segunda-feira, 20 de abril de 2015

O Tabu do Passado (ou A Confissão de Um Alterador da História)

O Tabu do Passado
(ou A Confissão de Um Alterador da História)

Conto de Rodrigo Rosas Campos

A polícia é chamada para entrar num apartamento em que o morador não dá sinal de vida há muito tempo. Entrando lá encontram um suicida e sua carta. A carta diz:

“Muitos negam a possibilidade de se viajar para o passado e mudá-lo. Mas tudo o que pode ser imaginado, pode ser feito, nem lembro quem falou isso originalmente, mas isso pouco importa agora. Tendo em vista o mundo que nos cerca, parece ser verdade. Nada garante que vivemos a história que deveríamos viver. Bem verdade que, para a maioria das pessoas isso não faz a menor diferença. Não pela insignificância delas, não me entendam mal, mas pela real indiferença mesmo. A maioria das pessoas está confortável e não questiona esse conforto. A maioria se acomoda até com as piores condições. A grande ironia é que o viajante que altera a história cria uma história que nunca precisou ser alterada. O tempo se auto regula e o ato do viajante vira um sonho do mesmo, como se o viajante nada tivesse feito de verdade para que o tempo corresse diferente. O que isso quer dizer? Que o sujeito que altera a história não tem como provar que foi o responsável por isso e que a história verdadeira seria outra, o sonho que ele teve e do qual acordou. Se ele tentar provar a verdade será tachado de louco delirante. O erro de acreditar que o sonho do viajante é o que ele gostaria realmente, está no fato de que ninguém alteraria uma situação agradável. Quem muda a história não gosta da história que estava vivendo. O problema é que mudar a história não garante o desenrolar desejado pelo viajante. Quer impedir a chegada de um ditador ao poder? Corre o risco de abrir as portas do poder a alguém bem pior. Quer impedir a infelicidade de alguém? Esteja disposto a sacrificar sua própria felicidade. Mas os viajantes do tempo não pensam nisso ao alterarem o passado. Toda essa realidade vira fantasia diante do poder regulador do tempo e da eternidade. Nos julgamos plenamente livres, mas a liberdade plena seria saber tudo com antecedência e escolher exatamente o que gostaríamos que acontecesse. Como o ator de teatro famoso que escolhe a peça e o papel exato que interpretará, mas nem ele pode prever se a montagem terá sucesso de crítica ou de público. Quem sou eu? Um sonhador sem nome. Quer dizer, eu tenho um nome, mas não direi nessa carta. Afinal, minha verdade é só um sonho para vocês. Já vou ser considerado louco por não poder provar a verdade que afirmo. Mas não se preocupem, para a maioria de vocês, nada disso fará diferença.
18/04/2015.”

O policial relê a carta do suicida várias vezes. Se perguntando como os loucos podem acreditar em suas loucuras e por que alguém se mataria sem assinar a carta e sem documentos, para dificultar a própria identificação: “Se não tivesse vendo as evidências por mim mesmo, acreditaria que ele foi assassinado e quiseram fazer parecer um suicídio.”. Um coquetel de calmante e veneno para que dormisse antes de morrer. Não é qualquer um que produz isso.

É claro que o suicida foi identificado, com o tempo e as investigações, sua identidade foi oficialmente confirmada. Mas o fato nem saiu nos jornais. Entrou nas estatísticas e não fez diferença para ninguém.

© Rodrigo Rosas Campos, 2015.

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