quarta-feira, 10 de março de 2021

[Resenha] Caronte: A Crônica dos Penitentes – um RPG de Horror de Alan Rozante


RPG Para Maiores de 18 Anos!


    Caronte, A Crônica dos Penitentes é um RPG de horror escrito por Alan Rozante. Nele, os jogadores interpretam os agentes da morte, conhecidos como penitentes, e precisam colher as almas dos que acabaram de morrer conduzindo-as aos seus destinos no pós-vida. A parte inusitada dessa situação sobrenatural é exatamente o que qualifica o(a) personagem jogador(a) para ser um(a) ceifeiro(a): todos os agentes da morte são pessoas que em vida desperdiçaram seus talentos e não realizaram nada. Não foram bons, nem maus e foram recusados tanto pelo céu, quanto pelo inferno.


    Agora eles precisam coletar 30 moedas para fazer a passagem definitiva colhendo almas. Mas é claro que, em se tratando de um RPG, nada é tão simples. Existem ameaças e riscos a existência e a sanidade dos ceifeiros, sendo que a procissão das almas, os vampiros, os necromantes, os obsessores, o corpo seco, a pisadeira e as bruxas são só os mais emblemáticos. O que me lembra de que não devemos confundir a Bruxa com uma bruxa e me leva ao cenário propriamente dito: Sete Além.


    Sete Além é a cidade dos penitentes. Parece o nosso mundo, mas numa versão abandonada, em ruínas, ligeiramente diferente. Achou o nome do cenário familiar? O autor se baseou em livros e nas creepy pastas para desenvolver o cenário. Logo os leitores encontrarão muitos elementos familiares e referências ao longo da leitura do livro ou do jogo propriamente dito. Além de seres sobrenaturais, bruxas e necromantes, vivos comuns também podem aparecer como NPCs interessantes. Fora aqueles vivos que estarão a beira da morte e cujas almas os ceifeiros terão que coletar. E esse é um ponto crucial do jogo, os ceifeiros não devem matar, eles separam o espírito do corpo depois da morte para que a passagem seja feita, eles apenas cortam o fio de prata.


    O cenário é muito bem ambientado, os contos e as histórias de alguns ceifeiros são bem envolventes. Do ponto de vista narrativo e interpretativo, jogadores e mestres terão a exata noção de como é o cenário e de como ele deve ser interpretado. O livro também traz uma aventura pronta para o grupo iniciar os jogos. Nem é preciso lembrar que cabe ao mestre ler o livro todo para dominar cenário e sistema de regras. Mas, se você é um(a) jogador(a) e quer ter surpresas, leia a página 31 antes de criar seu primeiro personagem, uma vez que os passos de criação do personagem são um pouco diferentes da ordem de leitura corrida do livro.


    Com efeito, os elementos de criação (e as primeiras ambientações) de personagens jogadores vão do início do livro até a página 31 pulando para o capítulo 4; sim, essa mecânica é um pouco confusa, logo a página 31 é o guia rápido de criação de personagem jogador. Aqui, darei um breve exemplo de como criar um penitente iniciante, preenchendo uma ficha.


    A ficha precisará de um apêndice, que pode ser o verso da folha da ficha ou uma folha de caderno. O primeiro passo da criação de personagem é responder ao questionário da página 30. Vamos a ele:


    1) Como foi a vida do personagem? Boa. Altair Tales teve uma vida mediana, não foi de todo feliz, mas não pode se considerar triste, sofrido ou amargurado. Teve seus desafios, mas nenhum aborrecimento ou dificuldade maior. Nasceu em 1961, em São Paulo, capital e, fora algumas fases, lá viveu e morreu. Típica família classe média, tinha facilidade com matemática e na adolescência percebeu que tinha uma fascínio por eletrônica e pelos primeiros computadores pessoais. Decidiu ser um programador e parte de sua formação foi no exterior. Sua maior qualidade técnica era manter-se atualizado. Deixou em suas gavetas e HDs muita coisa não mostrada, afinal, arriscar-se numa empreitada para quê se já era um profissional bem pago e disputado no mercado. Algumas dessas ideias teriam sido consideradas geniais e precursoras, muitas delas estão defasadas para os dias de hoje e as melhores não passam de melhorias para programas e jogos que ele não desenvolveu. Descobriu-se ateu logo no colégio, quando percebeu que só conseguia acreditar no que poderia ser experimentado e duplicado. Teve um choque ao morrer e continuar existindo. Foi bom filho, mas um marido e um pai distante. Dois divórcios e um filho em cada casamento. Quando sua segunda ex-mulher descobriu que o filho era gay, eles se impressionaram com a naturalidade que Altair demonstrou ao proteger o filho de parentes e conhecidos preconceituosos. Essa aproximação deixou o primeiro filho enciumado, a ponto deste tomar atitudes homofóbicas para com o meio-irmão só por birra. Felizmente, nem seu mais velho  votou na chapa extremista que venceu as eleições em 2018.


    2) Como é seu personagem? Sua aparência é mediana em tudo. Branco, hétero, cis, nunca sofreu nenhum tipo de preconceito ou discriminação, mas nunca foi favorecido para além disso.


    3) Como foi sua morte? Morreu na pandemia da COVID 19 de COVID 19 em 6 de março de 2021. Mesmo com bons médicos, histórico saudável e recursos financeiros. Pelo menos viu a mãe, ainda viva, tomar a primeira dose. Seus filhos não se conformam, afinal, ninguém havia votado mal em 2018, ninguém tinha culpa daquele desgoverno.


    4) Como você se comporta enquanto Ceifeiro? Tentando ser o mais objetivo possível diante da situação. Ele compreende o choque do recém-falecido, mas acha que deve agir de acordo com a situação.


    5) O melhor e o pior sobre você? Meu melhor sempre foi minha objetividade e sangue frio. Isso tornou-me bem-sucedido e não me levou a grandes vícios, apesar de ser um hedonista convicto.

    Meu pior é uma certa soberba e indiferença. Se por um lado nunca agredi ninguém, por outro, os únicos agredidos que defendi foram parentes, um filho, colegas de trabalho e amigos.


    Como já dito, estas perguntas e respostas não cabem na ficha, mas podem estar no verso da ficha ou numa folha de caderno a parte. Agora você distribuirá 100 XP em potências segundo a tabela na página 17. Distribuindo 100 nos campos XP, colocando os valores correspondentes nos campos intelecto, psique e matéria e preenchendo os respectivos modificadores.


    Depois é distribuir outros 75 XP nas habilidades básicas de acordo com a tabela na página 21 combinada com a da 17. Daí calcular os modificadores com base no que a ficha pede com relação a distribuição destes 75 XP e dos modificadores das potências acima. Depois disso o jogador distribui 50 em habilidades especializadas, eu escolho computação e eletrônica, ponho 25 XP em cada e depois calculo os modificadores. Eu quero que Altair possa encontrar qualquer pessoa na Terra via meios eletrônicos. Não tenho medo de deixar meu personagem “quebrado”, pois penso que a longo prazo, ele pode melhorar.


    Agora vamos escolher as dádivas (os poderes) do ceifeiro. Todo ceifeiro tem epílogo e colheita, devemos escolher mais 3 na lista que começa na página 53. Eu escolho o capuz, em pele de fantasma e passo de Morpheus. Equipamentos os jogadores terão que conquistar, mas nosso hacker do além vai precisar de eletrônicos. E o oitavo são as habilidades profissionais/especializadas dele, como já disse, computação e eletrônica. Cálculos feitos, a ficha inicial dele segue abaixo. Lembrando que passei a caneta para o scanner captar, as fichas de RPG devem ser preenchidas a lápis ou eletronicamente em situações online.

    Em todo caso, o livro também traz fichas de personagens prontas para o uso dos jogadores que, ou chegaram atrasados, ou não gostam de criar personagens. Dica! Caso você fique em dúvida sobre como criar um personagem, tente recriar um dos personagens prontos. Se for um pouco mais experiente em RPG e ainda assim não entender direito, use uma (ou mais) ficha(s) pronta(s) como guia.


    A diagramação do livro e suas ilustrações são belíssimas. Ele possui um cenário e uma história bem envolventes e desafiadores. A regra é meio truncada, vide a ordem em que elas aparecem e a criação do personagem jogador por exemplo, mas nada que um grupo experiente não possa resolver. O maior problema disso é que mesmo com a temática sendo madura, o RPG é para maiores de 18 anos, o jogo não prevê que maiores de 18 anos podem ter em Caronte: A Crônica dos Condenados um primeiro RPG. Ou seja, a regra é hostil para com jogadores e mestres iniciantes no hobby.


    Concluindo, é um bom RPG com cenário e sistema entrosados, mas que nasce nichado, tanto em relação a faixa etária inicial, mais de 18 anos, quanto em relação a experiência que jogadores e mestres devem ter para jogá-lo, muita. Não é um RPG para quem nunca jogou RPG antes dos 18 anos.


    Caronte: A Crônica dos Penitentes está a venda no site da editora Macaco Dumal, ao preço de R$55,00 em versão digital e R$155,00  mais o eventual frete para a versão impressa. Também está disponível no Dungeonist, neste, com um fastplay e algumas aventuras grátis. Ou seja, se estiver sem dinheiro, não está fácil para ninguém, vá ao Dungeonist, procure por Caronte: A Crônica dos Penitentes e experimente!

Boas leituras, bons jogos e até breve!
Rodrigo Rosas Campos



2 comentários:

  1. Como sempre muito maneira a critica, considere anotada e analisada com cuidado. nós da Macaco Dumal Agradecemos o apoio e esperamos que nos de muito mais bons apontamentos no decorrer dos próximos lançamentos.s2

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