O
Tabu do Passado
(ou
A Confissão de Um Alterador da História)
Conto de Rodrigo
Rosas Campos
A
polícia é chamada para entrar num apartamento em que o morador não
dá sinal de vida há muito tempo. Entrando lá encontram um suicida
e sua carta. A carta diz:
“Muitos
negam a possibilidade de se viajar para o passado e mudá-lo. Mas
tudo o que pode ser imaginado, pode ser feito, nem lembro quem falou
isso originalmente, mas isso pouco importa agora. Tendo em vista o
mundo que nos cerca, parece ser verdade. Nada garante que vivemos a
história que deveríamos viver. Bem verdade que, para a maioria das
pessoas isso não faz a menor diferença. Não pela insignificância
delas, não me entendam mal, mas pela real indiferença mesmo. A
maioria das pessoas está confortável e não questiona esse
conforto. A maioria se acomoda até com as piores condições. A
grande ironia é que o viajante que altera a história cria uma
história que nunca precisou ser alterada. O tempo se auto regula e o
ato do viajante vira um sonho do mesmo, como se o viajante nada
tivesse feito de verdade para que o tempo corresse diferente. O que
isso quer dizer? Que o sujeito que altera a história não tem como
provar que foi o responsável por isso e que a história verdadeira
seria outra, o sonho que ele teve e do qual acordou. Se ele tentar
provar a verdade será tachado de louco delirante. O erro de
acreditar que o sonho do viajante é o que ele gostaria realmente,
está no fato de que ninguém alteraria uma situação agradável.
Quem muda a história não gosta da história que estava vivendo. O
problema é que mudar a história não garante o desenrolar desejado
pelo viajante. Quer impedir a chegada de um ditador ao poder? Corre o
risco de abrir as portas do poder a alguém bem pior. Quer impedir a
infelicidade de alguém? Esteja disposto a sacrificar sua própria
felicidade. Mas os viajantes do tempo não pensam nisso ao alterarem
o passado. Toda essa realidade vira fantasia diante do poder
regulador do tempo e da eternidade. Nos julgamos plenamente livres,
mas a liberdade plena seria saber tudo com antecedência e escolher
exatamente o que gostaríamos que acontecesse. Como o ator de teatro
famoso que escolhe a peça e o papel exato que interpretará, mas nem
ele pode prever se a montagem terá sucesso de crítica ou de
público. Quem sou eu? Um sonhador sem nome. Quer dizer, eu tenho um
nome, mas não direi nessa carta. Afinal, minha verdade é só um
sonho para vocês. Já vou ser considerado louco por não poder
provar a verdade que afirmo. Mas não se preocupem, para a maioria de
vocês, nada disso fará diferença.
18/04/2015.”
O
policial relê a carta do suicida várias vezes. Se perguntando como
os loucos podem acreditar em suas loucuras e por que alguém se
mataria sem assinar a carta e sem documentos, para dificultar a
própria identificação: “Se não tivesse vendo as evidências por
mim mesmo, acreditaria que ele foi assassinado e quiseram fazer
parecer um suicídio.”. Um coquetel de calmante e veneno para que
dormisse antes de morrer. Não é qualquer um que produz isso.
É
claro que o suicida foi identificado, com o tempo e as investigações,
sua identidade foi oficialmente confirmada. Mas o fato nem saiu nos
jornais. Entrou nas estatísticas e não fez diferença para ninguém.
©
Rodrigo Rosas Campos, 2015.
Muito bom. Parabéns!
ResponderExcluirMuito bom. Parabéns!
ResponderExcluirObrigado pelo duplo elogio. Espero que tenha se divertido com os outros posts do blog. Abraço e até breve!
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