Desaconselhável
para menores de 18 anos.
Confesso
que estou em débito com os quadrinhos nacionais. Prefiro americanos
e franco-belgas, me julguem. Mas lendo São Paulo dos Mortos 1, 2 e 3
tive a dica de Zumbis e Outras Criaturas das Trevas. A edição é um
verdadeiro intensivo de quadrinhos de terror brasileiros.
Zumbis
e Outras Criaturas das Trevas foi uma antologia de quadrinhos em uma
edição única e especial com publicações (até então inéditas)
e republicações de vários criadores nacionais de quadrinhos de
terror. Foi publicada em 2012 pela Editorial Kalaco. São 25
histórias em quadrinhos em 240 páginas, um conto em prosa, um poema
ilustrado e muitas matérias sobre terror em quadrinhos no Brasil,
quadrinhos de terror em geral e terror no cinema.
E
antes que a patrulha TWD fique de mimimi, dizendo que eles surfaram
na onda; Robert Kirkman, autor dos quadrinhos The Walking Dead,
chupou os filmes de George A. Romero. O próprio Kirkman admite isso.
E isso numa época em que videogames com o tema zumbi estavam
bombando; o jogo original Resident Evil, também conhecido como
Biohazard, foi lançado em 1996. Além do que, mortos-vivos em geral
são uma temática universal de horror e terror. Sim, antes de ser
série de TV ou qualquer outra coisa, TWD é quadrinho e Kirkman
surfou na onda zumbi dos videogames!
O
formato é o magazine, capa cartão e miolo em papel-jornal, o que
rendeu duras críticas na época do lançamento, principalmente tendo
em vista o preço final, caro para 2012. Também teve duas capas
alternativas e a Comix não mandou a capa que eu escolhi. Se bem que,
mesmo com o frete, paguei menos que o preço de capa de 2012: Comix
perdoada.
As
capas alternativas também foram alvo de duras críticas do público
e da crítica na época do lançamento. Caça-níquel manjado nos EUA
(e até aqui no Brasil) para vender mais edições com o mesmo
conteúdo. Não há um índice, e isso é a mais imperdoável das
falhas. As histórias também não estão separadas por republicadas
e inéditas e as republicadas não estão na ordem cronológica.
Enfim, as histórias foram colocadas de forma aleatória mesmo.
Queria que tivessem na ordem de publicação original, da mais antiga
para as inéditas, mas quem sou eu?
De
fato, a qualidade da edição (da revista em si) é muito ruim. Em
todo caso, não serei eu mais um a atirar pedras no aspecto técnico.
Tenho certeza que a Editorial Kalaco fez o que pôde para tornar a
edição o mais atraente, abrangente e acessível possível a um novo
público. Publico esse que, vamos e venhamos, gosta de colecionar
capas alternativas e depois reclama.
Só
o fato da Kalaco ter republicado nomes que fizeram a história das
histórias em quadrinhos no Brasil, nos anos mais duros de nossa
história, merece todo o nosso reconhecimento e aplauso. Uma época
em que o terror sobrenatural era metáfora e válvula de escape ao
terror real que foi a ditadura militar. Da minha parte, a Kalaco está
perdoada.
O
preço foi salgado para a época, R$39,90, é dinheiro hoje, imagina
em 2012. Hoje, mesmo com o frete, barateou, mas é aquela tecla em
que volto a bater: pare com o mais do mesmo das mensais de
super-heróis e terá qualidade e variedade. Não seja leitor de
monocultura literária, experimente tudo o que puder.
As
histórias que foram republicadas eram antigas, mas não imaginava o
quão antigas eram. Nem todas estão com a data da publicação
original, mas há republicações de 1957, 1969, 1970, auge das HQs
de terror no Brasil, e até da década de 1980, quando o terror cedeu
espaço para os super-heróis nas bancas de jornais. Daí para frente
as publicações de terror em quadrinhos nacionais no Brasil passaram
a ser bem esporádicas mesmo. Essa despreocupação de contextualizar
o leitor em cada história é outro ponto ruim da edição. Nem todas
as matérias se referem às histórias e aos artistas que aparecem na
edição.
Aí
um leitor pode perguntar: “Mas o que há no terror brasileiro que
não há no estrangeiro?”. Pegada, ou melhor, pegação explícita!
Até os zumbis são trabalhados no erotismo, imagine os vampiros e
lobisomens.
Como
o próprio título fala, os zumbis são os astros, mas outras
criaturas das trevas dão as caras. Também foram convidados para
esta festa... digo, edição: vampiros, sobretudo o Drácula,
convidado de honra pela pena de Shimamoto; lobisomens; alienígenas,
sim, eles também estão aqui; bestas e demônios. A maioria das
histórias é tão curta que não se pode comentar sem entregar o
final. Nestes casos, haverá apenas o título a equipe e, quando
disponível, o ano em que foi publicada originalmente. Zumbis e
Outras Criaturas das Trevas traz as histórias e matérias, na ordem:
Uma
história sem palavras que cerca o expediente da revista e introduz o
leitor na temática por Vitor.
Zumbis,
Quem São? Para Onde Vão?, matéria introdutória da edição por
Antero Leivas.
Criaturas
da Noite de Mozart Couto (texto e arte): de fato, essa história é
uma típica história de surgimento de zumbis pondo tudo de pernas
para o ar em uma pequena cidade agitada por um concurso de beleza,
uma corrida de moto cross e um show de rock. Mas a arte de Mozart
Couto é arrebatadora. História originalmente publicada em 1987, 32
páginas. É a maior de toda a revista e daria um bom filme trash.
Próxima
Estação: com roteiro de Daniel Esteves e arte de Al Stefano. Uma
mulher nos subterrâneos do metrô de São Paulo tenta fugir de um
ataque de zumbis. Sim, é uma das histórias que Esteves incluiu no
primeiro São Paulo dos Mortos. Quando ele recebeu o convite para
participar dessa antologia, enviou e antecipou a publicação de uma
história que já tinha sido pensada para um projeto próprio e
maior.
O
Poder de N´Zambi de Antonio Lima, história e desenhos.
Mortos-vivos
nos Porões da Ditadura; arte de Rodolfo Zalla e roteiro de Raphael
Fernandes: história inédita escrita e desenhada em 2012. Toca numa
ferida de nossa história sem subterfúgios, a ditadura militar. Um
dos últimos trabalhos de Rodolfo Zalla, falecido em 2016.
Três
Balas; história de Gian Danton e arte de Walmir. Amigos de infância
tentando sobreviver a uma pandemia zumbi no Rio de Janeiro.
A
Canção de Eva Jones, história de Franco Rosa, desenhos de Seabra e
arte-final de Iório. A origem de uma vampira.
O
Apocalipse Quase Zumbi ou: Nem Romero Foi Tão Longe, com roteiro de
Antero Leivas, desenhos de Arthur Garcia e Antônio Lima, cinzas de
Wanderley Felipe, letras e retículas de Daniel Rosa. Um garoto fala
sobre a receita de um filme de zumbi. De todas as histórias é a que
teve um apuro gráfico mais caprichado, afinal, foram 4 artistas
plásticos envolvidos. Também foi ambientada no Rio de Janeiro.
Merecia um papel melhor.
Sobreviventes,
roteiro e arte Charles.
Vingança,
história de Novais (texto e arte).
Pirata!
De José Aguiar.
Os
Zumbis de Dylan Dog, matéria escrita por Júlio Schneider.
Repercutiu bem, sendo mencionada até no site oficial do personagem
na Itália.
A
Sombra com roteiro de Ferrez e arte de Franco.
O
Mundo do Horror: três matérias consecutivas reunidas sob um título
comum. Duas escritas por Franco Rosa e uma por Guilherme Martino. As
de Franco Rosa falam das histórias que vem a seguir. Martino falou
de horror em geral.
A
Volta do Drácula; texto e arte de Shimamoto: de 1957, segundo Franco
Rosa, foi, possivelmente, a primeira história em quadrinhos
brasileira com o príncipe dos vampiros, Drácula, como protagonista.
No Brasil, Drácula já havia sido mencionado ou coadjuvante, mas
nunca antes como protagonista. Na trama, um negociante de quadros em
férias encontra uma bela mulher que o leva até a casa do tio e a
uma pintura rara. Parece bom demais para ser verdade? Sim, agora o
incauto viajante tem que fugir de Drácula, o príncipe dos vampiros
e de sua “sobrinha”, também vampira. Será que ele consegue se
livrar de seus captores com vida e ainda resgatar o quadro raro?
Cântico
As 3 Vampiras por Jonathan Harker, poema de R. F. Lucchetti ilustrado
por Fábio Moraes, baseado no livro Drácula.
Zumbi,
texto e lay-out de Antônio Rodrigues e desenhos de Rodolfo Zalla. De
1987. Um boxeador se recusa a entregar uma luta e é assassinado por
um gangster. Transformado em zumbi, ele volta para se vingar.
História ambientada nos EUA.
O
Terror de Jayme Cortez, matéria de Fábio Moraes. Seguida por duas
histórias desse monstro dos gibis que foi o desenhista, roteirista e
adaptador Jayme Cortez.
Conte-nos
Sua História Macabra de Jayme Cortez. Uma história em uma página.
Latir
Para a Lua, ilustrada por Jayme Cortez em 1984, baseada em composição
de Ozzy Osbourne. Isso mesmo, ele quadrinizou (adaptou para os
quadrinhos) uma música do Ozzy.
Zumbis
nas HQs, matéria de Heitor Pitombo. Da EC até os dias de hoje, um
resumo da história dos quadrinhos de terror nos EUA. Menciona até a
Marvel e a DC, mas esquece da Warren Publishing, editora original do
tio Creepy, do primo Eerie, da bela Vampirella entre outras revistas
de terror, guerra e ficção científica.
Lycanthropos
de 1986 por Deodato Borges (texto) e Deodato Filho (arte). Sim, uma
história sobre lobisomem desenhada por Mike Deodato. Ele desenha um
texto escrito pelo pai, antes da fama na indústria dos comics
estadunidenses.
Morte
Vudú, com roteiro de João Costa e arte de Bené Nascimento.
Roko
loko em A Noite dos Mortos-Vivos por Marcio Baraldi. Sim, há bom
humor e rock and roll no mundo das trevas!
A
Epidemia dos Zumbies tem 28 páginas, é de 1969 com arte (e,
provavelmente, texto) de Paulo Fukue. Ambientada na Inglaterra do
final do século XIX. Muitos quadrinhos nacionais foram ambientados
na Europa e EUA a fim de pegar o público dos quadrinhos gringos. Eu
sei disso! Mas nunca gostei. Autores brasileiros vamos fazer
histórias aqui mesmo no nosso quintal. Quando quero um terror
estrangeiro procuro autores estrangeiros.
A
Saga do Ogro é uma matéria de Fernando Moretti que se refere a
história em quadrinhos O Ogro de 1984. O texto também menciona a
adaptação da trama para animação curta-metragem feita em 2011,
com 8 minutos de duração, de Márcio Júnior e que contou com o
próprio Shimamoto na direção de arte. A animação é impecável e
bela, mas alguns diálogos foram alterados, nada que interfira no
sentido geral da trama. Este curta tem até um site oficial,
(http://www.oogro.com.br).
O
Ogro, história de 1984, com texto e roteiro de Antônio Rodrigues e
arte de Shimamoto.
Dor,
texto de Mary Astor e desenhos de Adelmo. Temática gasta!
Apaixonado
Coração Apodrecido: um conto de Antony Magalhães. Pode o medo da
morte ser maior que o temor de virar um zumbi? Pode haver bom humor e
amor na não vida cheia de preconceitos de um zumbi? Leia e tire suas
próprias conclusões.
Paixão
Sangrenta de E. C. Nickel. Para essa história um texto de
contextualização não seria nada ruim. Parece ter sido publicada
originalmente em tiras dominicais (ou inteiramente em páginas duplas
de alguma edição de lombada canoa grampeada). Nessa edição, as
páginas estão em formato paisagem. Ambientada na Europa medieval, a
diagramação é soberba e o desenho impecável.
Sobrevivência
de Gonçalo Júnior e C. Alberto. No sertão nordestino, em plena
seca, uma repórter e um câmera de TV estão prestes a se deparar
com uma terrível descoberta.
O
Último Zumbi, uma história sem palavras. Roteiro de Franco de Rosa
e arte de Gustavo Machado.
Humorto
por Moretti, história de uma página, dois quadros e sem palavras.
Antes
que o leitor pense que só coloquei as datas das histórias
republicadas, é bom deixar claro que pus as datas disponíveis na
revista. Quando os computadores pessoais entram no contexto, fica
claro que algumas foram produzidas nas décadas de 1990 e 2000, mas
não houve por parte dos editores a preocupação de separar as (até
então) inéditas das republicadas e nem de as colocar na ordem
correta de publicação original. Fora que as dos anos 1990 possuem
aquele traço característico da época, quando impacto visual era
mais importante que perspectiva, anatomia, escala e texto.
Alguns
artistas que trabalhariam para editoras norte-americanas também
aparecem, mas nenhum usando os nomes americanizados, usados para
ganhar mercado nos EUA. A contracapa e o expediente até publicam os
nomes mais conhecidos pelos leitores das editoras gringas, mas os
créditos internos põem seus nomes reais, usados antes deles
publicarem lá para fora.
A
liberdade criativa dos quadrinhos independentes nacionais de terror é
gritante. Várias histórias diferentes mostram causas diferentes
para os zumbis, afinal, estamos no multiverso do folclore e dos
mitos. Bem verdade que muitos decidem não explicar os zumbis, mas,
em algumas tramas, a explicação faz diferença criando um contexto
para aquele mundo e cada autor ou equipe cria seu próprio mundo.
Todas as 25 histórias são autocontidas e completas. Prato cheio
para leitores casuais e novos.
É
uma edição de colecionador? Sim. Pela qualidade inestimável de
histórias que deveriam estar em edições em catálogo permanente em
livrarias e gibiterias, mas estamos no Brasil. A garantia desse valor
fica por conta de Rodolfo Zalla, Jayme Cortez, Antônio Rodrigues,
Shimamoto entre outros. Há também a primeira publicação de uma
história da série São Paulo dos Mortos, idealizada e escrita por
Daniel Esteves, e um Mike Deodato Filho antes da fama. Fora um Roko
Loko, porque the
zoeira never end!
É uma edição de colecionador com certeza. Merecia uma republicação
revisada e melhorada, com um índice, galeria de capas originais e
com as duas capas alternativas, textos contextualizando cada
história, histórias na ordem em que foram originalmente publicadas,
contos, poemas e matérias gerais no final como extras e, no mínimo,
um papel cartão no miolo? Sim, merecia. Kalaco, fica a dica!
Se
puderem, bons sonhos e boas leituras!
Rodrigo
Rosas Campos
Tags:
Terror, quadrinhos, Brasil, criaturas das trevas, antologia.
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