Não, Daniel Esteves não
adaptou um roteiro de teatro, ele escreveu um roteiro de teatro que
achou artistas no lugar de atores (e diretor) e papel e tintas no
lugar de palco e cenógrafo. KM Blues é uma edição de 104 páginas,
em cores, formato americano, uma história completa e extras legais.
Textos do (já citado) Daniel Esteves; arte de Wandersom de Souza e
cores de Wagner de Sousa, KM Blues é uma história em quadrinhos que
narra a história de um homem que busca reconciliar-se com as pontas
soltas de seu passado.
Lendo essa história uma
impressão ficou marcada, se reafirmando depois de duas leituras
anteriores: 3 Tiros e 2 Otários parece ter sido escrito para um
filme curta-metragem, que também poderia ser levado ao teatro; 147
foi como se eu tivesse lendo um texto para teatro com ilustrações,
mas neste caso, as ilustrações ajudaram mais na contextualização
e um curta de animação seria uma ótima adaptação.
Já em KM Blues, houve momentos
em que eu verdadeiramente visualizei um palco com atores. A história
até poderia virar filme, parece ter sido pensada para isso, mas o
modo como Esteves concebeu os diálogos faz o leitor ouvir os atores
ao vivo. Eu queria ver aquilo num palco, com atores que caprichassem
na entonação e nas expressões faciais. Um tom bem intimista, que
só o teatro, que é verdadeiramente ao vivo, consegue proporcionar.
Voltando a história, Flávio se
separa de Lúcia e parte em busca de Ana, sua primeira e mais
importante namorada, deixando para trás um filho revoltado, um sogro
conformado, uma ex-mulher furiosa, mas que segue adiante, e, tendo
pela frente, as cobranças de Ana e de todos os que ele deixou para
trás anos antes. Ele terá a ajuda de Cartola, sim, o sambista
carioca, nessa jornada de volta. Se o Cartola é um legítimo
fantasma ou uma manifestação das culpas inconscientes de Flávio,
isso pouco importa! Como carioca, tenho que agradecer a um paulista
por essa bela homenagem a um dos maiores compositores de samba que o
Rio de Janeiro já concebeu e que jaz esquecido pelo seu próprio
povo, que parece preferir uma paródia mal acabada de funk ao samba
de raiz! Obrigado Esteves por se lembrar de Cartola!
Dizer mais sobre Flávio e sua
relação conturbada com seu pai seria dar spoilers. Também seria
estragar a surpresa dizer por que o título é em inglês KM Blues
numa história tão brasileira, afinal, o jogo de cores dos balões
foi pensado para um efeito dramático. KM Blues é um belo e
imperdível teatro em quadrinhos e, com um disco de Cartola ao fundo
durante a leitura, ainda pode ganhar trilha sonora.
Os extras são atrações a
parte. Os agradecimentos dos autores; uma apresentação (prefácio)
de Laudo; ilustrações especiais entre os capítulos, dando a
impressão de que foi uma minissérie encadernada (só que não); um
posfácio do escritor. Bastidores como: partes do roteiro original;
páginas a lápis, finalizadas, em processo de colorização, fotos
de referência, que me fez pensar que poderia ser um filme, esboços
e modelos de personagens, alternativas para capa na página 100. Aqui
sou obrigado a deixar uma pergunta: quem foi que não aprovou aquele
logo em formato de placa rodoviária (que teria o título dentro) na
capa? Por sinal, a segunda alternativa de capa era melhor que a
final. Bronca dada, digo, pergunta e observação feitas, os extras
seguem com: pequenas (mesmo) biografias dos autores; uma biografia de
Cartola em duas páginas por Marcos Virgílio da Silva; e as letras
das músicas de Cartola que aparecem na história: A Mesma Estória,
O Que é Feito de Você, Sim, O Mundo é Um Moinho e O Sol Nascerá.
KM Blues foi editada pela HQ em Foco em 2012 e pode ser comprada na loja da Zapata Edições.
Perdoem-me se essa resenha
parece maluca, com idas e vindas, mas quis deixá-la com o menor
número de revisões possível para passar a minha impressão durante
a leitura a mais autêntica possível. Em resumo, foi como ir ao
teatro e me remeter a peças anteriores de um mesmo dramaturgo.
Boas leituras!
Rodrigo Rosas Campos
valeu por mais essa ótima resenha! :)
ResponderExcluirValeu por Mais uma boa história!
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