente linda. Pena que só dá aula na nossa academia a noite. Se não, eu
voltava a fazer exercícios com ela.
- Ficamos amigas, sabe? Um dia desses eu perguntei se ela tinha namorado. Ela
respondeu que já teve um ou dois mas que desistiu de namorar garotos quando descobriu que
gosta mesmo é de garotas.
- Que babado é esse? Nunca percebi nada e fui aluna dela por uns cinco anos!
- Bem, ela me disse que não é porquê gosta de mulher que vai andar e se comportar
como um homem, como algumas lésbicas fazem. Ela nem namora garotas assim, acha
ridículo.
- Tô besta!
- Fala a verdade Rute. Se eu fosse sapatão você se afastaria de mim, você gostaria
menos de mim ou teria medo de ficar comigo como está agora e esteve tantas vezes antes?
- Nós nos conhecemos desde crianças, é claro que eu jamais deixarei de ser sua amiga.
Aliais, nem eu e nem nenhum dos seus amigos de verdade, sejam eles novos, velhos ou
futuros.
6. De Volta a Boate da Moda
Lá estavam os casais - Fábio e Amanda, Rute e Leandro – acompanhados de Patrícia
que faria uma grande revelação a todos, que nem mesmo Rute sabia, embora suspeitasse.
- Hoje meus amigos vocês vão conhecer a pessoa que estou namorando, se atrasou um
pouco por causa de uma emergência, mas já me ligou e não demora.
Enquanto os cinco esperavam, Maurício entrara na boate e não reconhecendo Patrícia
foi ao encontro do grupo que estava no bar da boate.
- Oi, está sozinha.
Patrícia o reconheceu de pronto, o mesmo que há um ano a humilhara. Estava
acompanhado de novos amigos e nem reparou, desta vez, a presença de Rute.
- Não, estou com meus amigos aqui e esperando uma pessoa. - Respondeu Patrícia
enquanto os outros, especialmente Rute, olhavam para Maurício. Nesse instante Regina, a
professora de ginástica apareceu na boate e dirigiu-se ao grupo.
- Oi Rute, há quanto tempo! Ela cumprimentou a antiga aluna. Virou-se para Patrícia e
disse: - Oi.
Patrícia afastou-se de Maurício levantando-se do banco do bar e indo em direção a
professora de ginástica. Antes que esta pudesse cumprimenta-la, Patrícia deu-lhe um beijo na
boca na frente de todos. Apenas Rute não ficou chocada, Fábio ficou excitado, Maurício e
seus acompanhantes ficaram perplexos.
Quando o beijo terminou, Patrícia falou: Regina, minha namorada, a Rute você já
conhece, esses são meus amigos Fábio, Amanda a namorada de Fário, e Leandro, o namorado
de Rute.
- E quele garoto ali que estava falando contigo quando eu cheguei? -Regina apontou
para Maurício.
- Há, ele apareceu por aqui para me dar uma cantada, mas eu já tinha falado de você. A
propósito, você não chegou a dizer seu nome, chegou? - Patrícia fingira tão bem que não
reconhecera Maurício que o garoto ficou sem fala. Gaguejando um pouco,
muito sem graça, respondeu: - Maurício, me-meu nome é Maurício.
Foi nesse instante que Patrícia resolveu falar: - Bem
este era só nosso ponto de encontro, galera, vamos logo para
aquele restaurante novo, que esta noite temos muito o que conversar.
Porém, antes de sair da boate, Rute não resistiu,
fingiu querer ir no banheiro e, escondida de todos,
escreveu um bilhete em um guardanapo, sem assinar, e pediu a um
garçom que o entregasse a Maurício. Maurício, só agora reconhecera Rute,
viu o movimento da garota e pensou, menos inconformado com o vexame
recente, que, pela primeira vez, ela criara coragem de trair o namorado
duro que nem carro tinha. Quando recebeu o bilhete do garçom, abriu-o
com sofreguidão e leu: “Quem pisa nas lagartas, pelas
borboletas será ignorado”.
Só então, Maurício percebeu que Patrícia era a gordinha humilhada que acompanhara
Rute no ano anterior. Rute juntou-se ao namorado, Leandro, e aos amigos, e o grupo saiu da
boate animadamente. Sentindo-se rejeitado duas vezes em uma noite;
trocado por um duro e por uma mulher; tendo as gargalhadas de seus
amigos a debochar do grande pegador; ele passou, desde aquela noite,
a beber, fumar, drogar-se, perdeu tudo o que tinha conquistado antes
mesmo de entrar numa faculdade e morreu de overdose antes que pudesse
terminá-la.
Fim
P.S.: este conto está no livro O Homem Que Trouxe a Chuva e Outras Viagens. Gostou? curta, compartilhe, compre o livro.
Essa formatação não está muito legal, reconheço, mas é o que deu para hoje.
Juvenal, O Velho Hippie, todos os sábados.
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