sexta-feira, 2 de junho de 2023

Garimpando No Evento Sábado de Quadrinhos: Almakoosa #01

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    O mercado de quadrinhos no Brasil é muito fraco, sejamos honestos. Por esse motivo, os eventos de quadrinhos no Brasil, por menores que sejam, precisam ser estimulados e divulgados. São momentos em que leitores e criadores de quadrinhos (escritores e desenhistas) podem interagir sem intermediários. A série “Garimpando No Evento...” fala de quadrinhos que foram comprados diretamente com os criativos nos eventos.

    A pedra garimpada de hoje é Almakoosa #01, um almanaque da editora Mamakoosa com um mix de histórias em quadrinhos brasileiras de terror e humor para maiores. Foi garimpada no evento Sábado de Quadrinhos na Biblioteca Parque de Niterói. Foi R$ 12,50 por ter sido comprada junto com outra revista no evento (estou sem certeza agora se o preço cheio seria R$ 15,00), formato americano, miolo em cores e preto e branco, lombada quadrada, 150 páginas.

    O modo como ela foi publicada me gerou algumas dificuldades para escrever esta resenha, vamos lá: alguns créditos só se encontram na página 148 (o expediente), e não nas primeiras páginas de três histórias: Beastdores, Catecismo do Zebu e Horóscopo da Dona Morte. Dessa forma, a informação sobre quem fez o texto destas tramas pode estar imprecisa.

    Beastdores é em cores e é um foto quadrinho de um teatro de marionetes, mas não há o crédito de quem fez os bonecos, só de quem os manipulou para as fotos serem tiradas e virarem quadrinhos. Trata-se da reunião de bastidores dos monstros que fazem a revista Almanakoosa e a editora Mamakoosa. É divertido! A direção é de Isabela Dorneles; a manipulação é de Fernanda Silveira e Beto Dorneles; e o texto é de Frascisco Paschoal e Gabriel Billy (segundo a página 148). Também não há o crédito de quem tirou as fotos (iluminação etc.) e as colocou no formato de páginas de quadrinhos.

    Catecismo do Zebu é uma inusitada versão do Gênesis da perspectiva do demônio Zebu, o diabinho que faz parte da equipe da editora. Ilustrado por Victor Moura e Gus Micheski com texto de Frascisco Paschoal e Gabriel Billy (segundo a página 148). Contém passatempos!

    O Horóscopo da Dona Morte traz ilustrações de Victor Moura e Gus Micheski. Novamente, por suposição, o texto é de Frascisco Paschoal e Gabriel Billy (segundo a página 148). A partir daqui já fica mais fácil saber quem fez o que por história e a edição não fica tão zoada.

    Bartolomeu de Victor Moura, texto e desenhos, conta a história do personagem-título, um músico que trabalha como mecânico de carros e que teve sua vida marcada por ver demônios e ninguém acreditar nele. A história até parece estar concluída com um final, ainda que aberto, mas há um “continua” no lugar do fim e não há como saber que rumo ela tomará. O texto é bom, o desenho é estilo Hell Boy, mas um tabuleiro de xadrez tem 8 quadros por 8. Até gostei, MESMO, mas não posso julgar uma trama maior pelo primeiro capítulo. O primeiro capítulo é bom.

    Carga Infernal é sobre uma dupla de caminhoneiros, um vampiro que dirige a noite e um lobisomem que dirige de dia. Sim, esqueça o clichê da rivalidade entre vampiros e lobisomens, é um novo universo e a trama se passa nas estradas brasileiras. Com Francisco Paschoal no roteiro e Caio Gomes nos desenhos, ficamos sabendo um pouco sobre o presente de Wado, o vampiro caminhoneiro mulherengo e recém-transformado, e sobre o passado de Cícero, um lobisomem de nascimento, o sétimo filho homem depois de seis mulheres, que se tornou caminhoneiro. É muito interessante mesmo, mas comentar muito é dar spoilers, pena que continua. E neste caso não há nem a sensação de que o capítulo fecha uma trama ainda que aberta como acontece em Bartolomeu.

    Ignotos tem roteiro de Gabriel Billy e desenhos de Thiago Lima, trata-se de uma Liga Extraordinária com personagens da literatura brasileira. E sim, a literatura brasileira tem terror, horror e fantasia, mas os professores de literatura não valorizam isso e essa parte não cai no ENEM. Funesta, a rainha da Ilha do Nevoeiro, percebe haver uma segunda Lua no céu. Ela pede ajuda do Dr. Alpha que recebe seu pedido durante uma visita de Beta no farol espacial que Alpha toma conta. Mas aqui na Terra, ela não fica de braços cruzados e convoca Macário, Oscar, Simplício e Esphinge, pessoas com talentos especiais para resolver esse mistério. E a história continua na próxima edição. Apesar de não ter sequer a primeira história fechada, essa é a ideia mais original da revista Almakoosa.

    S.T.A.B. tem roteiros de Francisco Paschoal e desenhos de Rodrigo Avelino e Arthur Cordeiro. 2080, um futuro Rio de Janeiro cyberpunk assustadoramente parecido com nosso presente. Mesmo tendo duas partes publicadas neste almanaque, a história continua e isso é irritante. Parece até um gibi da Marvel ou da distinta concorrente.

    O Que Deu Nelas é um conto em prosa de Frascisco Paschoal com desenhos (ilustrações) de Rodrigo Avelino. Não é um quadrinho. Nesta história temos um início de apocalipse narrado em primeira pessoa que mistura elementos de Lovecraft, Alien e V, A Batalha Final. Há um final da história, ainda que em aberto, mas que pode ser entendido como sendo um final. A mistura de clichês óbvios me incomodou, afinal, não vi nenhuma originalidade, no sentido de novidade, mas é bem escrito e até divertido e as ilustrações são impagáveis.

    O que eu realmente não gostei dessa edição? Além da edição em si ser zoada em 3 histórias, temos um mix de histórias em que 4 histórias iniciadas continuam na próxima edição. Isso foi feito depois que os editores, tanto no editorial quanto na trama Beastdores, usam seus personagens para fazerem duras, verdadeiras e justas críticas às gigantes dos EUA, Marvel e DC.

    O que eles falam é verdade? Sim, inclusive o livro Marvel Comics, a História Secreta confirma tudo o que eles dizem. Tudo está documentado e já virou até livro sobre a História real dos quadrinhos. Todavia a DC e a Marvel, hoje, são o que os heróis da King Features Syndicate (Fantasma, Mandrake e Flash Gordon) foram nos anos 1980 e 1990, ou seja, nos dias de hoje, os super-heróis americanos das “duas grandes” (Superman, Batman, Mulher-Maravilha, Homem-Aranha, X-Men, Vingadores etc.) perdem terreno para os mangás em geral, não formam público novo e vendem mais em republicações voltadas para leitores envelhecidos; da mesma forma que a Marvel e a DC na editora Abril eclipsaram os personagens heroicos da Kink Features Syndicate (Fantasma, Mandrake e Flash Gordon) nas décadas de 1980 e 1990.

    Independentemente das críticas a Marvel e a DC, eles publicam uma revista com 4 histórias sem final, 4 tramas com um “continua”. Isso é um absurdo! Muitos leitores enjoam da Marvel e da DC exatamente por isso, nenhum leitor deve ser obrigado a comprar a próxima edição sem nem ao menos saber em que edição cada história terminará. Colocar histórias que continuam sem que o leitor saiba ao menos quantos números terá a história foi e é uma leviandade cometida tanto pela Marvel quanto pela DC por décadas. Bem, quando você enfrenta monstros, você se torna um. Se bem que alguns só querem ser califas no lugar dos califas.

    Quer valorizar o quadrinho nacional? Justo, mas além do terror fazer parte de nossa tradição de quadrinhos, histórias fechadas como as da revista de terror Calafrio também fazem. Quer fazer críticas duras a outras empresas, direito de todos, mas não cometa as piores práticas que essas empresas cometem.

    Como já disse: achei Bartolomeu boa; Carga Infernal é bem interessante. Ignotos tem potencial, mas a trama não termina. S.T.A.B. é uma história cyberpunk no Rio de Janeiro do futuro. O Que Deu Nelas é um conto legal, mas que eu peguei todas as referências e não consegui curtir por isso, eu vi os truques. As histórias de humor com créditos zoados fazem rir. Esta é uma revista até boa, mas eu só a recomendo a leitores e leitoras de quadrinhos veteranos e veteranas que não se importam em esperar uma (ou mais) próxima(s) edição(ões) para saberem os finais das histórias que continuam sem previsão de quando chega o final, ou seja, é uma edição recomendada para leitores colecionistas e completistas. O que é uma pena por serem ótimas ideias, mas, enjoei de DC e Marvel exatamente por não estar mais disposto a assinar contratos vitalícios. Enfim, se você gosta de ler histórias sem previsão de fim, no melhor estilo casa das ideias e distinta concorrente, vá em frente.

    Este garimpo tem periodicidade indefinida, mas, se você quer conhecer mais, na área de pesquisa deste blog, digite “garimpando” e clique no botão “pesquisar”. Assim, você verá tanto os outros garimpos de eventos como o “Garimpando em Gibiterias”. Faça a mesma coisa no site Literakaos.

    Boas leituras!

    Rodrigo Rosas Campos


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