A Abóbora da Cinderela
Um Conto de Rodrigo
Rosas Campos
Garçons
em mesas de bar sempre conhecem mais do que vivem. Se o bar for a
beira mar então, nem se fala. As pessoas não reparam esses seres,
visíveis apenas no anotar dos pedidos e no entregar dos pratos e
bebidas.
Num
dia especialmente lindo de verão, duas amigas voltam da praia e
sentam-se nesse bar, um entre tantos, pedem suas cervejas com as
guarnições. Enquanto esperam, engrenam uma conversa.
-
Foi bom nos encontrarmos hoje, né?
-
Desde o colégio não nos vemos.
-
Mas você foi no meu casamento.
-
Nem me fala, querida, até hoje não casei. Sou executiva, bem
sucedida, e os homens não se aproximam de mim. Meu relacionamento
maior foi com um cara que namorei por cinco anos e quando tentamos
morar juntos não durou nem um mês.
-
Deixe de besteira, todo dia eu penso em me divorciar, tenho inveja de
você.
-
Inveja de mim?! Eu que queria o que você tem.
-
O que eu tenho, querida? Chego a casa cansada do trabalho e ainda
tenho que cuidar da casa, meus filhos cismam em se machucar ou ficar
doentes sempre que estou prestes a ser promovida. Meu marido é um
acomodado que perdeu a chance de irmos morar nos Estados Unidos. Você
já morou lá fora, eu quando muito vou uma vez ao ano e, hoje, tenho
que levar fedelhos a tira colo.
-
Que absurdo! Você desdenhando da sua vida. Eu, te invejei na tua
festa de casamento.
-
É, mas mentiram para nós, o conto de fadas é ao contrário. Quando
você é filha, você é princesa, você casa, vira borralheira. Você
troca a carruagem pela abóbora da Cinderela. E é com a abóbora que
você fica para o resto da vida, não com a carruagem.
-
Eu gosto de abóbora.
-
Mas a abóbora apodrece. Você aí, sem filhos, empregão. Eu,
prestes a me separar daquele traste sabendo que, mesmo quando isso
acontecer, tenho meus filhos que, querendo ou não, limitam minhas
chances de crescimento na empresa.
-
Quer mesmo saber, quisera eu que o Roberval, o carinha com quem
fiquei cinco anos, gostasse tanto de crianças quanto o Juliano, teu
marido.
-
Pois, se você quiser pode pegar aquele traste pra você, de boa
mesmo!- fala a mulher com amargura e desilusão reais, e continua -
Você tem empregada. O que eu e ele ganhamos mal dá para a diarista
uma vez na semana.
-
É só isso mesmo? Você está com um rancor, ele por acaso te traiu?
-
Quem trai aquela besta sou eu. Pena que meu chefe não me dá bola,
tenho que me contentar o Tavares mesmo, que também é casado. Tô te
falando, mentiram para nós, o conto de fadas é ao contrário.
Quando fui filha, fui princesa, casei, virei borralheira. Tudo o que
me sobrou foi a abóbora da Cinderela, pode até ter sido gostosa no
início, mas hoje tá podre.
Nesse
momento, o garçom traz as cervejas e os salgados pedidos. A conversa
das duas se perde em assuntos amenos e o velho garçom que já ouvira
de tudo não consegue evitar o pensamento: “Todos querem sempre o
que deixaram de ter.”. A vida é uma eterna fábrica de clichês.
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