quinta-feira, 18 de maio de 2017

KM Blues: Um Texto Teatral Para Quadrinhos

Não, Daniel Esteves não adaptou um roteiro de teatro, ele escreveu um roteiro de teatro que achou artistas no lugar de atores (e diretor) e papel e tintas no lugar de palco e cenógrafo. KM Blues é uma edição de 104 páginas, em cores, formato americano, uma história completa e extras legais. Textos do (já citado) Daniel Esteves; arte de Wandersom de Souza e cores de Wagner de Sousa, KM Blues é uma história em quadrinhos que narra a história de um homem que busca reconciliar-se com as pontas soltas de seu passado.

Lendo essa história uma impressão ficou marcada, se reafirmando depois de duas leituras anteriores: 3 Tiros e 2 Otários parece ter sido escrito para um filme curta-metragem, que também poderia ser levado ao teatro; 147 foi como se eu tivesse lendo um texto para teatro com ilustrações, mas neste caso, as ilustrações ajudaram mais na contextualização e um curta de animação seria uma ótima adaptação.

Já em KM Blues, houve momentos em que eu verdadeiramente visualizei um palco com atores. A história até poderia virar filme, parece ter sido pensada para isso, mas o modo como Esteves concebeu os diálogos faz o leitor ouvir os atores ao vivo. Eu queria ver aquilo num palco, com atores que caprichassem na entonação e nas expressões faciais. Um tom bem intimista, que só o teatro, que é verdadeiramente ao vivo, consegue proporcionar.

Voltando a história, Flávio se separa de Lúcia e parte em busca de Ana, sua primeira e mais importante namorada, deixando para trás um filho revoltado, um sogro conformado, uma ex-mulher furiosa, mas que segue adiante, e, tendo pela frente, as cobranças de Ana e de todos os que ele deixou para trás anos antes. Ele terá a ajuda de Cartola, sim, o sambista carioca, nessa jornada de volta. Se o Cartola é um legítimo fantasma ou uma manifestação das culpas inconscientes de Flávio, isso pouco importa! Como carioca, tenho que agradecer a um paulista por essa bela homenagem a um dos maiores compositores de samba que o Rio de Janeiro já concebeu e que jaz esquecido pelo seu próprio povo, que parece preferir uma paródia mal acabada de funk ao samba de raiz! Obrigado Esteves por se lembrar de Cartola!

Dizer mais sobre Flávio e sua relação conturbada com seu pai seria dar spoilers. Também seria estragar a surpresa dizer por que o título é em inglês KM Blues numa história tão brasileira, afinal, o jogo de cores dos balões foi pensado para um efeito dramático. KM Blues é um belo e imperdível teatro em quadrinhos e, com um disco de Cartola ao fundo durante a leitura, ainda pode ganhar trilha sonora.

Os extras são atrações a parte. Os agradecimentos dos autores; uma apresentação (prefácio) de Laudo; ilustrações especiais entre os capítulos, dando a impressão de que foi uma minissérie encadernada (só que não); um posfácio do escritor. Bastidores como: partes do roteiro original; páginas a lápis, finalizadas, em processo de colorização, fotos de referência, que me fez pensar que poderia ser um filme, esboços e modelos de personagens, alternativas para capa na página 100. Aqui sou obrigado a deixar uma pergunta: quem foi que não aprovou aquele logo em formato de placa rodoviária (que teria o título dentro) na capa? Por sinal, a segunda alternativa de capa era melhor que a final. Bronca dada, digo, pergunta e observação feitas, os extras seguem com: pequenas (mesmo) biografias dos autores; uma biografia de Cartola em duas páginas por Marcos Virgílio da Silva; e as letras das músicas de Cartola que aparecem na história: A Mesma Estória, O Que é Feito de Você, Sim, O Mundo é Um Moinho e O Sol Nascerá.

KM Blues foi editada pela HQ em Foco em 2012 e pode ser comprada na loja da Zapata Edições.

Perdoem-me se essa resenha parece maluca, com idas e vindas, mas quis deixá-la com o menor número de revisões possível para passar a minha impressão durante a leitura a mais autêntica possível. Em resumo, foi como ir ao teatro e me remeter a peças anteriores de um mesmo dramaturgo.

Boas leituras!

Rodrigo Rosas Campos

2 comentários:

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