O mercado de quadrinhos no Brasil é muito fraco, sejamos honestos. Por esse motivo, os eventos de quadrinhos no Brasil, por menores que sejam, precisam ser estimulados e divulgados. São momentos em que leitores e criadores de quadrinhos (escritores e desenhistas) podem interagir sem intermediários. A série “Garimpando No Evento...” fala de quadrinhos que foram comprados diretamente com os criativos nos eventos. Uma vez me perguntaram como ficar sabendo desses eventos, simples: acompanhem e sigam seus autores e suas editoras preferidos nas redes sociais.
Mas este foi um evento de RPG gratuito que também teve quadrinhos, e também garimpei RPGs por lá. A pedra garimpada de hoje é Kashu! de Gustavo “Kakapo” Carvalho e foi garimpada no evento 9º Encontro Iniciativa RPG, evento que ocorreu de graça no Clube Municipal da Tijuca, Rio de Janeiro, e o RPG de hoje saiu ao preço de R$0,00; sim, Kashu foi um RPG distribuído de GRAÇA num pequeno evento de entrada FRANCA, GRATUITA, NA FAIXA! Vale muito a pena prestigiar os pequenos eventos de sua cidade!
Num mundo onde os monstros gigantes, conhecidos como kaijus, fazem parte do cotidiano, grupos de seres humanos precisam fazer forças tarefas para lidar com eles ou enfrentá-los. São pessoas que atuam de forma tão natural como bombeiros, paramédicos ou policiais, só que o trabalho deles é lidar com os kaijus. A inspiração maior aqui é Godzilla, o mestre controla o monstro gigante e os jogadores são membros de uma força tarefa de combate contra os monstros gigantes.
Apesar das armas de fótons terem sido desenvolvidas para enfrentar os monstros gigantes, os jogadores não são super-heróis de super sentai ou metal hero, são pessoas comuns com treinamento mesmo, por isso o time deve ser entrosado e nada de “eu ataco!” sem pensar nas consequências. Com efeito, até investigações são necessárias em torno dessas criaturas, de onde vieram, por que atacam a cidade, o que comem? O livrinho é completo em apenas 16 páginas e as opções de criações de monstros são bem interessantes.
Apesar de não ser uma variante do sistema d20, o sistema de jogo usa dados de 3, 6 e 20 faces, d3, d6 e d20. O d20 é para testes de qualquer ação com resultado incerto. Todos os tipos de dados usados aqui servem tanto aos personagens jogadores humanos quanto aos monstros gigantes em algum momento.
O d6 serve para recuperar pontos de vida depois de passar num teste de salvamento, rolar os personagens jogadores aleatoriamente nas tabelas de criação do personagem, rolar alguns testes dos monstros e definir aleatoriamente a peculiaridade, personalidade e origem do monstro na criação deste.
O d3 é jogado para sortear os pontos de salvamento na criação do personagem jogador, rolar algumas características aleatórias do monstro em seus testes, definir os pontos de atributos do monstro em sua criação e definir os pontos de salvamento do monstro na criação deste. Como não existe um dado de 3 faces bom, geralmente são dados de 4 faces com um número apagado, sugiro jogar 1d6 e considerar que o 6 (oposto do 1) vale 1, o 5 (oposto do 2) vale 2 e o 4 (oposto do 3) vale 3. Dados perfeitos de 6 lados são aqueles em que a soma dos opostos é sempre igual a 7, certifique-se de que seu dado de 6 lados segue este padrão.

Nem preciso dizer que o mestre pode dispensar a criação aleatória e criar seu monstro como bem entender, mas há a possibilidade do grupo ficar muito homogêneo e, na hora do combate, faltar alguém que cure os aliados, por exemplo. Isso pode tornar o jogo bem mais difícil e desafiador para os jogadores. É claro que o mestre pode definir que os jogadores possam escolher livremente seus papéis, a regra de ouro é a regra de ouro, mas esse sistema incentiva muito a aleatoriedade.
Nem preciso dizer que além da óbvia Tóquio fictícia, os grupos podem usar uma versão fictícia de suas respectivas cidades e criar um universo todo próprio com puro improviso a partir de rolar de dados. Sem mais delongas, vamos a criação de monstros e de uma combatente aleatória, começando pela combatente: rolei minha combatente aleatoriamente, ela tem o nome de Kira. Especialização deu 2, medicina, anoto em especialização. Na habilidade da especialização, anoto primeiros socorros. Apesar de ter um campo para a idade da personagem, isso não faz a menor diferença em termos mecânicos, então preencha como quiser.
Depois rolamos o d6 para saber qual arma de prótons ela terá, deu 5, pistola de fótons, anoto em equipamento e em habilidade de fótons, anoto “pistola – 1d6+1 -ranged 3”. Agora rolamos a arma secundária, deu 6, manoplas, anoto no equipamento “manoplas 1d3+1 melee 1”. Na parte de itens, realmente rolei o 1 o que é injeção de adrenalina, anotei no equipamento, mas a parte mecânica da regra, coloquei em anotações.
Aqui, defendo que o mestre permita aos jogadores criarem seus personagens sem o uso de dados, dei sorte de minha médica ter sido ainda mais beneficiada em sua função, se saísse um 3, ela teria uma armadura pesada, estaria mais protegida, mas teria mais dificuldade para curar um aliado ferido, sendo que eu rolei medicina como especialização. jogadores(as) respeitem os papéis de combate de seus(suas) personagens.
Salvamento, aqui, refere-se a resistência do personagem, uma espécie de resistência natural. Os pontos de vida são definidos pelo resultado de 1d6 +10 pontos. Os pontos de salvamento são definidos pelo resultado de 1d3 +8 pontos. Isso é a prova que não trapaceei, joguei mesmo dados, ela ficou com 12 pontos de vida, que não é o máximo, e 11 pontos de salvamento.
Os atributos já não são definidos por dados, todos os personagens começam com 1 ponto em cada atributo e 2 que podem ser distribuídos aonde o(a) jogador(a) quiser. Os atributos são força, precisão, mobilidade e defesa. O jogador é livre para distribuir os dois pontos extras iniciais como quiser: 3, 1, 1 e 1; 1, 2, 2, 1 etc. Optei por força 1, precisão 1, mobilidade 2 e defesa 2. Afinal, ela tem que chegar rápido nos feridos e, se ela for muito indefesa, de nada adianta uma médica de campo morta. No fim, nossa médica ficou assim:

As fichas dos monstros e os mapas de movimentação maiores podem ser baixados pelo QR code na página 15 do livro. Mas não é difícil improvisar uma ficha de kaiju como farei agora. Quero fazer três monstros, um básico não aleatório, um básico totalmente aleatório e um tipo 7, personalizado. Para dois destes monstros, não vou improvisar jogando dados. Inicialmente, criarei um lagartão gigante bípede básico que sai do mar arrebentando tudo. Meu Gigantossáurus Génericus é do tipo 3, lagarto.
O tipo lagarto tem as seguintes partes: mandíbula (usa um 1d6+3), tem alcance melee 1 e o efeito é nenhum; garras (usa 1d6+2), alcance melee 1 e o efeito de uma chance de 1 em 6 de agarrar personagens por turno; e a cauda (usa 1d3+1), alcance ranged 2 e efeito de empurrão 2. O ponto fraco não é definido por sorteio mesmo que o mestre queira sortear o monstro entre os 6 básicos. Dentre as partes listadas, preciso escolher uma como ponto fraco, escolho a mandíbula.
Agora é a hora de escolher (ou sortear) a peculiaridade do monstro. São habilidades que podem ser usadas uma vez por rodada. Escolho a 4, sopro de energia. Não falei que este meu monstro era genérico. Chegou a hora de escolher a personalidade do monstro e é aí que o sistema brilha e surpreende. Se o mestre quiser um monstro totalmente sorteado por d6, as possibilidades de personalidades são: agressivo, indiferente, assutado, curioso, pacífico e estressado. Estará meu primeiro monstro criado aqui apenas com dor de dente?
Isso deixa o grupo em possíveis dilemas. Seria justo matar um monstro que só está assustado ou estressado? Por que alguém mataria um monstro de natureza pacífica só por ele ser gigante? Um monstro curioso seria uma ameaça só por sua curiosidade e tamanho? O que essas opções deixam bem claro é que, se o mestre quiser, matar o monstro não será a solução do problema, poderá ser até uma injustiça. Mas, agora, estou criando um monstro genérico sem rolar dados, meu monstro terá personalidade agressiva.
Agora vamos a origem do monstro. Escolho força da natureza. O monstro também tem pontos de vida e de salvamento e os atributos força, precisão e defesa. O livro pede para rolar dados para definir todos esses pontos, mas este meu lagartão genérico é um fim de campanha e deixarei tudo no máximo. Em todo caso pontos de vida é igual a 1d6+10; salvamento, 1d3+10; e para cada atributo, role 1d3. Depois disso tudo, a ficha do meu Gigantossáurus Genéricus ficará assim:
Ficha de Kaiju de Kashu! RPG
Nome: Gigantossáurus Genéricus
Tipo: Lagarto
Pontos de vida: 16
Pontos de salvamento: 13
Atributos:
Força: 3
Precisão: 3
Defesa: 3
Partes/Dado/Alcance/Efeitos
1. Mandíbula/1d6+3/melee 1/nenhum
2. Garras/1d6+3/melee 1/chance 1 em 6 de agarrar personagem por 1 turno
3. Cauda/1d3+1/ranged 2/empurrão
4. Ausente.
Ponto fraco: mandíbula.
Peculiaridade: sopro de energia.
Personalidade: agressivo.
Origem: força da natureza.
É claro que o mestre pode criar nomes próprios para cada monstro em vez de uma nomenclatura pseudocientífica em um pseudo latim de zoeira e galhofa reais. As ações possíveis do monstro, divididas entre os tipos ação, completa, ação rápida e retirada, que não estão na ficha são comuns a todos os monstros e parte das regras básicas na página 14 do manual; que tive que numerar a lápis sem contar capa e segunda capa como páginas.
Eu sei que esse manual foi brinde, mas a ausência de numeração de páginas virou uma epidemia em várias publicações pagas inclusive. Outra queixa é que estamos em um país que fala português e os termos em inglês que tratam do alcance não estão traduzidos ou explicados no livro, isso pode afastar público em possíveis edições pagas futuras. Mas voltemos ao assunto principal. Com isso, a ficha de kaiju de Kashu! RPG em branco ficará assim:
Ficha de Kaiju de Kashu! RPG
Nome:
Tipo:
Pontos de vida:
Pontos de salvamento:
Atributos:
Força:
Precisão:
Defesa:
Partes/Dado/Alcance/Efeitos
1.
2.
3.
4.
Ponto fraco:
Peculiaridade:
Personalidade:
Origem:
Usando o modelo de ficha acima, vou criar um segundo monstro, de tipo básico, mas totalmente aleatório. Vou chamá-lo de Monstrengus Aleatórius Semanallis, ou monstrengo aleatório da semana. Eu sei, fora o tipo de monstro, que não foi meu preferido, e as pontuações que não ficaram no máximo, muitos de vocês não acreditarão que realmente rolei dados, mas, acreditem ou não: ele saiu assim.
Ficha de Kaiju de Kashu! RPG
Nome: Monstrengus Aleatórius Semanallis
Tipo: pássaro.
Pontos de vida: 16
Pontos de salvamento: 12
Atributos:
Força: 3
Precisão: 3
Defesa: 3
Partes/Dado/Alcance/Efeitos
1. Bico/1d3+2/melee/nenhum
2. Asas/1d3+1/ranged 3/ empurrão 1
3. Esporão/1d6+3/melee 1/nenhum
4. Garras/1d6+2/melee 1/ chance 1 em 6 de agarrar personagem por 1 turno
Ponto fraco: Bico.
Peculiaridade: sopro de energia.
Personalidade: agressivo.
Origem: mutação.
Agora sim, criarei um monstro de tipo 7, totalmente personalizado. Mas antes, vamos a uma pergunta que muitos podem fazer; na verdade, a uma pergunta que eu mesmo fiz em relação ao livro antes de terminá-lo. Posso criar monstros sapientes que querem dominar ou destruir o mundo como nos mitos de Cthulhu? Não, os monstros de Kashu! RPG são animais fantásticos e gigantescos, mas são tão bichos quanto os bichos reais, quanto um hipopótamo por exemplo. Agirão como animais, sejam agressivos ou não. Mas isso não me impede de imaginar versões bestiais de monstros lovecraftianos. Para o meu personalizado, não rolei dados e dei um nome próprio.
Para criar um monstro personalizado, um novo tipo de kaiju, o mestre escolhe livremente de 3 a 4 partes disponíveis nos tipos 1 a 6. resolvi que o meu monstro teria 4 partes. Ora, se o mestre escolhe livremente as partes que o monstro terá e o ponto fraco será escolhido sem o uso de dados, não faz sentido o mestre usar a sorte para escolher peculiaridade (poder), personalidade e origem. Pontos de salvamento, vida e atributos só serão rolados se o narrador quiser manter a dificuldade do grupo o mais aleatória possível. Lembrando que, nesse monstro personalizado, eu não usei dados.
Ficha de Kaiju de Kashu! RPG
Nome: Xuxuquinho
Tipo: personalizado.
Pontos de vida: 11
Pontos de salvamento: 13
Atributos:
Força: 1
Precisão: 3
Defesa: 3
Partes/Dado/Alcance/Efeitos
1. Tentáculos/1d3+2/ranged 3/puxe um personagem até 1d3 espaços para perto com ação livre.
2. Asas/1d3+2/ranged 3/ empurrão 1
3. Garras/1d6+2/melee 1/chance 1 em 6 de agarrar personagem por um turno.
4. Cauda/1d3+1/ranged 2/empurrão 2
Ponto fraco: cauda.
Peculiaridade: pés ligeiros.
Personalidade: pacífico.
Origem: espécie alien.
Na história que criei, esse tipo de monstro, alienssaurus fofuchus, ganhou má fama por assustar um menino medroso que se tornou um escritor influente, mas que tinha uma personalidade muito duvidosa e vários preconceitos.
“Poxa, também quero uma ficha econômica do personagem jogador?” – tudo certo, lá vai minha sugestão:
Ficha de Humano Combatente de Kashu! RPG
Nome:
Idade:
Especialização:
Habilidade da especialização:
Pontos de Vida:
Pontos de Salvamento:
Força:
Precisão:
Mobilidade:
Defesa:
Habilidade de fótons:
Equipamentos:
Anotações:
Uma coisa que pensei agora, tendo em vista o uso da regra de ouro, é: na possibilidade do mestre ter apenas um jogador, o jogador interpretar o kaiju e o mestre interpretar os demais personagens incluindo a força tarefa que lida com o kaiju. Neste caso, o kaiju deve ser totalmente aleatório ou, se personalizado, sortear alguns pontos como vida, salvamento etc. Sistemas simples como o de Kashu! são ótimos para criar ou acrescentar regras diferentes e experimentá-las.
Observação: melee significa corpo a corpo e ranged significa à distância.
Prestigiem os pequenos eventos de quadrinhos nas suas respectivas cidades. Este garimpo tem periodicidade indefinida, mas, se você quer conhecer mais, na área de pesquisa deste blog, digite “garimpando” e clique no botão “pesquisar”. Assim, você verá tanto os outros garimpos de eventos como o “Garimpando em Gibiterias”.
Boas leituras e bons jogos!
Rodrigo Rosas Campos
P.S.: dados perfeitos sempre terão a soma de seus lados opostos igual ao total de lados mais 1. Assim, a soma dos lados opostos de um dado de 6 faces é 7, de 20 é 21 etc.
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