Neuromancer: Quando a
Simplicidade Sugere a Complexidade
Resenha de Rodrigo Rosas Campos
“Wintermute era um cubo
simples de luz branca, cuja própria simplicidade sugeria extrema
complexidade.” (Gibson, 1984, p.144).
A melhor frase para definir
Neuromancer é: nada é mais revolucionário do que o básico bem
executado. E o leitor há de convir que livros que não cumprem o
básico, são chatos. E há campeões de abandono mesmo entre livros
consagrados. Obviamente, não é o caso de Neuromancer. Mas sei que
dizer isso não é suficiente, então vamos lá.
Neuromancer foi escrito por
William Gibson e publicado originalmente nos Estados Unidos em 1984.
Agindo contra minha tendência,
comecei a ler o livro pelas orelhas e contracapa. A edição que li,
da Aleph de 2016, tem uma nota ao leitor dos editores e um prefácio
do próprio William Gibson, que se declara bem modesto.
“O leitor de hoje deve ter em
mente que escrevi Neuromancer absolutamente sem a menor expectativa
de que ele continuaria sendo publicado vinte anos depois.” (Gibson,
p. 15, em prefácio de 2014).
Na primeira orelha do volume da
Aleph, o crítico Cory Doctorow declara: “Neuromancer não previu o
futuro. Neuromancer criou o futuro.”
Eu sei, eu sei. Neuromancer não
é revolucionário só por ser o básico bem executado, mas era só
essa a intenção de Gibson, como pudemos ver na citação acima do
prefácio dele de 2014.
Comecei a ler o livro,
propriamente dito, e o que vi foi um romance meio policial, meio
espionagem com um pano de fundo futurista. Estava achando as críticas
exageradas e concordando com a modéstia do autor até a página 77.
William Gibson sabia do que estava falando. Em pleno 1984, ele já
previu todo o potencial da grande rede mundial de computadores, ainda
não explorado em sua plenitude, bem como todas as possibilidades de
interface homem-máquina via direta, neurônios com circuitos.
A história do livro é a de
Case, um cracker, cowboy do ciberespaço, como o livro nomeia. Ele
rouba seus empregadores, é capturado por eles e nele é aplicada uma
toxina que o impede de se plugar de novo na matrix, rede. Acontece
que, “se plugar na matrix” é mais do que navegar na internet e
muito mais do que usar um simples óculos de VR; é projetar a
própria consciência, convertida em dígitos binários, no
ciberespaço. Estar literalmente dentro dos computadores e dos cabos
da rede como se fôssemos programas sencientes rodando nas máquinas.
Case parte para uma periferia no
Japão, em busca da reversão do efeito da toxina em alguma clínica
clandestina, seu objetivo é poder voltar a se plugar na matrix. Mas
todas as clínicas negras, como são chamadas, alegam que reverter o
efeito da toxina é impossível. Ele se vê obrigado a viver como um
pequeno contrabandista. Rebaixado em suas capacidades e status
social.
A sorte de Case começa a mudar
quando ele conhece Molly, que o leva ao misterioso Armitage. Este é,
aparentemente, um oficial do governo. Ele devolve a Case a capacidade
de se plugar, pois tem acesso a uma tecnologia de ponta ainda
desconhecida da maioria. O Finlandês, outro personagem de passado
obscuro se junta aos dois. Note que as aparências são
constantemente embaralhadas nesta história.
Tudo fica mais estranho quando o
grupo viaja para para o espaço. Na estação espacial particular da
empresa familiar T.A. Case terá que, dentro da matrix, invadir e
destruir os códigos de segurança da Inteligência Artificial
Wintermute, para que esta se torne plenamente consciente e livre.
Como trava de segurança, eles precisam estar na estação para
falar, isso mesmo, falar o código que liberta Wintermute em um
terminal numa sala secreta do lugar. Um comando que não pode ser
dado de dentro da matrix.
Quem está por trás de
Armitage? Quem tem interesse de tornar uma IA consciente e livre?
Quem lucraria com a destruição da T.A.?
Como disse, tudo parece ser um
livro de espionagem com pano de fundo de ficção científica. Mas,
em todos os aspectos, é um livro bem escrito; é ficção
científica, distopia, cyberpunk e espionagem, tudo num mesmo pacote.
Tem pontos mortos? Tem, mas nada
comprometedor. No meu caso, só não me fez ficar tão preso a
leitura quanto gostaria.
A narração, apesar de ser na
terceira pessoa, foca no Case. Todavia, sempre que a Molly aparece,
ela rouba a cena. Isso me deixou um pouco frustrado, terminei o livro
mas por ela do que pelo protagonista. Case é o que ele faz de
melhor, fora isso, é um cara muito superficial. Todos os outros
personagens são mais interessantes que o Case, mas Molly é a
melhor.
Enfim, Neuromancer é uma
experiência literária boa. Abusa da sinestesia, da psicodelia, da
metáfora, da ação, mas coloca, no meio de tudo isso, uma questão
social e filosófica acerca da natureza humana e da consciência,
como toda boa ficção científica deve fazer. Tudo isso de forma
simples e básica. Nada é tão avançado quanto um básico bem
executado.
Boas leituras!
Rodrigo Rosas Campos
Tags: Ficção científica,
distopia; ciberpunk; conspiração; Neuromancer
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