domingo, 31 de julho de 2022

[Resenha] Ebó 2.222 de Alex Mir e Daiandreson Victor

    Ebó 2.222 de Alex Mir, textos, e Daiandreson Victor, artes, é a mais nova ficção científica do selo Negro Geek da editora Ultimato do Bacon. Como toda boa ficção científica, Ebó 2.222 é sobre a nossa realidade, mas num pano de fundo futurista. Na trama, em 2.222, Lili ama Miguel, que está estreitando um relacionamento com a ciumenta Sara.

    Em um dos muitos outdoors holográficos, Lili avista um anúncio de um pai de santo que promete trazer a pessoa amada em 3 dias. O pai Caique pede a Lili duas coisas, um pagamento em dinheiro e o número do holodreams de Miguel. Lili só tem acesso a esse número por trabalhar na empresa que produz os Holodreams, que através de um implante cibernético, projeta sonhos sob encomenda para seus usuários direto nos cérebros.

    Assim, o ebó de amarração de 2.222 não se dá por via de despacho de comida real numa encruzilhada e sim pela invasão da própria mente de quem será o objeto de desejo do contratante do pai de santo virtual. Depois de 3 dias, Miguel se apaixona por Lili, mas os eventos seguem por efeitos colaterais não desejados pela mulher. Miguel se torna ciumento e agressivo e Sara não sai da cola do casal.

    Dito assim, parece ser só mais uma história em que tecnologia e magia se complementam, entretanto ela discute vários aspectos lamentáveis de nossa realidade atual: primeiro, os estereótipos culturais, negativos e preconceituosos, contra as religiões de matriz africana através de charlatões que prometem trazer uma pessoa amada em 3 dias; segundo, como estará a espiritualidade no futuro, uma vez que as religiões de hoje estão sendo vistas cada vez mais como algo utilitário, os fiéis pedem cada vez mais ao divino e agradecem cada vez menos, Leandro Karnal tem vários vídeos nas redes falando sobre isso, inclusive, é só procurar; e em terceiro lugar, a falta de respeito com que a Umbanda e o Candomblé são tratados na sociedade contemporânea mesmo sendo duas religiões vivas, portanto mais do que meras mitologias, só por serem religiões de matriz africana. Ou seja, há racismo na intolerância religiosa brasileira, intolerância religiosa essa que parece só afetar as religiões de matriz africana.

    Até a privacidade de dados é comentada aqui, afinal, Lili consegue o IP do implante de sonhos de Miguel por trabalhar na empresa que presta o serviço de sonhos por encomenda. Ebó 2.222 é um quadrinho que nos faz pensar o quanto nosso presente precisa mudar para que as coisas não fiquem piores, o lugar da religião na vida das pessoas e o quanto de esforço é preciso ser feito para que a coexistência e a tolerância religiosa sejam alcançadas. É uma história sobre respeito.

    A revista foi publicada por financiamento coletivo e estará disponível em gibiterias físicas e na Amazon a R$ 35,99 (mais o eventual frete) assim que os apoiadores da campanha receberem seus exemplares. Capa cartão, formato americano, miolo preto e branco, história completa, alguns extras em textos de convidados, pequena biografia dos autores, lombada canoa grampeada. Foi publicada pela editora Ultimato do Bacon e pelo selo Negro Geek.


Boas leituras,

Rodrigo Rosas Campos



Um comentário:

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