A pedra garimpada de hoje é Space Dragon: Aventuras Interestelares Nas Fronteiras das Galáxias de Igor Moreno, editora Red Box, a primeira edição de 2012. A idade mínima recomendada para jogar é 10 anos.
O Brasil está sempre em crise! Se você está sem dinheiro agora e quer jogar RPG, além dos vários sistemas gratuitos que você pode encontrar pela Internet, livros usados também são uma alternativa. Isso me leva a primeira observação deste texto; ele é uma resenha da primeira edição do livro básico de Space Dragon de 2012. Sobre a edição mais atual, aguarde o final deste post, ou pule para o final deste post.
Igor Moreno fez uma variante do Sistema d20 (pela licença OGL 1.0a da WoT) calibrando-a para jogar aventuras espaciais e de ficção científica em geral. Suas inspirações maiores são: Isaac Asimov (Eu Robô); Frank Herbert (Duna); H. P. Lovecraft (Nas Montanhas da Loucura); H. G. Wells (A Guerra dos Mundos); entre tantos outros autores mencionados direta ou indiretamente ao longo do livro.
O livro não traz um cenário próprio formalizado, entretanto vale salientar que Space Dragon versa, majoritariamente, sobre o futuro imaginado pela ficção científica das décadas de 1940 até 1950, ou seja, tudo o que foi feito depois disso ficou de fora; é um retro futuro raiz. Para se ter uma ideia, dragões são colocados como criaturas passíveis de existência em vários planetas e os planetas do nosso sistema Solar são considerados habitados. Em muitos momentos preza mais pela ação do que pelos aspectos científicos da ficção científica mais dura (mais fiel a ciência de verdade). Estejam avisados.
A ambientação é primorosa mesmo sem um cenário próprio estruturado no livro básico. Além dos textos e das ilustrações, traz uma pequena história em quadrinhos com roteiro de Raphael Fernandes e arte de M. J. Macedo. Nem preciso dizer que os grupos, mestre e jogadores, podem selecionar as peças que mais lhes agradam na hora de montarem seu universo; jogadores e mestres mais experientes podem usar a regra de ouro para mudar tudo isso e ir além da década de 1950, afinal, trata-se de um RPG, mas a pegada do livro é um futuro imaginado antes mesmo de Jornada nas Estrelas/Star Trek estrear nas primeiras TVs coloridas norte-americanas.
“Mas Rodrigo, calma ai! O que você quer dizer com o livro não traz um cenário estruturado?” Todo RPG traz um conjunto de cidades (no caso, planetas), personagens (coadjuvantes e antagonistas), um nome para o mundo (ou para o universo) ou mesmo um nome que identifica uma história maior dentro do cenário, como é o caso da tormenta sobrenatural que nomeia o cenário de Tormenta (hoje, Tormenta 20). Já Space Dragon traz os elementos da literatura pulp de ficção científica de forma crua, sem montar esses elementos de forma prévia num cenário. Mas não se preocupe, se você e seu grupo forem inexperientes no RPG, Igor Moreno é bem didático em ensinar como encaixar as peças numa narrativa coletiva.
Space Dragon pertence a linha Old Dragon e ainda saiu pelo selo da antiga Red Box. Aqueles que já são familiarizados com D&D, Old Dragon ou mesmo com Tormenta (RPG ou 20) se encontrarão fácil nas regras mais específicas e, francamente, nem precisarão ler muito do que falarei nesta resenha. Mas se você é um(a) cadete novato(a) no RPG continue lendo este garimpo de gibi especial de RPG e embarque nessa aventura audaciosamente indo onde ninguém mais esteve (ou quase isso).
Sobre as variações do sistema d20 tradicional de fantasia medieval, vamos as diferenças que fazem diferença em Space Dragon: os atributos básicos, calibrados para a ficção científica, são: força, destreza, constituição, intelecto (inteligência mesmo), ciência (é a sabedoria restrita a ciência e a tecnologia) e comunicação (é como carisma mais a capacidade de falar idiomas, o idioma natal, o idioma espacial e, eventualmente, outros).
Space Dragon usa os mesmos dados poliédricos de todo o sistema d20 – de 4, 6, 8, 10, 12, 20 e 100 faces, no caso deste último, um de 10 faces de dezenas para somar ao de 10 faces de unidades e formar o dado de 100 - e a criação de personagens segue basicamente a mesma mecânica, rola 3d6 para conseguir os 6 números de atributos, distribui-se os números de atributos, escolha de raça e classe.
Quanto a raça, o sistema não dá muitas escolhas aos jogadores. Basicamente, o jogador pode ser: um(a) humano(a) normal; um(a) mutante, descendente de humanos normais que sofreu mutações tendo em vista a ida da humanidade para o espaço; e um(a) androide(ginoide), cujas as Inteligências Artificiais ficaram tão avançadas que se veem e são vistos como um tipo de seres humanos; apesar da influência de Asimov, estes androides não seguem as 3 leis da robótica.
Lembra que eu disse que o sistema não trazia um cenário formalizado? Bom, a ausência de um cenário formal não significa que não há ambientação, ela existe e é o ponto alto do livro. Além da história em quadrinhos que abre o livro e da introdução formal, há uma ambientação que permeia toda a explicação das regras do sistema. Cabe ao grupo aceitá-la ou mudá-la.
As classes disponíveis são: cientista; gatuno(a); homem (mulher) espacial; mentálico(a). Mas só essas 4 classes? Só. Sendo o homem/mulher espacial o típico arquétipo de heróis e heroínas espaciais dos pulps e quadrinhos como Buck Rogers, Flash Gordon etc. Queria incluir Barbarella neste contexto, mas ela é de 1962.
Os alinhamentos aqui são obrigatórios e foram chamados de afiliações, o que é um termo semanticamente errado. Pessoas são afiliadas a grupos, a sociedades etc., não a modos de comportamento. Isso é um erro de semântica e de gramática que faz parte desta variante do d20. Seu personagem não é afiliado de grupo nenhum, afiliação é o alinhamento e pode ser leal, rebelde e neutro. Isso interfere nas possibilidades futuras de evolução da classe primária do personagem.
Idiomas, o livro define que todo personagem sabe o idioma de seu planeta natal, o idioma espacial comum e mais o que ele conseguiu aprender com o atributo comunicação (carisma). Mas o livro não traz uma lista de idiomas, só pressupõe que cada alienígena não humano e que cada planeta habitado por humanos possuem idiomas diferentes.
Sem mais delongas, criei quatro personagens para mostrar. Mas um aviso antes! Desta vez resolvi trapacear na rolagem dos atributos. Essa é a maior falha do sistema d20 e de todas as suas variações (nacionais, traduzidas ou importadas). É algo injusto na maioria dos cenários propostos, além de ser limitante para com os objetivos dos jogadores nas criações de seus personagens. Então o que eu fiz? Decidi que rolagens abaixo de 10 seriam 10 (ou re-roladas até um mínimo de 10), assim nenhum personagem jogador negativa os modificadores; decidi que os pontos de vida serão os máximos de acordo com o dado diferenciado para a classe; os pontos de atributos mínimos para cada classe de nível 1 foram dados aos jogadores e não rolados; esses personagens modelos são de nível 1, mas tem uma história prévia juntos, ou seja, não pagaram os equipamentos do próprio bolso, assim eles puderam manter a totalidade de seus créditos espaciais (o dinheiro do jogo). De fato, essa variante do sistema d20 penaliza o grupo em que jogadores gostam de começar no primeiro nível.
Mesmo seguindo as regras do livro a risca, o preenchimento da ficha é um martírio, não há a menor preocupação em dar o passo a passo do preenchimento da ficha para que o leitor possa criar o personagem numa leitura diagonal do livro de forma rápida. No final, mestres muito rígidos condenarão o grupo de jogadores a começarem com personagens toscos e engessados pelo conjunto raça, classe e afiliação (alinhamento).
Para jogadores, este livro só é interessante se o mestre fizer as fichas iniciais do grupo e assumir as mudanças que dependeriam dos dados ou se o mestre permitir que os jogadores comecem a aventura ou campanha com personagens de nível 5. Ainda assim, isso exigiria que todos no grupo lessem o livro inteiro para, por exemplo, o jogador não criar seu pirata espacial de forma capenga. O segredo da equipe de Tormenta é pensar em quem nunca jogou RPG antes. Apesar dos livros de Tormenta não trazerem fichas preenchidas como modelos, qualquer recém-alfabetizado preenche as fichas dos livros de Tormenta sem dor e eles também usam uma variação do sistema d20 desde a licença aberta com o primeiro Tormenta RPG. Resultado: eles renovam público para o RPG em geral, não só para Tormenta. Fica a dica!
Como o preenchimento das fichas foi um porre, não vou explicar o passo a passo, vou simplesmente colocá-las aqui embaixo antes de continuar a resenha.
Como vocês podem ver, as fichas acima têm respectivamente, minha futura inventora, meu futuro pirata espacial, meu futuro emissário do espaço e minha futura telepata mor. Não dá para construir exatamente o que você quer só no primeiro nível de personagem em Space Dragon. Devo ter errado ou esquecido alguma coisa? Talvez. O texto é bom, mas não detalha a criação do personagem como deveria. Seria mais fácil fazer o personagem pensando nele do nível 5 para trás e isso é uma incoerência inerente ao texto.
O homem (/mulher) espacial possuiu um problema a mais, começa com 3 atributos extras, mas não há espaço na ficha para anotá-los; são eles pilotar naves 80%, bônus de 20% em dominar e subjugar e dano crítico x2. Foi pensado para ser o tanque do grupo e tendo em vista a ficção pulp antiga, o destemido líder. É, o futuro do passado era tão machista quanto o passado. A última ficha que fiz foi a da minha mentalica mutante. Quanto aos mutantes, também não há espaço na ficha dedicado as suas características peculiares.
As falhas do livro básico são as de sempre. O autor não se preocupa em nada com quem nunca jogou RPG na vida e o preenchimento da ficha só não é um martírio maior pelo fato dos elementos estarem mais ou menos em ordem lógica no livro. Fora que o site (atual) do sistema tem materiais gratuitos com fichas prontas que ajudam os iniciantes. A propósito, leia o próximo paragrafo que a notícia é boa.
Está sem dinheiro mesmo? Hoje, Space Dragon e toda a linha Old Dragon é publicada pela Biró sob o selo RBX. Assim, quando a situação melhorar e você puder comprar um novo, tem uma versão com caixa e materiais extras. Mas também tem muito material de graça – DE GRAÇA - para jogar e até criar cenários. Duvida? Olhe (https://www.burobrasil.com/produtos/space-dragon/#1543420035790-11372208-79e1deea-49c02f7c-e8e67dcd-b5b8). Tem material inclusive dessa primeira edição de 2012. só não achei personagens prontos de primeiro nível para me servirem como modelos nem da edição atual, nem na de 2012.
A ficha do Space Dragon de 2012 que você baixa da Internet tem o mesmo formato do livro, A5, mesmo que você imprima numa folha maior, tamanho A4. Isso não foi legal. Dica, vá a uma xerox (dependendo do seu PC e do programa de edição que você tiver nele, ampliar pode não ficar bom) e peça para o cara da xerox ampliar até ficar no tamanho A4, é mais garantido. Depois é só digitalizar a folha A4 com a ficha ampliada em branco e ir imprimindo (e/ou xerocando) na medida da necessidade.
Apesar de eu ter enfatizado as falhas do sistema nesta resenha, passei muita raiva preenchendo as fichas, achei o Space Dragon de 2012 bem divertido no geral. De fato, dá vontade de criar meu próprio universo de ação espacial com ele. O que me leva ao próximo tópico. Finalizarei esta resenha com algumas perguntas que sei que vocês estão fazendo, eu as fiz durante a leitura. As perguntas que não querem calar são:
Posso criar personagens exatamente como eu quero enquanto jogador de RPG? Só se o mestre permitir que os personagens jogadores comecem no nível 5. As classes começam tão padronizadas que a maior parte dos tripulantes de uma nave é considerada NPC para um grupo de jogadores de nível 1. Fora isso, o jogador deve escolher o alinhamento/afiliação de acordo com o que ele quer para o futuro do personagem. Algumas evoluções e especializações são exclusivas de certos alinhamentos/afiliações combinadas com as classes. Pirata espacial, por exemplo, é o objetivo possível do(a) gatuno(a) rebelde de primeiro nível. Esse(a) gatuno(a) pode ser tanto humano(a), mutante ou androide/ginoide.
Posso criar um cenário próprio? Sim. Inclusive, se você quiser a Terra no jogo de forma que os humanos ainda estão aprendendo a viajar além da Lua, os mutantes podem ser reinterpretados como alienígenas com DNA compatível com o DNA humano; isso mantendo a parte mecânica do sistema sem alterações. Embora eu ache que algumas coisas não funcionam como deveriam, bendita regra de ouro.
Posso jogar em cenários como o de um Buck Rogers, um Flash Gordon ou similares? Sim! É esse é o clima! Foi exatamente para isso que o livro foi escrito.
Posso jogar contos espaciais com base nos monstros de Lovecraft no espaço? Sim, alguns monstros de Lovecraft são NPCs prontos inclusive.
Posso adaptar (ou fazer) um cenário de zoeira como o Guia do Mochileiro das Galáxias? Sim, mas vale a reinterpretação dos mutantes como alienígenas compatíveis com o DNA humano. Neste caso, vale intercalar aleatoriedade e não aleatoriedade, de acordo com o que for mais engraçado ou, até mesmo, mais coerente.
Posso adaptar Star Wars? Sim. Star Wars/Guerra nas Estrelas sempre foi uma série de filmes de ação com pano de fundo futurista e tecnológico muito mais do que uma ficção científica propriamente dita. Novamente, os mutantes serão não humanos compatíveis com DNA humano - lembrando que a Terra e os humanos terráqueos não existem há muito, muito tempo atrás, numa galáxia muito, muito distante.
Posso adaptar Star Trek/Jornada nas Estrelas? Até dá, mas muita coisa terá que ser feita e refeita. Exemplo, os mutantes terão que ser interpretados como alienígenas compatíveis com o DNA humano e a parte da aleatoriedade na criação destes personagens terá que ser descartada para que mestres e jogadores possam criar vulcanos, klingons etc. Com efeito, eu descartaria essa aleatoriedade até um universo próprio. Por quê? Digamos que não é só a recuperação lenta que pode anular ou prejudicar a recuperação acelerada. Ter recuperação acelerada, mas ser mais vulnerável também neutraliza o potencial positivo da recuperação acelerada por exemplo. Não é só a degeneração extremamente oposta a um aprimoramento qualquer que pode prejudicar (ou até mesmo anular) o efeito benéfico deste, principalmente se os dados não forem piedosos com o(a) jogador(a) do personagem.
Posso fazer um cenário cyberpunk? Não. Procure sistemas genéricos, mais específicos ou que não tenham uma pegada tão retrô. Cenários cyberpunks se parecem mais com o presente piorado no futuro do que com um simples futuro usado.
Posso colocar uma ficção científica mais dura em Space Dragon? Se você e seu grupo forem experientes em RPG, tudo é possível, só não é a proposta do livro. Há outros sistemas que podem ser mais úteis logo de cara, como o Nebula, Piratas de Marduk, ou mesmo GURPS Space, e até mesmo o 3D&T, mas a regra de ouro está aí e cada grupo pode montar seus próprios hacks.
Com a regra de mutantes, dá para adaptar X-Men? Não, apesar de primar pela ação e aventura mais do que pela ficção científica dura, para fazer X-Men (e super-heróis em geral) é melhor usar Mutantes & Malfeitores ou 3D&T (principalmente junto com Mega City para 3D&T). Entretanto se o grupo de jogadores de Space Dragon for todo de mutantes, o mestre pode transferir histórias similares num contexto de guerra nas estrelas. Algo como X-Men 3000.
Observação: para os que forem maiores de 18 anos e lembrarem do GURPS Supers, as regras dos mutantes podem ser usadas para Cartas Selvagens/Wild Cards. Os cartas selvagens, coringas ou Ases, usarão as regras mecânicas de criação aleatória dos mutantes e o mestre construirá os NPCs adaptando (ou criando) livremente os personagens dos livros. Jogador, crie seu próprio personagem e, no mundo de Cartas Selvagens, de preferência de forma totalmente aleatória. Neste caso, a crueldade da regra de mutantes se encaixa perfeitamente ao contexto do vírus carta selvagem. Ainda assim, GURPS Supers, Mutantes & Malfeitores e até mesmo o 3D&T (junto com Mega City para 3D&T) são mais indicados para Cartas Selvagens. Dica: tanto Space Dragon quanto M&Ms são variações do sistema d20, logo não é difícil importar a regra de criação dos mutantes do primeiro, adaptado-a para o segundo. Lembrando que o cenário oficial de Wild Cards para M&Ms foi para a segunda edição e a Jambô o ignorou e já publicou a terceira edição de M&Ms.
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Vida longa e próspera, que a força esteja com você, não entre em pânico e boas leituras!
Rodrigo Rosas Campos
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