sexta-feira, 17 de março de 2017

Marvels: Breves Palavras Sobre a Obra Que Alçou Alex Ross ao Estrelato

Rodrigo Rosas Campos

Já escrevi muito sobre Astro City (em vários textos dedicados só a Astro ou não), já escrevi sobre Reino do Amanhã (no ensaio os Filhos de Watchmen), já escrevi sobre Projeto Superpowers (em duas ocasiões) e já fiz uma resenha de Kirby Genesis. Das cinco obras que considero as mais impactantes e emblemáticas da carreira de Alex Ross até agora (2017), falta justamente aquela que o alçou ao estrelato dos quadrinhos: Marvels.

Aviso: Alerta de Spoilers!

Bem verdade que também não falei de Justice (DC), nem de Terra X (etc. da Marvel), mas dessas séries nem vou falar mesmo. Por que? Justice é uma mini série legal, linda e arrebatadora. Mostra a arte do Ross em ponto de bala, mas a história é só um tributo ao desenho animado Superamigos versus Legião do Mal com o clássico embate do Superman com o Capitão Marvel/Shazam que nunca teve no desenho. Vale mais pela arte que pelo roteiro e não traz nenhuma polêmica ou novidade, apesar da enxurrada de ovos de páscoa e fan services para saudosistas. É boa no fim das contas (o final tem uma sacada genial), mas o meio é um conjunto de elementos reaproveitados a exaustão. Terra X, seus derivados e continuações soam como um Mad Max mutante da Marvel, vale mais pela arte também, foi um fracasso de crítica apesar dos fãs saudosistas. Ou seja, são obras lindas do ponto de vista estético, mas que não acrescentam nada ao gênero super-heróis como um todo. Em termos de beleza Justice é disparada a melhor arte de todos os trabalhos de Ross, que não esconde de ninguém que é um DCnauta, prefere a DC à Marvel. Vejam bem, ele não desgosta da Marvel, ele prefere a DC! Mas, apesar dele preferir a distinta concorrente à casa das ideias, foi na Marvel que ele teve sua grande chance, que agarrou com unhas e dentes.

Falar bem de Marvels é chover no molhado. É um quadrinho para quem não gosta de quadrinhos amar, um quadrinho que alcança um público que, normalmente, não lê quadrinhos e, menos ainda, super-heróis. Foi o momento em que a parceria Ross e Busiek foi firmada. Parceria que ainda nos daria Astro City e Kirby Genesis. Marvels também foi o marco zero da reconstrução do gênero super-heróis que, em plenos anos 1990, estava desgastado com violência gratuita, grafismos exagerados e mal feitos, histórias ralas, péssimas e, muitas vezes, mal acabadas. Quadrinhos videogame, ou era invasão de base (jogos de tiro em primeira pessoa), ou era um conjunto de lutas mano a mano (jogos de luta em geral). Heróis truculentos que batiam (e até matavam) primeiro e nem perguntavam nada depois.

A ideia original de Ross era pintar histórias inéditas dos personagens da Marvel em aquarela. Kurt Busiek foi designado para os roteiros e queria que um repórter se encontrasse com os heróis desde 1941 até os anos 1990. Surge, então, o repórter fotográfico Phil Sheldon. Segundo a edição da Salvat, foi Tom DeFalco que sugeriu que a série fosse recontar as histórias clássicas do ponto de vista de uma pessoa comum, sem poderes. Ainda segundo esse encadernado, Busiek detestou a ideia no primeiro momento, pois coube a ele a pesquisa do material e a organização da linha do tempo. Não haveria mais a inserção de novas histórias no passado, e sim o ponto de vista de um novo personagem, um repórter fotógrafo e sem poderes, como testemunha do passado da Marvel. Depois já sabemos o que aconteceu, a ideia de ter a perspectiva de pessoas normais num mundo de super-heróis funcionou tão bem que Busiek ficaria motivado a criar vários personagens humanos comuns narradores de primeira pessoa em sua obra autoral, Astro City, também com a participação decisiva de Ross. Mas voltemos a Marvels. O tempo de ação da história também mudou, ficou reduzido entre a Segunda Guerra até o início dos anos 1970.

Sheldon acompanha o surgimento das maravilhas (marvels) desde a era de ouro, com a criação e a revelação do Tocha-Humana original (o androide), as primeiras aparições de Namor, o Príncipe Submarino, o surgimento do Capitão América, a ida destes e de outros a Segunda Guerra Mundial até a morte de Gwen Stacy quando resolve se aposentar.

Nesse meio tempo, ele perde o olho ao ser atingido por um tijolo durante uma luta do Tocha-Humana original contra Namor; se casa; vai para o fronte da Segunda Guerra cobrir a atuação dos super-heróis na Europa; nascem suas duas filhas; presencia a primeira vinda de Galactus; as muitas invasões alienígenas combatidas pelos Vingadores; cobre a confusão no casamento de Reed Richards e Sue Storm; ajuda uma menina mutante a fugir de uma multidão enfurecida; publica um livro de fotos dos heróis intitulado Marvels, que dá título a série. É depois do sucesso desse livro de fotos que Sheldon tem a maior das reviravoltas da história e é, nesse período, que ele contrata uma assistente.

Assim como os policiais e bombeiros de Nova York, Phil Sheldon acompanha de perto as ações do Homem-Aranha. Ele o admira, fica revoltado com o canalha do Peter Parker que vende as fotos do aracnídeo para o Jameson, maior detrator do amigão da vizinhança. Sim, caros leitores, a perspectiva é de alguém de dentro do universo Marvel. Sheldon resolve investigar a morte do Capitão Stacy a fim de inocentar o Aranha. Nesse momento, eu fiquei tão imerso na história que pensei: “Será que ele vai descobrir que o Aranha é o… Putz, eu sei quem é o Aranha, tomei spoiler!”. Sim, eu que leio gibi desde os sete anos, que via desenhos animados do Homem-Aranha a mais tempo que isso, quando li Marvels pela primeira vez, senti aquele gosto de novidade de fato. Fiquei irritado por já saber que o Peter Parker era o Homem-Aranha. Queria que Marvels tivesse sido minha primeira leitura da Marvel. Quando estava lendo, senti tanta compaixão pelo Sheldon que engrossei o coro quando ele se referiu ao “canalha do Parker” desse jeito.

Phil pretende transformar essa investigação num livro reportagem, um livro mesmo, como ele mesmo diz, com palavras, não fotografias. Mas a morte de Gwen Stacy nas mãos do Duende Verde original o deixa desgostoso. Ele desiste da ideia, se aposenta e passa a câmera para sua assistente Márcia. Durante um bom tempo, achei que ela continuaria a história, esperei um Marvels II, mas Ross e Busiek se envolveram com Astro City e outros projetos logo depois. E uma continuação de Marvels sem os dois não seria uma legítima continuação de Marvels. Ponto para a Marvel que não cometeu um dos piores erros de uma certa e distinta concorrente.

Marvels saiu originalmente nos EUA em 1994 como uma minissérie em 4 edições. Aqui, no Brasil, foi publicada pela primeira vez, como minissérie em 4 partes pela Abril em 1995. A edição da Salvat, usada nesta matéria, é a de 2013. É claro que, entre sua edição original e a atual, vários materiais extras foram produzidos para engrossar os encadernados (tanto aqui, como nos EUA). A atual é a versão definitiva até a próxima edição definitiva com ainda mais material exclusivo que a edição definitiva atual. Confuso? Não se preocupe, você se acostuma (ou não).

Mas o ponto alto das edições encadernadas mais atuais são os bastidores. Ross usando seus amigos como modelos; improvisando fantasias (ele ainda não tinha a grana que viria a ter depois do Reino do Amanhã); transformando um lápis num charuto e fotografando seus pais como modelos para o beijo de Reed e Sue. Referências inter editoriais que só o Ross consegue aprovar estão por toda a parte: Billy Batson (o Capitão Marvel original da distinta concorrente) aparece com um boné azul vendendo jornais; o Spirit surge correndo junto aos repórteres e essas são só as mais gritantes.

Bem, precisava falar algo sobre Marvels. Espero que Alex Ross volte a me surpreender e que se envolva em algum projeto novo para além das capas. Seu último trabalho memorável foi a reapresentação dos personagens de Jack Kirby fora das duas grandes, com texto de Kurt Busiek (seu parceiro de Marvels e Astro City), a série Kirby Genesis.

Obrigado a você que leu até o fim. Boas leituras e até breve!

BUSIEK, Kurt (texto)/ ROSS, Alex (arte). Marvels. São Paulo: Salvat, 2013.

www.guiadosquadrinhos.com

Tags: quadrinhos, super-heróis, Marvel, Alex Ross, Kurt Busiek.

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