quinta-feira, 29 de julho de 2021

[Resenha] O Grande Livro dos Vampiros de 35 Autoras da Literatura de Terror e Horror


Só por garantia: Desaconselhável para menores de 18 anos.

    Existem dois tipos de coletâneas de contos de vários(as) autores(as). No primeiro, o(a) editor(a) chama autores(as) para criarem contos inéditos, esse é mais comum em revistas literárias, mas também já vi ocorrer em livro. No segundo, que é o caso, mais comum em livros, o editor busca textos prontos com um mesmo tema para reunir num só volume. Lançado aqui no Brasil pela editora Pipoca e Nanquim, O Grande Livro dos Vampiros é uma antologia de contos de vampiros publicada originalmente em 2017 pelo editor inglês Stephen Jones com o título original de The Mammoth Book of Vampire Stories by Women.

    Estes textos foram originalmente publicados em várias revistas literárias da Austrália, Canadá, EUA e da Inglaterra. São 35 histórias em 724 páginas de 35 autoras de terror. Escritoras do quilate de Angela Slatter, Anne Rice, a mais conhecida no Brasil, Mary Elizabeth Braddon, uma das mais famosas e importantes do mundo, Mary E. Wilkins-Freeman, E. Nesbit, Edith Wharton, Kathryn Ptacek, Pat Cadigan, Mary A. Turzillo, Nancy A. Collins, Louise Cooper, Chelsea Quinn Yarbro, Elisabeth Massie, Ellen Kushner, Connie Willis entre outras.

    Mas antes de continuar, preciso deixar um alerta aqui. Sei que entre vocês, que se interessaram pelo tema “vampiro” e que vieram até aqui por causa dessa palavra, há fãs fervorosos dos vampiros dos cinemas, dos RPGs e dos quadrinhos. Isso é bom e ruim ao mesmo tempo. Bom, se você estiver disposto(a) a ver versões diferentes do mito, ruim se você só quer confirmar a imagem do vampiro da qual mais gosta.

    Acontece que, como todos os mitos, as lendas de vampiro começaram na tradição oral antes de ganharem seus primeiros registros na literatura em várias partes diferentes do mundo e em vários contextos históricos. Assim, cada conto pode mostrar um vampiro completamente diferente dos demais. Alguns inclusive andam de dia, o que não é o caso da maioria hoje. E o que os une afinal? Vampiro é um ser que suga energia vital dos vivos, as vezes sugando a energia propriamente dita, as vezes roubando essa energia através do sangue, sugando sangue, que é, hoje, o mais comum e conhecido. As vezes sugar energia se dá só como uma forma de obsessão simples, ou seja, de relacionamentos abusivos. Enfim, cada um destes contos apresenta uma variação de vampiro e algumas variações podem ser bem antagônicas à imagem mais comum que você possa ter.

    De fato, com base nesta e em leituras anteriores, parece que os vampiros começaram a ficar mais uniformes depois de Carmilla e Drácula. Quanto mais antigos são os textos, mais distintos são os vampiros. Com efeito, a personagem Ora Brand é de 1937 e já está bem na transição entre o Drácula e as suas contrapartes do cinema influenciadas por Nosferatu e a Sonja Blue, uma das mais atuais.

    Tendo isso em vista, as 35 histórias do livro são de 35 universos diferentes, são 35 variações de vampiro tiradas das infinitas variações existentes e que ainda podem ser inventadas. Dito isso, se você está disposto(a) a experimentar diferenças, prossiga; caso contrário, volte para o conforto de sua fonte única. O Grande Livro dos Vampiros é muito caro (literalmente e em todos os sentidos, afinal foi R$69,90 na pré-venda) para ser desperdiçado com leitores(as) limitados(as). Se você NÃO É uma dessas pessoas limitadas e decidiu continuar lendo essa resenha, voltemos ao livro:

    Esta resenha não seria justa se eu falasse apenas dos contos de que mais gostei, por isso ela demorou para ser feita e postada. Não cometerei os mesmos erros de Mulheres Perigosas, onde fiz vários posts até terminar todos os contos do livro, isso se mostrou muito contraproducente na época.

    De acordo com a quantidade de informações da história, ao menos o título e o nome da autora serão falados com o aviso de que a trama é curta demais (ou que tem história de menos) para não revelar spoilers, e acreditem, isso acontece. Enfim, dependendo de quando terminei o livro e estas linhas, ele pode não ser mais um lançamento tão recente assim.

    Outro ponto a ser lembrado com esse tipo de publicação é que estilos diferentes de escrita podem influenciar a velocidade de leitura dos leitores de acordo com os respectivos gostos pessoais. Não se assustem se demorarem mais em um conto do que em outro, isto não está vinculado só ao número de páginas, mas ao quanto a autora te prendeu na história mais do que a anterior ou a próxima. Uma dica é tentar resistir a busca pelos títulos e autoras que mais te atraírem e tentar ler de forma linear, na ordem do livro.

    O fato de serem 35 contos seguidos com o mesmo tipo de protagonista (ou antagonista) também pode colaborar para uma estafa. Não são apenas 35 histórias de terror com alguns vampiros, todos os 35 contos são de vampiros. Se você tiver outras coisas para ler, sugiro intercalar as leituras com os contos de vampiro desse livro. Afinal de contas, cada conto é uma história diferente e eles não são interligados mesmo. É um livro que pode ser interrompido sem culpas e retomado sem problemas.

    Se você não conseguir resistir a tentação de pular para os títulos ou para as autoras que mais te atraem, sugiro que o faça da forma mais linear possível, que foi o que fiz, tendo em vista que queria ler o de Pat Cadigan o quanto antes e, como cada história é uma história, não resisti em dar saltos em zigue-zague. Mas não se preocupe, aqui, falo dos contos na ordem em que eles aparecem no livro. As histórias não foram colocadas na ordem da data de publicação original. Tudo me leva a crer que a editora Pipoca & Nanquim seguiu o projeto original na ordem de apresentação das histórias.

    A imagem da capa da edição brasileira foi feita aqui mesmo por Wagner Willian e remete aos cartazes de filmes clássicos de vampiros da Hammer Film. Cada trama é um universo próprio, pois cada autora tem sua própria visão do vampiro e o vampiro é sempre usado em um contexto diferente para passar uma mensagem diferente. Ou seja, vampiros e vampiras são atores e atrizes bem versáteis. Através deles, temas variados como o medo da morte, medo do envelhecimento, vício em drogas, solidão, relacionamentos abusivos, amores frustrados, crimes passionais, vaidades, egoísmos, rancores, desejos reprimidos entre outros podem ser abordados. Fora que o livro também conta com vampiros que interpretam heróis e anti-heróis em simples aventuras de ação despretensiosas feitas só para divertir. Realmente os vampiros se prestam a vários papéis. Sem mais delongas, os contos são:

    O Mestre do Portal de Rampling foi escrito por Anne Rice e publicado originalmente em 1984. A história se passa na Inglaterra. Antes de morrer, um homem passa a seu filho a missão de destruir uma de suas propriedades, uma casa, praticamente um castelo, em Rampling com um belo portal de entrada. Por que essa propriedade precisa ser destruída? Isso é o que o rapaz e a sua irmã vão descobrir.

    Este conto faz parte das Crônicas Vampirescas? Sim. Precisa de alguma outra leitura para ser entendido? Não; é uma história fechada, como tudo que Anne Rice escreve, e, para além do sobrenatural, deixa bem claro a mensagem que quer passar pela narração em primeira pessoa da protagonista.

    A Destruidora de Lares foi escrita por Poppy Z. Brite e publicada originalmente em 1998. Nessa história, de apenas três páginas, a vampira é retratada como uma destruidora de lares e falar mais seria dar spoilers. São só três páginas, o mais curto conto do livro.

    Quando Grethen Era Humana é de Mary A. Turzillo e foi publicada originalmente em 2001. Uma pobre mulher se vê obrigada a dar a guarda da filha para o ex-marido que mora em outro estado por não ter um plano de saúde que cubra a doença da filha, leucemia. Triste, sozinha e desiludida pelas más notícias sobre a menina, ela decide se entregar a um excêntrico senhor que diz ser um vampiro, mas ninguém acredita realmente nele. Só um conquistador barato? Um velho maluco? Talvez. Leia o conto e descubra.

    O quarto conto é O Vingativo Espírito do Lago Nepeakea de Tanya Huff, publicado originalmente em 1999 no Canadá. É uma aventura da detetive vampira Vick Nelson da série de livros Blood. “Preciso ler algo da série para entender o conto?” - Não, a história é fechada nela mesma, com início, meio e fim. É uma aventura de mistério de uma sessão da tarde.

    Um empreiteiro quer transformar um lago e seus arredores num baita investimento imobiliário e há a suspeita de que não haja nada de sobrenatural no Lago Nepeakea tentando impedir isso, apesar da morte de uma das funcionárias dele. Para tirar essa dúvida, o empreiteiro que é muito “querido” pelo povo que vive ao redor do lago contrata a detetive, que, por sinal, é uma vampira. A história é até gostosa de ler, mas não é lá isso tudo.

    La Diente foi escrito por Nancy Kilpatrick, publicado originalmente em 2001 no Canadá. Remédios é uma equatoriana que trabalha de doméstica nos EUA. Desde pequena, no Equador, ela via filmes de vampiros, mas, do mesmo jeito que ela se sente atraída pelos monstros, ela também os teme. O que será que pode acontecer com ela a partir dessa mistura de medo e atração caso os vampiros se mostrem reais?

    La Diente menciona o dia dos mortos no Equador (Dia de Los Defuntos), até busquei por isso na Internet (Google e Wikipedia). Não vi menções do que a autora descreve no conto e deixo aqui um alerta: essa é uma história que soa racista contra latinos. Por que? Dizer seria dar spoilers. Mas como latino que sou, eu me senti ofendido. Se você também é brasileiro, e não se considera latino, se informe, mas se informe de verdade, não só pelos zap zaps da vida.

    A Senhorita Massingberd e o Vampiro de Tina Rath é de 1986. O cenário do texto é real e ela viu que um vampiro combinaria com o lugar, então, ela criou um personagem para habitar o lugar. Mas e a história do conto? Ela só tem 4 páginas e falar muito seria dar spoilers.

    O Corvo Cativo foi escrito por Freda Warrington e publicado originalmente em 1999 na Inglaterra. Aqui temos uma história que tenta dar um clima de crime passional, mas com vampiros envolvidos. Faz parte de uma série maior, mas é fechada em si mesma. O editor original (de 1999) encomendou a volta de dois personagens vampiros e a autora acrescentou mais um entre seus personagens recorrentes. Queria MESMO ter gostado mais dessa história, mas só acrescentar vampiros em tramas de crimes passionais me soa só como um tempero barato para tornar uma história simplória mais impactante do que ela deveria ser. Ou, pelo menos, essa é uma história simplória com vampiros. Bem escrita, mas simplória.

    O Rei Vampiro das Minas Góticas de Nancy A. Collins também faz parte de uma série, mas calma! Publicado em prosa em 1998 nos EUA, o conto surgiu como um roteiro de quadrinhos e a autora não gostou dos desenhos e o transformou em prosa. Sonja Blue, a personagem recorrente da autora, já existia em prosa desde 1989 e a autora foi convidada a fazer o roteiro de quadrinhos por uma editora independente. Mais tarde, o quadrinho virou este conto numa adaptação na contramão. É uma aventura de uma vampira que caça vampiros. Diversão honesta, eficiente e descompromissada.

    Bem o Tipo Dele de Storm Constantine, conto publicado originalmente em 2001 na Inglaterra. Esta é uma daquelas histórias que tenta abordar o mito pelo aspecto antropológico e realista. Uma mulher que se acha a reencarnação de uma antiga sacerdotisa procura um pesquisador conhecido por um livro sobre vampiros para fazer uma regressão a sua vida passada. É realmente uma história bem escrita, mas tem uma pretensão que só agrada pseudointelectuais, não curti. Também tenta ser um conto erótico cool, mas acho que nem assim funcionou direito. Enfim, se você curte bizarrice erótica com pitadas de sobrenatural leve, talvez goste.

    Príncipe das Flores foi escrito por Elizabeth Hand e publicado nos EUA em 1988 alguns anos depois de ter sido escrito, não estranhem a tecnologia. O que um inocente fantoche com o nome de Príncipe das Flores pode ter de perigoso? Por que não furtar um artefato estrangeiro antigo de um museu para casa? Pois é, as respostas estão no conto e não dá para comentar muito mais.

    Serviços Prestados foi escrita por Louise Cooper e publicada em 2001 na Inglaterra. Um marido morrendo de uma doença terminal, uma esposa desesperada e uma vampira pedindo dez mil libras para salvá-lo, sendo que a única maneira de fazer isso é transformando-o num vampiro. Se eu falar porque gostei dessa história, dou spoiler. Essa é excelente!

    A Consequência é um conto de Janet Berliner publicado em 1999 nos EUA. A história contada nele se baseia em fatos históricos e começa em 1197. se eu comentar muito, darei spoilers. Entretanto, cabe salientar que ele é bem escrito, mas não parece um conto, parece um prólogo, um prólogo de uma história que não é contada. Não é que ele termine em aberto, ele é o início de uma história maior, há uma diferença entre final aberto e o fim de um prólogo e eu fiquei frustrado.

    Uma Entre Milhões foi escrita por Yvonne Navarro e publicada em 1996 nos EUA. O que leva um ser sobrenatural como um vampiro a escolher uma mulher entre milhões? Sondra descobriu sendo, ela mesma, uma entre milhões. E para fazer um comentário decente eu teria que contar um resumo completo dessa história, mas todo mundo teme spoilers hoje! Droga!

    Luella Miller foi escrita por Mary E. Wilkins-Freeman e publicada em 1902 nos EUA. Que feitiço terá aquela bela mulher que faz todos os que gostam dela trabalharem por ela e morrerem por ela? Está em domínio público é com um Google você encontra fácil para baixar de graça, mas em inglês.

    Sangre foi escrita por Lisa Tuttle e publicada em 1977 nos EUA. Boa, bem escrita, mas não acrescenta nenhuma novidade ao mito do vampiro. Honesta, mas fraca.

    Uma Questão de Patrocínio de Chelsea Quinn Yarbro, publicado originalmente em 1994 nos EUA é uma aventura do Conde de Saint-German. Um aspirante a ator trabalhando como escrevente no escritório de uma administradora de Londres percebe que um cliente antigo está sofrendo um desfalque. Todavia ele também repara que este cliente antigo não poderia ser a mesma pessoa que abriu a conta 30 anos atrás a menos que… Esta história me lembrou o filme Clube dos Monstros, apesar de se passar no fim do século XIX. Pena que vocês tem medo de spoilers, queria poder comentar essa história direito.

    Hisako-San foi escrito por Ingrid Pitt em 2001 e publicado originalmente na Inglaterra. Como muitos dos contos desse livro, é até bem escrito, mas o que mais salta mais aos olhos é o modo depreciativo como japoneses são retratados.

    Cor de Abóbora e Sangue foi escrito por Kathryn Ptacek em 1993 e publicado originalmente nos EUA. Não há relatos de vampiros nas guerras, este conto, que se passa durante a guerra de Secessão norte-americana, mostra como vampiras agem para não serem pegas. Um dos melhores do livro.

    Cidades Adormecidas de Wendy Webb foi publicado originalmente em 2001 nos EUA. Serão os soldados de terracota apenas estátuas? É isso o que um ambicioso arqueólogo portador de um amuleto está prestes a descobrir. É bem escrito, mas parece ser um destilar de preconceitos e xenofobia.

    A Casa Assombrada foi escrita por E. Nesbit e publicada em 1913 na Inglaterra. Neste conto, o dono de uma casa supostamente assombrada pede ajuda nos classificados de um jornal a qualquer um capaz de investigar os estranhos fenômenos de seu lar. O incauto herói da história vai ao auxílio desse senhor e ir além daqui é dar spoilers. É uma história muito boa que certamente influenciou muita coisa que veio depois em todas as mídias além da literária. Este é um dos contos do livro caídos em domínio público.

    Manjar Turco foi escrito por Roberta Lannes e publicado originalmente em 2001. A história se passa num bairro operário da Inglaterra e é uma daquelas que se eu der a sinopse, corro o risco de dar spoilers. Tem uma gralha na sexta linha do primeiro parágrafo da página 341, o livro foi caro, serei chato.

    A Vênus Surgindo das Águas foi escrito por Tanith Lee em 1991 e publicado originalmente na Inglaterra. Como os vampiros serão pintados quando a tecnologia cotidiana for muito superior a que conhecemos hoje (o hoje de 1991)? Será que o futuro tecnológico em que haja hologramas como forma de entretenimento terá espaço para um mito tão antigo como o do vampiro? No que depender da escritora Tanith Lee, sim e ela mostra como pode ser isso nessa história.

    É a história que mais tenta inovar e tem um ritmo mais lento. Para que eu melhor comentasse teria que comparar essa história com leituras anteriores tanto de ficção científica hard quanto de terror e isso seria dar spoilers. A autora combina elementos que, se não fosse por minhas leituras prévias, talvez eu até gostasse. Como eu já vi isso antes, fico mais chato.

    Ano Zero, escrito por Gemma Files publicado originalmente em 2001 no Canadá. O início da história se passa na França nos primeiros anos da revolução francesa. É tanta introspecção psicológica que seria melhor se a narração fosse em primeira pessoa. Usar narração em terceira pessoa para se focar em poucos personagens é um desperdício. Esse texto não prende o leitor. O conto inteiro é uma barriga com um fiapo de informação histórica com tempero de vampiros. Ler livros de História real sobre a revolução francesa seria mais divertido. Abandonei! Se um dia terminarei, não sei.

    A Bondosa Lady Ducayne, história escrita por Mary Elizabeth Braddon e publicada originalmente em 1896 na Inglaterra versa sobre os vampiros mais “realistas”, pessoas que sugam a energia de pessoas com relacionamentos abusivos. O conto também traz uma forte crítica do papel social da mulher na Inglaterra da época em que foi escrito. Publicado um ano antes de Drácula, este conto é um clássico entre as histórias de vampiro e está em domínio público, se eu explicar as aspas na palavra “realistas” acima, dou um spoiler.

    Almoço no Charon´s foi escrito por Melanie Tem e publicado em 2001 nos EUA. Um grupo de amigas de colégio se encontra no restaurante Charon´s. Uma está com câncer terminal, o que abala a narradora em primeira pessoa, uma mulher vaidosa que faz tudo para lutar contra o tempo e o envelhecimento. Tudo mesmo.

    Para Sempre, Amém, escrita por Elizabeth Massie e publicada em 2001 nos EUA. Uma mulher se torna vampira com a missão de livrar o homem que amou de um ciclo de reencarnações de punição eterna. Vampirismo, reencarnação e viagem no tempo podem funcionar numa mesma história? Elisabeth Massie prova que sim, desde que o básico seja bem executado e os encaixes sejam cuidadosos.

    Risada da Noite foi escrita por Ellen Kushner e publicada em 1986 nos EUA. Bem curta, comentar é estragar. Divertida, despretensiosa e honesta, não tenta ser mais do que é. Gostei, mas fiquei querendo saber o que veio depois, só resta completar na minha cabeça mesmo. Este é um dos contos que me fazem lamentar o fato deles não estarem dispostos por ordem de publicação original.

    Versão Pirata é de Christa Faust, publicada originalmente em 2001 nos EUA. Atualmente, Mona é uma escritora renomada, mas ela teve um passado como striper, dominatrix e cantora de rock tudo na mesma personagem, Diva Demona. Hoje, ela volta para sua cidade natal onde vai encontrar uma estranha cópia de sua antiga personagem. Boa, mas se perde no fim. Até concordo com a opinião da própria autora sobre se o conto deveria ou não estar no livro, mas se eu continuar a comentar, conto tudo.

    Enfeitiçado foi escrito por Edith Wharton e publicado em 1937 nos EUA. Para uma história curta, apresenta um número bem grande de personagens. Impedida pelo pai de se casar com o homem que amava, Ora Brand volta do túmulo para roubá-lo de sua esposa. Este conto acaba por ser uma crítica velada ao papel da mulher no interior dos EUA em 1937. Muitos dos elementos consagrados e estabelecidos do vampiro da cultura pop atual já se encontram neste conto. Embora não tenha achado este conto isoladamente, a obra da autora em inglês está em domínio público.

    A Guardiã de Meu Irmão foi escrito por Pat Cadigan e publicado originalmente em 1988. De férias na universidade, Porcelana (como a protagonista é chamada pela família) volta à casa dos pais para ver do que o irmão Joe, um viciado em drogas, precisa, uma vez que ele lhe mandou um postal depois de ter sido expulso de casa. Em meio aos ressentimentos familiares, ela descobre que o irmão está morando com uma misteriosa mulher mais velha, mas o que ele tem a oferecer para uma mulher mais velha e rica que poderia estar com alguém que não fosse só um viciado?

    Aqui não tenho como não deixar de fazer um comentário mais crítico. É uma história bem escrita, utiliza o vampiro como metáfora para vício em drogas etc., mas, se ela não estivesse em um livro cujo título é O Grande Livro dos Vampiros, haveria uma surpresa, pois até a metade é a história de uma irmã tentando descobrir como seu irmão viciado está e de conflitos familiares trazidos pelo consumo de drogas. Ou seja, esta história estar num livro de vampiros é um spoiler.

    Assim Vai-se o Mundo, escrita por Caitlin R. Kiernan e publicada originalmente em 2001 nos EUA. Mais uma que eu abandonei. Fim do mundo, carniçais e vampiros, só que parece a edição 5 de uma minissérie de quadrinhos de 12 edições e não uma história fechada.

    Agora vem o melhor conto do livro: A Escadaria Noturna, escrita por Angela Slatter e publicada originalmente em 2014 na Austrália. E se toda a população de um lugar soubesse que seus governantes são, literalmente, vampiros? Que hábitos, costumes e protocolos seriam tão corriqueiros a ponto de toda uma população se conformar com os vários tipos de sacrifícios humanos e ritos estranhos? Outras irmãs de Adlisa já haviam sido filhas do dia e voltaram para casa mortas e vazias, agora é a vez de Adlisa.

    Em poucas páginas Angela Slatter criou um novo e coeso universo. Nada parece jogado, mesmo que nós, leitores, sejamos completos estranhos olhando aquele mundo pelo relato de Adlisa. Este remete verdadeiramente a Carmilla e a O Príncipe de Maquiavel. Tão realista no aspecto político quanto o mito do vampiro permite. Segundo a ficha de apresentação, esta história pode ser a base para uma série maior planejada pela autora. Esperemos.

    Uma Luz Que Vem do Norte, escrito por Gwyneth Jones e publicado originalmente em 2001 na Inglaterra. Gostei? Sim, mas nem tanto. Confesso que fui com muitas expectativas para este. É o mais inspirado em Carmilla, como uma adaptação bem livre para os nossos dias, ainda assim, bem diferente, com toques de outras obras que se eu falar estrago. Isso é um problema, para dizer porque gostei, teria que contar a história e estragar a experiência.

    Jack, escrito por Connie Willis e publicado originalmente em 1991 nos EUA. Connie Willis também mistura fantasia com história real de forma magistral. Afinal, onde estavam vampiros, lobisomens, fantasmas e afins nos maiores perrengues da história? Essa história se passa em Londres, Inglaterra, durante a Segunda Guerra Mundial. Ela estar num livro com o título de O Grande Livro dos Vampiros é um spoiler, embora as pistas estejam lá.

    Vampyr é, na verdade, um poema de uma página. Escrito por Jane Yolen em 2001. Não há como comentar um poema sem lê-lo, ou, no caso, citá-lo, mas isso seria spoiler do poema como um todo. Gostei? Sim, gostei.

    Voltando a falar da edição como um todo: há uma lista final com informações sobre todos os contos incluindo títulos originais e datas de publicações originais, só em um deles, Cor de Abóbora e Sangue, que eles esqueceram o ano da publicação original, mais isso não foi nada que uma consulta no Google não tenha resolvido, mas que esqueceram, esqueceram.

    A maioria dos textos é bem recente, de 1990 até hoje. Com efeito, 14 dos 35 contos foram originalmente publicados em 2001. Só 11 textos vão de 1896 até 1988, ou seja, o livro não preenche tantas lacunas quanto o vídeo do canal da editora sugere. Acontece que Anne Rice não foi um sucesso tão estrondoso no Brasil logo em sua primeira publicação por aqui, só vindo a fazer sucesso real entre nós poucos anos antes da estreia do filme Entrevista com o Vampiro. Logo, nossos editores da época não se animaram com a revitalização do vampiro literário que ocorria no resto do globo nos anos 1970 e 1980. E revitalização é modo de dizer; lá fora, nenhum tipo de literatura (ou temática) morre por completo por haver revistas literárias para todos os gostos. Entenda por revitalização, uma volta do vampiro para além de um nicho específico de público.

    Quando Anne Rice finalmente emplacou no Brasil, nossa cultura de monocultura se encarregou de eclipsar qualquer coisa não fosse a própria Anne Rice com poucas obras escapando dessa sina. Claro que, em se tratando de Brasil, O Grande Livro dos Vampiros realmente preenche algumas lacunas, poucas, mas preenche. Aqui, muitas das autoras do livro eram inéditas no Brasil, mas inéditas como um todo, não só inéditas enquanto autoras de histórias sobre vampiros. São raras as escritoras no livro que se dedicam exclusivamente a escrever sobre vampiros. Muitas delas ganharam prêmios por obras bem maiores.

    Para os que quiserem ler os contos na ordem cronológica de publicação original, fiz a tabela abaixo para ajudá-los: Se preciso, clique na imagem para ampliá-la.





    A edição é capa dura, bem produzida, padrão Pipoca e Nanquim, feita para durar. Lembra os livros do saudoso Circulo do Livro, sendo que ainda vem com o fitilho. Fitilho é aquele marcador inerente ao livro, um pedaço de tecido fininho que, na prática, faz você se perguntar se parou na página par ou ímpar. Ou seja, toda vez que uso um fitilho para marcar um livro que traz esse troço, me perco do mesmo jeito. Qualquer pedaço de papel é um marcador improvisado melhor que um fitilho que, a meu ver, só presta para encarecer o livro ou para dar a um leitor vaidoso enfeitador de estantes um ar pseudo intelectual. Este livro merece uma edição mais barata? Sim, uma vez que suas histórias têm potencial para formar novos leitores. Fora que apresenta várias autoras com obras que não se resumem a histórias de vampiros.

    Perguntas que não querem calar:

    Tenho que ler aquelas fichas das autoras antes de cada conto? Melhor não. É melhor que você só leia as fichas daquelas que te agradaram depois de ler cada conto que te agradou. Por que? Algumas dão pistas sobre os contos do livro e para leitores mais atentos podem ser spoilers involuntários. Outras podem levar sua expectativa para patamares estratosféricos, afinal, todas são bem premiadas e consagradas, mas você tem o direito de não gostar de um ou outro conto.

    Alguns contos fazem parte de séries maiores? Sim. Preciso ler algo antes para entender os contos que fazem parte de séries maiores? Não. Nenhuma leitura prévia é necessária para nenhum conto deste livro. Ainda que fosse, cada conto é precedido de um texto (uma ficha, por assim dizer) sobre a autora com biografia e obra. Dos 35 contos do livro, 6 fazem parte de séries maiores e 29 são histórias completamente independentes. As fichas das autoras mostram que algumas delas possuem séries com vampiros, mas que trabalharam diferentes versões do vampiro ao longo da carreira. Logo, só contei como parte de série os contos em que as fichas das autoras não deixavam dúvidas quanto a isso.



    Eu gostei do livro? Sim. A maioria dos contos são bons? Sim. Neste ponto cabe destacar que gostar ou não gostar de uma ou de algumas dessas histórias denota apenas gosto pessoal na maioria dos casos. A curadoria de Stephen Jones primou pela escrita tecnicamente bem-feita, ou seja, levando em conta apenas a redação, quase todas as autoras são excelentes. Quase não há barrigas em nenhum dos contos. Em geral, gostar ou não gostar de um texto desse livro é gostar ou não gostar da história em si. Ou dito de outra forma, quase todas as histórias são bem contadas, muito bem contadas.

    Qual conto que mais gostei? A Escadaria Noturna, escrita por Angela Slatter roubou meu pescoço e meu coração.

    Quais contos eu menos gostei? Aqui, não seria justo falar apenas de um conto que eu não gostei: Ano Zero, por ser mal escrito mesmo; se é para fazer introspecção psicológica em um personagem só, use a primeira pessoa, não a terceira. Esse eu abandonei a leitura. Também abandonei a leitura de Assim Vai-se o Mundo que parece um texto de quadrinhos que não encontrou desenhista e que parece a edição 5 de uma minissérie de 12 edições. Estou sem paciência para isso no momento. Não encontrei o Grande Livro dos Vampiros numa seção de usados de gibiteria e, ainda que fosse o caso, o livro me prometeu histórias completas de verdade. La Diente é uma ofensa aos latino-americanos, embora seja bem escrito. Hisako-San também é bem escrito, mas destila preconceito contra japoneses.

    Vale o alto preço (mais o eventual frete)? Essa é uma pergunta com várias respostas: pela qualidade gráfica, sim. Se você gosta de terror e horror em geral, sim. Se você curte histórias variadas de vampiros com diferentes visões dos mesmos, sim.

    Se você já é fã de uma ou mais autoras presentes no livro, sim, e este é o meu caso. Já era fã de Anne Rice e de Pat Cadigan; dificilmente as histórias delas nesse livro seriam publicadas no Brasil de outra forma pela triste realidade de nosso mercado editorial.

    Se você quer experimentar várias autoras ao mesmo tempo, sim. Vale ressaltar aqui que: a grande maioria dos contos, das autoras e até de alguns personagens recorrentes presentes em O Grande Livro dos Vampiros pela Pipoca & Nanquim, era inédita no Brasil.

    Eu gostei da maioria dos contos, então, para mim, o preço compensou, mas este é o mais subjetivo de todos os critérios. Mesmo levando em conta a maioria dos contos que eu não gostei, pelos motivos já citados, a maioria dos textos é tão bem escrita que só abandonei a leitura de dois contos.

    Há versão digital disponível? Sim, R$10,00 mais barata. Uma consideração final se faz mister: apesar de não brilharem feito purpurina (ou mármore), muitos destes vampiros andam de dia, ainda que preferindo a noite. E para os que ainda não leram Drácula, leiam o livro.

Boas leituras!? É um livro de terror e horror, bons sustos e pesadelos, hahahahaha!

Rodrigo Rosas Campos

    P.S.: um lado meu acha que uma tradução mais literal do título original seria mais divertida: O Livro Mamute de Histórias de Vampiros por Mulheres. Mas os mamutes eram herbívoros como seus descendentes atuais, os elefantes, não combinam com vampiros. Mas que o livro é realmente grande como um mamute, isso é.


Para Saber Mais!


    Pat Cadigan também é uma das coautoras de Cartas Selvagens/Wild Cards e a criadora da Water Lily nesta série. Cartas Selvagens é um universo distópico de super-heróis que já teve os nove primeiros livros publicados no Brasil pela Leya (em parte com o apoio do site Omelete). Foi um absurdo isso não estar na ficha dela em O Grande Livro dos Vampiros.

    Os quatro contos no livro que estão em domínio público e seus respectivos títulos originais são: A Bondosa Lady Ducayne/Good Lady Ducayne; Luella Miller/Luella Miller; A Casa Assombrada/The Haunted House; e Enfeitiçado/Bewitched. Encontrei obras de todas essas autoras no Project Gutenberg com muitos livros de contos inclusive. Dos contos isolados, só achei Luella Miller. Todos os contos estão em livros maiores, tudo em inglês.

    Alguns dos contos acima também foram publicados no Brasil no livro Contos de Vampiros 14 Clássicos Escolhidos da Pocket Ouro, um selo da Ediouro em 2009.

    Ainda em relação a terror e domínio público, aqui no Brasil, grandes autores também escreveram terror, mas há o descaso e o preconceito com esse tipo de literatura por aqui. Vide o livro Contos Macabros: 13 Histórias Sinistras da Literatura Brasileira.

2 comentários:

  1. Boa resenha, mas eu gosto do fitilho. É muito mais conveniente, elegante e difícil de perder ou esquecer de usar do que marcadores ou post-it!

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    1. Comentário educado, contundente e elegante. O senhor deve ser um ventrue. Obrigado por vir ao meu humilde blog.

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