sábado, 1 de junho de 2024

Garimpando Em Gibiterias Especial: O Pátio, Neonomicon e Providence, Os Mitos de Cthulhu na Visão de Alan Moore

+18 MESMO! Alerta de GATILHOS!


    O mercado de quadrinhos no Brasil é muito fraco, sejamos honestos. Lá fora, grandes obras permanecem em catálogo permanente tal como livros clássicos. Os editores de quadrinhos nacionais são bem imediatistas e até mesmo obras como Fradim, Watchmen, Piratas do Tietê e Maus ficam difíceis de encontrar de tempos em tempos. A série “Garimpando em Gibiterias” fala de quadrinhos que valem a pena “garimpar” em gibiterias, sebos, estoques antigos de livrarias virtuais, feiras de livros e, se a grana estiver muito curta, em bibliotecas públicas. Sim, existem quadrinhos em bibliotecas públicas, é só procurar.

    As pedras garimpadas de hoje são Neonomicon, que reúne O Pátio e Neonomicon, e as 3 partes de Providence. Essas edições publicadas no Brasil pela Panini e originalmente pela Avatar Press nos EUA reúnem a releitura de Alan Moore dos mitos de Cthulhu, de H. P. Lovecraft. São excelentes portas de entrada para o horror cósmico de Cthulhu, NÃO requerem nenhuma leitura prévia.

    Com efeito, O Pátio, Neonomicon e Providence são histórias que se bastam. Se a Panini quisesse, poderia ter publicado O Pátio separado de Neonomicon ou mesmo ter cortado O Pátio. Você pode ler só uma delas ou duas delas ou as três, mas lendo as três na sequência, há uma história maior ali. Todas essas histórias têm textos de Alan Moore e arte de Jacen Burrows.

    Em O Pátio, temos um culto baseado na obra de H. P. Lovecraft que é investigado por vender uma nova droga, conhecida como Aklo. O agente responsável pela investigação enlouquece em contato com essa nova droga e é enviado a um manicômio judiciário. A graça dessa história está no como isso acontece, portanto, isso não é spoiler.

    Começando depois de O Pátio, Neonomicon é sobre uma dupla de detetives que é enviada a um manicômio judiciário para falar com um ex-agente enlouquecido (aquele mesmo) que investigava essa organização. A dupla é formada por um policial homem e uma policial mulher, e, depois dessa entrevista com o ex-agente maluco, eles são enviados para investigar um culto a Dagon.

    Lembra que falei que isso é uma releitura da obra de Lovecraft? Lovecraft, em vida, deixou bem claro que escrevia ficção, mas sua obra inspirou o livro Eram os Deuses Astronautas e milhares de maluquices e teorias conspiratórias pelo mundo real.

    As autoridades, representadas pelo FBI, estão céticas quanto aos elementos sobrenaturais e muito preocupadas de que a nova droga possa criar um culto de malucos homicidas. Lembra que os detetives foram investigar um culto a Dagon? Pois é; disfarçados de casal, os detetives do FBI investigam uma sexshop, ganham a confiança dos donos e acham os cultistas. Mas são descobertos, ele é morto e ela é violentada até que um monstro marinho de verdade aparece na orgia e, com ele, a terrível verdade oculta se mostra para a detetive que vê seu pesadelo apenas começar.

    Lovecraft e os escritores que usaram elementos de suas obras escreviam ficção, mas muitos fãs entraram na pilha errada de acreditar. Isso gerou um monte de teorias conspiratórias que influenciam a ficção e as teorias da conspiração até hoje. Alguns dizem que Lovecraft intuiu uma verdade na qual não acreditava. Pois bem, nas histórias de Moore, Lovecraft aparece como sendo este escritor que muda os nomes de lugares por intuir e escrever sobre uma verdade na qual não acredita.

    A trama específica de Providence volta no tempo e começa em 1919, a lei seca e o voto feminino entram na pauta da política estadunidense. Robert Black é um jovem repórter, judeu e homossexual, numa época em que “sair do armário” não era uma opção. Ele sai da casa dos pais e vai para Nova York para ter alguma privacidade. Em Nova York, ele está trabalhando para o jornal New York Herald e vivendo sua vida oculta com a comunidade gay local.

    Ao investigar uma matéria tapa buraco sobre a aparição de um suposto demônio, Robert entrevista o senhor Alvarez, um médico que vive em um quarto de pensão refrigerado artificialmente por ter uma estranha doença que o obriga a viver em uma temperatura baixa, beirando o congelamento. Nesta entrevista, Robert tem uma pista de uma Nova Inglaterra oculta e decide investigar a fim de escrever seu tão planejado e adiado grande romance americano. Robert pede licença do jornal, pega suas economias e parte para a jornada depois de terminada a matéria tapa buraco.

    Mal sabe ele que sua jornada o levará a um sinistro caminho sem volta. Ele procura um livro que, unido a outros, é a chave para levar o mundo e a realidade como a conhecemos ao caos. Em sua jornada, Robert faz anotações em um caderno de luxo enquanto coleta publicações e gravuras. Desta forma, textos em prosa complementam os quadrinhos, um traço bem característico de Alan Moore.

    Mas o ponto central da viagem de Robert é uma fazenda na qual um estranho meteoro caiu e as consequências do que aconteceu após essa queda. Relatos estranhos, mortes inexplicáveis e consequências bizarras, além de uma sociedade secreta fundada em torno deste acontecimento. Robert Black passa pela fazenda onde o meteoro caiu e por várias cidades da Nova Inglaterra até chegar em Providence e travar um contato maior com o próprio H. P. Lovecraft.

    Se Moore está trabalhando em um universo próprio ou num de outro autor, ele é brilhante do mesmo jeito. Com efeito, em Providence, houve uma melhora significativa em relação a O Pátio. Uma das grandes novidades é que as alfinetadas e as mudanças de Moore na obra de Lovecraft agora estão muito, mas muito mais contundentes. Digamos que em O Pátio e Neonomicon, Moore deu alfinetadas em Lovecraft, em Providence, Moore parte para as facadas.

    Quem conhece a vida de Lovecraft, sabe que ele era um poço sem fundo de preconceitos: era sobretudo racista e xenófobo. Sua obra de terror refletiu muito de sua ojeriza por sexo e seus preconceitos raciais, sociais, além de homofobia. Moore cria Robert Black como um jovem gay, num tempo em que os gays não tinham a opção de sair do armário e se protegiam em guetos, judeu, repórter e aspirante a romancista. Ou seja, o protagonista de Moore é tudo que um protagonista de Lovecraft não seria, ao mesmo tempo, Moore o descreve como um típico herói Lovecraftiano, dando-lhe voz em primeira pessoa inclusive.

    Alan Moore usa as cidades reais que inspiraram Lovecraft na criação de suas cidades fictícias. Com efeito, a cidade que dá título a série, Providence, é a cidade natal de H. P. Lovecraft. No quadrinho há a parte de quadrinhos propriamente dita e o diário e as publicações e gravuras coletadas por Robert Black em sua jornada. Isso mistura a narração em terceira pessoa, na parte de quadrinhos, e a narração em primeira pessoa, do texto.

    Nos textos em primeira pessoa, Robert segue a trajetória de um personagem Lovecraftiano típico: no início ele nega os elementos sobrenaturais e desacredita das falas de muitos personagens por puro preconceito; mostrando que quem sofre preconceitos não está imune a ter os seus próprios. Com o passar do tempo, o sobrenatural vai se impondo e ele começa a questionar a própria sanidade, ainda desacreditando dos fenômenos, mas começando a dar o braço a torcer. Fora alguns panfletos que ele coleta e não lê. Estes panfletos e os quadrinhos propriamente ditos fazem o leitor ter mais conhecimento da história que o próprio protagonista. Isso é o ponto alto da história.

    H. P. Lovecraft é a prova de que falhas de caráter não afetam a capacidade criativa. Ele influência, direta ou indiretamente, muito do terror e/ou ficção científica até hoje. Você deve gostar de alguma ideia dele sem saber que é dele. Aliais, você, que vê filmes de terror e ficção científica, já gosta das ideias de Lovecraft. Fora que, O Pátio, Neonomicon e Providence mostram a visão de Alan Moore da obra de Lovecraft. Você pode até não gostar, mas que Alan Moore tem uma visão própria, embasada e contundente, isso é inegável.

    Este garimpo tem periodicidade indefinida, mas, se você quer conhecer mais, na área de pesquisa deste blog, digite “Garimpando em Gibiterias” e clique no botão “Pesquisar”. Ou digite apenas “garimpando” e encontrará títulos a mais em garimpos de eventos.

    Boas leituras e bons sonhos, ha ha ha ha ha!

    Rodrigo Rosas Campos


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