Rodrigo
Rosas Campos
Já
escrevi muito sobre Astro City (em vários textos dedicados só a
Astro ou não), já escrevi sobre Reino do Amanhã (no ensaio os
Filhos de Watchmen), já escrevi sobre Projeto Superpowers (em duas
ocasiões) e já fiz uma resenha de Kirby Genesis. Das cinco obras
que considero as mais impactantes e emblemáticas da carreira de Alex
Ross até agora (2017), falta justamente aquela que o alçou ao
estrelato dos quadrinhos: Marvels.
Aviso:
Alerta de Spoilers!
Bem
verdade que também não falei de Justice (DC), nem de Terra X (etc.
da Marvel), mas dessas séries nem vou falar mesmo. Por que? Justice
é uma mini série legal, linda e arrebatadora. Mostra a arte do Ross
em ponto de bala, mas a história é só um tributo ao desenho
animado Superamigos versus Legião do Mal com o clássico embate do
Superman com o Capitão Marvel/Shazam que nunca teve no desenho. Vale
mais pela arte que pelo roteiro e não traz nenhuma polêmica ou
novidade, apesar da enxurrada de ovos de páscoa e fan services para
saudosistas. É boa no fim das contas (o final tem uma sacada
genial), mas o meio é um conjunto de elementos reaproveitados a
exaustão. Terra X, seus derivados e continuações soam como um Mad
Max mutante da Marvel, vale mais pela arte também, foi um fracasso
de crítica apesar dos fãs saudosistas. Ou seja, são obras lindas
do ponto de vista estético, mas que não acrescentam nada ao gênero
super-heróis como um todo. Em termos de beleza Justice é disparada
a melhor arte de todos os trabalhos de Ross, que não esconde de
ninguém que é um DCnauta, prefere a DC à Marvel. Vejam bem, ele
não desgosta da Marvel, ele prefere a DC! Mas, apesar dele preferir
a distinta concorrente à casa das ideias, foi na Marvel que ele teve
sua grande chance, que agarrou com unhas e dentes.
Falar
bem de Marvels é chover no molhado. É um quadrinho para quem não
gosta de quadrinhos amar, um quadrinho que alcança um público que,
normalmente, não lê quadrinhos e, menos ainda, super-heróis. Foi o
momento em que a parceria Ross e Busiek foi firmada. Parceria que
ainda nos daria Astro City e Kirby Genesis. Marvels também foi o
marco zero da reconstrução do gênero super-heróis que, em plenos
anos 1990, estava desgastado com violência gratuita, grafismos
exagerados e mal feitos, histórias ralas, péssimas e, muitas vezes,
mal acabadas. Quadrinhos videogame, ou era invasão de base (jogos de
tiro em primeira pessoa), ou era um conjunto de lutas mano a mano
(jogos de luta em geral). Heróis truculentos que batiam (e até
matavam) primeiro e nem perguntavam nada depois.
A
ideia original de Ross era pintar histórias inéditas dos
personagens da Marvel em aquarela. Kurt Busiek foi designado para os
roteiros e queria que um repórter se encontrasse com os heróis
desde 1941 até os anos 1990. Surge, então, o repórter fotográfico
Phil Sheldon. Segundo a edição da Salvat, foi Tom DeFalco que
sugeriu que a série fosse recontar as histórias clássicas do ponto
de vista de uma pessoa comum, sem poderes. Ainda segundo esse
encadernado, Busiek detestou a ideia no primeiro momento, pois coube
a ele a pesquisa do material e a organização da linha do tempo. Não
haveria mais a inserção de novas histórias no passado, e sim o
ponto de vista de um novo personagem, um repórter fotógrafo e sem
poderes, como testemunha do passado da Marvel. Depois já sabemos o
que aconteceu, a ideia de ter a perspectiva de pessoas normais num
mundo de super-heróis funcionou tão bem que Busiek ficaria
motivado a criar vários personagens humanos comuns narradores de
primeira pessoa em sua obra autoral, Astro City, também com a
participação decisiva de Ross. Mas voltemos a Marvels. O tempo de
ação da história também mudou, ficou reduzido entre a Segunda
Guerra até o início dos anos 1970.
Sheldon
acompanha o surgimento das maravilhas (marvels) desde a era de ouro,
com a criação e a revelação do Tocha-Humana original (o
androide), as primeiras aparições de Namor, o Príncipe Submarino,
o surgimento do Capitão América, a ida destes e de outros a Segunda
Guerra Mundial até a morte de Gwen Stacy quando resolve se
aposentar.
Nesse
meio tempo, ele perde o olho ao ser atingido por um tijolo durante
uma luta do Tocha-Humana original contra Namor; se casa; vai para o
fronte da Segunda Guerra cobrir a atuação dos super-heróis na
Europa; nascem suas duas filhas; presencia a primeira vinda de
Galactus; as muitas invasões alienígenas combatidas pelos
Vingadores; cobre a confusão no casamento de Reed Richards e Sue
Storm; ajuda uma menina mutante a fugir de uma multidão enfurecida;
publica um livro de fotos dos heróis intitulado Marvels, que dá
título a série. É depois do sucesso desse livro de fotos que
Sheldon tem a maior das reviravoltas da história e é, nesse
período, que ele contrata uma assistente.
Assim
como os policiais e bombeiros de Nova York, Phil Sheldon acompanha de
perto as ações do Homem-Aranha. Ele o admira, fica revoltado com o
canalha do Peter Parker que vende as fotos do aracnídeo para o
Jameson, maior detrator do amigão da vizinhança. Sim, caros
leitores, a perspectiva é de alguém de dentro do universo Marvel.
Sheldon resolve investigar a morte do Capitão Stacy a fim de
inocentar o Aranha. Nesse momento, eu fiquei tão imerso na história
que pensei: “Será que ele vai descobrir que o Aranha é o… Putz,
eu sei quem é o Aranha, tomei spoiler!”. Sim, eu que leio gibi
desde os sete anos, que via desenhos animados do Homem-Aranha a mais
tempo que isso, quando li Marvels pela primeira vez, senti aquele
gosto de novidade de fato. Fiquei irritado por já saber que o Peter
Parker era o Homem-Aranha. Queria que Marvels tivesse sido minha
primeira leitura da Marvel. Quando estava lendo, senti tanta
compaixão pelo Sheldon que engrossei o coro quando ele se referiu ao
“canalha do Parker” desse jeito.
Phil
pretende transformar essa investigação num livro reportagem, um
livro mesmo, como ele mesmo diz, com palavras, não fotografias. Mas
a morte de Gwen Stacy nas mãos do Duende Verde original o deixa
desgostoso. Ele desiste da ideia, se aposenta e passa a câmera para
sua assistente Márcia. Durante um bom tempo, achei que ela
continuaria a história, esperei um Marvels II, mas Ross e Busiek se
envolveram com Astro City e outros projetos logo depois. E uma
continuação de Marvels sem os dois não seria uma legítima
continuação de Marvels. Ponto para a Marvel que não cometeu um dos
piores erros de uma certa e distinta concorrente.
Marvels
saiu originalmente nos EUA em 1994 como uma minissérie em 4 edições.
Aqui, no Brasil, foi publicada pela primeira vez, como minissérie em
4 partes pela Abril em 1995. A edição da Salvat, usada nesta
matéria, é a de 2013. É claro que, entre sua edição original e a atual,
vários materiais extras foram produzidos para engrossar os
encadernados (tanto aqui, como nos EUA). A atual é a versão
definitiva até a próxima edição definitiva com ainda mais
material exclusivo que a edição definitiva atual. Confuso? Não se
preocupe, você se acostuma (ou não).
Mas
o ponto alto das edições encadernadas mais atuais são os
bastidores. Ross usando seus amigos como modelos; improvisando
fantasias (ele ainda não tinha a grana que viria a ter depois do
Reino do Amanhã); transformando um lápis num charuto e fotografando
seus pais como modelos para o beijo de Reed e Sue. Referências inter
editoriais que só o Ross consegue aprovar estão por toda a parte:
Billy Batson (o Capitão Marvel original da distinta concorrente)
aparece com um boné azul vendendo jornais; o Spirit surge correndo
junto aos repórteres e essas são só as mais gritantes.
Bem,
precisava falar algo sobre Marvels. Espero que Alex Ross volte a me
surpreender e que se envolva em algum projeto novo para além das
capas. Seu último trabalho memorável foi a reapresentação dos
personagens de Jack Kirby fora das duas grandes, com texto de Kurt
Busiek (seu parceiro de Marvels e Astro City), a série Kirby
Genesis.
Obrigado
a você que leu até o fim. Boas leituras e até breve!
BUSIEK,
Kurt (texto)/ ROSS, Alex (arte).
Marvels. São
Paulo: Salvat,
2013.
www.guiadosquadrinhos.com
Tags:
quadrinhos, super-heróis, Marvel, Alex Ross, Kurt Busiek.
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