segunda-feira, 22 de agosto de 2022

[Resenha] Os Estranhos Hóspedes do Hotel Nicanor de Ota e Flávio Colin

+18

    Esta era para ser mais uma edição especial em homenagem ao desenhista de histórias em quadrinhos Flávio Colin, que fez os desenhos dessas histórias, falecido em 2002, mas, infelizmente, acabou sendo uma homenagem dupla. Juka Galvão e J. Batalha, os nomes que aparecem nos créditos de textos das publicações originais do Hotel Nicanor eram pseudônimos de Otacílio d´Assunção Barros, o Ota, lendário editor, escritor e desenhista da Mad In Brazil, que morreu recentemente em 2021.

    Ota ainda estava vivo quando esta edição especial começou a ser gestada, mas não a viu publicada. Certa vez, ele declarou que só terminaria novas tramas do desafortunado Nicanor, se fosse se encontrar com Colin. A Essa altura, os dois já devem estar trabalhando nisso. Mas vamos a resenha da edição e por partes, como os hóspedes de Nicanor fariam. Antes de falar da história em si, falarei do que está no livro na ordem em que aparece:

    A série Os Estranhos Hóspedes do Hotel Nicanor foi publicada originalmente nas revistas Spektro #20, Spektro #21, Spektro #22, Spektro #24 e Almanaque do Terror #04, de fevereiro de 1981 até setembro de 1982. Essa foi a primeira fase. Há ainda um roteiro inédito do Ota que nunca foi desenhado por Colin.

    Passados os anos, pulamos para 1994, quando Ota funda sua própria editora, a Ota Comix, e é lançada a revista Hotel do Terror, retomando a série. Entretanto, nessa nova publicação, como os tempos haviam mudado, Ota e Colin decidiram recomeçar a história em uma minissérie em 3 partes, com textos e desenhos refeitos. Infelizmente, as crises econômicas da época levaram a editora Ota Comix a falência e só o número 1 de 3 foi lançado. A história do 2 chegou a ser desenhada e consta deste encadernado como último trabalho do Colin. O terceiro número do reboot do Hotel Nicanor nunca foi desenhado.

    A Ilha dos Monstros, o RPG: sim, Ota começou a escrever um RPG expandindo o universo do Hotel Nicanor. Na verdade, é uma ambientação com 8 páginas, ainda sem regras mecânicas, mas com uma boa descrição do cenário e dos personagens. Mostra inclusive alguns vestígios de planos para roteiros futuros, que não foram levados a cabo depois da morte de Colin. Se você é mestre de RPG, aí está sua chance de criar e testar um sistema caseiro ou fazer um hack para o sistema genérico de sua preferência: GURPS, 3D&T, BRP, Fate, C4 etc, para abarcar o mundo do desafortunado Nicanor.

    Os extras que se seguem são páginas ainda a lápis de Colin bem como ilustrações diversas que chegaram a ser publicadas, mas com uma história de promoção da Ota Comix que ficou inacabada. Depoimentos de artistas que conheceram Ota e Colin estão no início do volume até para fazer uma apresentação mais caprichada, com destaque para o prefácio de Júlio Shimamoto.

    “Mas e a história, Rodrigo?” - Bom, a história é um terrir da melhor qualidade, onde o riso culpado é a regra. Originalmente publicada na década de 1980 e reiniciada na década de 1990, o politicamente correto não vigorava, fique avisado!

    A história começa quando dois criminosos, assaltantes de joias na versão de 1981 e sequestradores na de 1994, veem seu carro atolado em meio a uma tempestade. Mas há uma placa, indicando o hotel do Nicanor e é para lá que eles vão. Nicanor é um senhor simpático, mas fica desesperado quando os hóspedes inesperados chegam, afinal, o hotel está lotado por uma convenção que ainda está para chegar.

    Sem saber inicialmente que está lidando com criminosos em fuga, Nicanor tenta fazê-los ir embora da forma mais educada possível, mas eles insistem em ficar, a força se preciso, só para descobrirem, tarde demais, que a convenção é de estranhos monstros casados com estranhas bruxas e que esses estranhos hóspedes se alimentam de carne humana.

    Ir além daqui é dar spoilers. Como já foi dito, o tom é satírico, politicamente incorreto, mas sempre crítico e ácido, tanto em relação a sociedade brasileira da década de 1980, quanto a sociedade brasileira da década de 1990.

    A versão de 1994 e a ambientação de RPG acabam explicando melhor a natureza daqueles monstros e bruxas, mas a da década de 1980 é a que conseguiu mostrar mais personagens e histórias e se vê que ela iria muito além do que foi, até além do texto não desenhado, se a editora Vecchi não tivesse acabado.

    Com efeito, a ambientação de RPG escrita pelo Ota dá dicas de como seriam as próximas histórias em quadrinhos, mas, infelizmente, a editora Ota Comix também não se manteve e Colin viria a falecer em 2002. Ota não quis continuar o Hotel Nicanor sem Colin.

    Ota e Colin poderiam ter continuado de onde a história original parou, mas optaram por recomeçar tudo do zero porque os tempos eram outros e o traço de Colin já estava muito mais refinado. Fora que em 1981 e 1982, o Brasil ainda vivia a ditadura militar, ao passo que em 1994 já estávamos na democracia, rumando para o plano Real. Retomar a história antiga talvez não conversasse com a nova geração da época. Infelizmente, ainda convivíamos com a hiperinflação, herança da ditadura militar e a Ota Comix não resistiu a aquela economia caótica.

    O livro tem 216 páginas em preto e branco, formato 21 x 29,7 cm, lombada quadrada, capa cartão com orelhas, R$ 84,90 (mais eventual frete), editora MMarte Produções. Pode ser comprado na loja da editora que costuma disponibilizar para outras lojas, reais e virtuais. Se demorar um pouco, é porquê os compradores da pré-venda ainda estão recebendo.

    Concluindo: fica o legado de Colin e Ota que, apesar de todas as adversidades, pensaram na renovação de publico até seus respectivos derradeiros dias. Enfim, esta foi uma resenha triste para uma história em quadrinhos cômica, alegre e que nos faz pensar através do riso, ainda que culpado.

Boas leituras,

Rodrigo Rosas Campos

Nenhum comentário:

Postar um comentário

[Matéria] A Influência de Astro City Em Duas Histórias em Quadrinhos Brasileiras

   Rodrigo Rosas Campos     Para falar de Astro City e de sua influência nas duas histórias brasileiras mostradas a seguir, temos que voltar...