sábado, 11 de julho de 2015

A Abóbora da Cinderela

A Abóbora da Cinderela
Um Conto de Rodrigo Rosas Campos
Garçons em mesas de bar sempre conhecem mais do que vivem. Se o bar for a beira mar então, nem se fala. As pessoas não reparam esses seres, visíveis apenas no anotar dos pedidos e no entregar dos pratos e bebidas.
Num dia especialmente lindo de verão, duas amigas voltam da praia e sentam-se nesse bar, um entre tantos, pedem suas cervejas com as guarnições. Enquanto esperam, engrenam uma conversa.
- Foi bom nos encontrarmos hoje, né?
- Desde o colégio não nos vemos.
- Mas você foi no meu casamento.
- Nem me fala, querida, até hoje não casei. Sou executiva, bem sucedida, e os homens não se aproximam de mim. Meu relacionamento maior foi com um cara que namorei por cinco anos e quando tentamos morar juntos não durou nem um mês.
- Deixe de besteira, todo dia eu penso em me divorciar, tenho inveja de você.
- Inveja de mim?! Eu que queria o que você tem.
- O que eu tenho, querida? Chego a casa cansada do trabalho e ainda tenho que cuidar da casa, meus filhos cismam em se machucar ou ficar doentes sempre que estou prestes a ser promovida. Meu marido é um acomodado que perdeu a chance de irmos morar nos Estados Unidos. Você já morou lá fora, eu quando muito vou uma vez ao ano e, hoje, tenho que levar fedelhos a tira colo.
- Que absurdo! Você desdenhando da sua vida. Eu, te invejei na tua festa de casamento.
- É, mas mentiram para nós, o conto de fadas é ao contrário. Quando você é filha, você é princesa, você casa, vira borralheira. Você troca a carruagem pela abóbora da Cinderela. E é com a abóbora que você fica para o resto da vida, não com a carruagem.
- Eu gosto de abóbora.
- Mas a abóbora apodrece. Você aí, sem filhos, empregão. Eu, prestes a me separar daquele traste sabendo que, mesmo quando isso acontecer, tenho meus filhos que, querendo ou não, limitam minhas chances de crescimento na empresa.
- Quer mesmo saber, quisera eu que o Roberval, o carinha com quem fiquei cinco anos, gostasse tanto de crianças quanto o Juliano, teu marido.
- Pois, se você quiser pode pegar aquele traste pra você, de boa mesmo!- fala a mulher com amargura e desilusão reais, e continua - Você tem empregada. O que eu e ele ganhamos mal dá para a diarista uma vez na semana.
- É só isso mesmo? Você está com um rancor, ele por acaso te traiu?
- Quem trai aquela besta sou eu. Pena que meu chefe não me dá bola, tenho que me contentar o Tavares mesmo, que também é casado. Tô te falando, mentiram para nós, o conto de fadas é ao contrário. Quando fui filha, fui princesa, casei, virei borralheira. Tudo o que me sobrou foi a abóbora da Cinderela, pode até ter sido gostosa no início, mas hoje tá podre.
Nesse momento, o garçom traz as cervejas e os salgados pedidos. A conversa das duas se perde em assuntos amenos e o velho garçom que já ouvira de tudo não consegue evitar o pensamento: “Todos querem sempre o que deixaram de ter.”. A vida é uma eterna fábrica de clichês.

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