terça-feira, 21 de abril de 2020

Ele Quer Um Filho Meu: Um Conto de Super Clãs com a Detetive Vitória

Rodrigo Rosas Campos

Prólogo

    Super Clãs é um universo de super-heróis numa Terra alternativa a (aproximadamente) 300 anos em nosso futuro. Nesse novo universo de heróis, os superpoderes se espalharam por toda a Terra, inclusive no Brasil. Isso gerou o surgimento de famílias inteiras com um mesmo (ou com os mesmos conjuntos de) superpoder(es), os super clãs. Como os super poderes começaram entre as grandes guerras do século XX por motivos variados, cada poder possui uma regra própria de transmissão genética e isso gera sérios desconfortos emocionais e físicos para seus portadores. Se super-heróis povoassem a Terra desde a Segunda Guerra Mundial, hoje nossos vizinhos poderiam ser uma família pássaro. Leitores, sejam bem-vindos ao universo futuro de Super Clãs e aos dilemas de seus habitantes.

2320 – Rio de Janeiro. Em uma Terra de Super Clãs.

    “Ele quer um filho meu.”

    “Gosto dele, eu o amo, mas acho melhor terminarmos. Como explicar para ele, que conhece vários esticadores, que a maioria das crianças com superpoderes rejeitam pais normais e o porquê. Será que ele não entendeu que até meu tio, que só tem supervelocidade, é maltratado na minha família por isso? Eu sou Vitória. Nasci numa família de colecionadores de formas alternativas. Isso significa que temos vários poderes, mas não podemos usar mais de um ao mesmo tempo.”

    “O nome do poder é forma alternativa, porque a maioria muda de forma física de acordo com o poder em uso. Eu sou uma exceção: tenho a mesma aparência normal, mesmo quando uso superforça, supervelocidade ou qualquer outro poder. Não posso correr supervelozmente carregando um tanque de guerra ao mesmo tempo.”

    “A forma original de minha família é a humana normal, o que significa que temos que ligar um poder, voltar ao normal para depois ligar outro. Isso toma um tempo. Por isso tenho que ter um apoio de um humano normal na polícia. Mesmo tendo a forma humana sem poderes como forma original, minha família é arrogante.”

    “Mesmo os esticadores mais sisudos e viciados em trabalho são bem-humorados e altruístas. Até um esticador criminoso se entrega para as autoridades para salvar vidas em incêndios ou enchentes. E olha que isso já aconteceu várias vezes. Eu mesma já prendi um que parou de assaltar uma joalheria para salvar uma criança de um prédio em chamas. Hoje sou detetive, na época foi designada para isolar o perímetro do incêndio.”

    “Mas os esticadores são exceções. E os Multi-formas são arrogantes. Minha família acredita no ‘direito natural’ dos super-humanos de tutelar a humanidade e combater o crime, fomos ‘escolhidos’. Eu fui rechaçada da maior parte do meu clã quando decidi me tornar uma policial de verdade. Com poder legal legítimo. Meu pai não é o patriarca do clã porquê pensa como eu e trata bem o tio Jack, ao contrário do meu outro tio, o patriarca do clã.”

    “Meu tio mais velho ficou mordido quando meu pai escolheu Jack, e não ele para ser meu padrinho. Meu tio Jack só desenvolveu supervelocidade. Ficou tão confortável com esse poder que não alterou sua aparência e nem desenvolveu nenhuma outra forma alternativa. É o único velocista não puro a atravessar objetos, viajar no tempo e entre universos paralelos. Ainda assim, minha família o repudia por ele ser só um velocista, quando a maioria deles nem chega na velocidade do som, que é a máxima da minha forma velocista.”

    “Meus pais treinam constantemente, até ajudam quando podem, mas só atuam mesmo quando há o protocolo de invasão alienígena ou de crises cósmicas. São super normais, ou seja, só querem levar uma vida normal.”

    “Nos meus estudos de história, vi muitos abusos passados de super-humanos. Alguns da minha família. O depoimento de um policial revoltado mostrou um ancestral meu destruindo uma casa para impedir um assalto. Isso doeu em mim. Os olhares de meus colegas normais na aula de história doeram em mim.”

    “Mesmo em minha forma original ‘normal’, eu sempre fui boa em lutas. Em minha coleção de formas alternativas tenho uma telepata, uma esticadora, uma super velocista, uma voadora, uma invisível, uma intangível e uma bestial. É uma pena eu não conseguir ficar invisível e intangível ao mesmo tempo. Alguns furtivos puros conseguem.”

    “Em todo caso, ser policial foi uma vocação. Não queria vestir uma máscara e sair procurando problemas com os meus primos. Com ou sem poderes, os vigilantes não passam de valentões imprudentes. Como o meu primeiro poder manifesto foi a telepatia, percebi o mal caráter do meu tio vigilante ainda pequena. Parece que os ‘cidadãos de bem’ se esquecem que o bem não é fruto de uma visão estreita de mundo. Na verdade, são hipócritas mesmo.”

    “O que me traz de volta ao presente, me apaixonei pelo meu mais novo parceiro, que é mais novo que eu, sem poderes e ele quer ter um filho. Um filho que mesmo sendo meu, neto de meus pais e sobrinho-neto do tio Jack, será um sobrinho-neto do patriarca do clã Multi-Forma e crescerá em um meio arrogante com um pai sem poderes.”

    “Isso tem tudo para dar errado! As vezes, queria ter nascido esticadora pura. Outras queria não ter poderes. Olho para ele, dormindo em minha cama e queria ser como ele. Talvez ele nem fosse meu parceiro se eu não tivesse poderes.”

    “Tio Jack casou-se com uma velocista do clã Luminus. Ela já tinha filhos com um velocista de outro clã, divorciou-se dele quando os filhos já eram adolescentes e se envolveu com meu tio. Como só as nossas formas originais podem ter filhos, um dia o tio Jack desligou a supervelocidade, fez uma vasectomia e casou-se com uma mulher que jamais lhe cobraria filhos.”

    “Olho para o meu amado de novo. Há tempos ele não usa camisinha comigo. Com minha astúcia, telepatia e o faro da minha forma bestial, percebi que ele trocou minhas pílulas por placebos de açúcar, mas tenho usado a esticadora para transar com ele. Aprendi a me esticar com a mãe do Ted Alongado. A lição mais difícil é justamente não se esticar involuntariamente a toda hora, mas eu fui uma boa aluna. Ele chegou a fazer um exame, já estava pensando que era estéril. Tive que me segurar para não rir, ele nem se dá conta de que segredos é uma coisa que ele nunca terá comigo.”

    “Outro de meus talentos é alternar entre minhas formas sem nenhum ‘efeito especial’ típico dos colecionadores de formas alternativas. Meu poder só não é melhor porque a velocista não pode voar sem antes passar pela forma normal. Isso toma um tempo que parece pouco, mas pode ser fatal em um combate. Fora que, voando, não sou superveloz e nem a prova de balas, um poder por vez, lembra?”

    “Mas ele quer ter um filho, mesmo tendo conhecido meu tio e meus primos insuportáveis. Mesmo comigo e meus pais lutando para a situação não ficar pior. Uma luta psíquica que foi invisível para ele. Quase que meu tio revelou porque eu não ficava grávida dele. Ele que ter um filho e minha família está a beira de uma ruptura de clã. A maioria só quer levar uma vida tão normal quanto possível, meu tio patriarca só tem o apoio dos mais radicais. Até o tio Jack me sondou se eu não queria ser a primeira matriarca da dissidência, meus pais não seriam aceitos por terem se indisposto abertamente com muitos, meu tio Jack seria rejeitado, afinal, ele só tem supervelocidade, não importa que a supervelocidade dele seja plena, ele só tem supervelocidade.”

    “Ele quer ter um filho e eu não sei se quero ser mãe de outro canivete suíço humano que pode se achar melhor que os demais seres humanos. Ele quer ter um filho, vou sofrer se terminar com ele, será que ainda seremos parceiros e amigos?”

Epílogo

    Em Super Clãs, o multiverso existe. Se esta história entrar em conflito com textos passados ou futuros é porque trata-se de um dos infinitos universos.
P.S.: o cenário de Super Clãs para RPG está disponível na revista digital gratuita Tokyo Defender #07. Obrigado pessoal da Tokyo Defender!

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