sábado, 30 de abril de 2022

[Resenha] Fronteiras de Daniel Esteves, Alex Rodrigues e Wanderson de Souza

Fronteiras de Daniel Esteves (texto), Alex Rodrigues (lápis e arte-final) e Wanderson de Souza (arte-final) nos traz uma distopia em que duas nações vizinhas entraram em guerra e as feridas nunca foram de todo cicatrizadas. Neste contexto, Soledad cresceu numa vila só de mulheres e precisa encontrar seu pai para desvendar o mistério sobre o assassinato de sua mãe. Isso depois que o corpo de um general inimigo reaparece.

    Acontece que o pai de Soledad era um soldado do país que invadiu e devastou a nação dela. Hoje, esse homem tem um pingente que o liga a tribo de Soledad, mas está sem memória em seu país natal, onde é tratado com todas as honras de um herói de guerra. É muito perigoso para Soledad ir até o país de seu pai, mas ela vai na intenção de encontrá-lo e levá-lo para sua aldeia para desvendar os mistérios desenterrados com o cadáver do general sobre o assassinato de Yla, sua mãe.

    Ir além daqui é entrar no terreno do spoilers. Fronteiras traz um mundo novo, dividido entre fronteiras políticas, sociais e econômicas. Fronteiras essas reforçadas por muito preconceito, mas por muito preconceito mesmo. A nação que agride não reconhece o direito de liberdade e autonomia da agredida. Parece o nosso mundo, mas é um mundo fictício onde as liberdades poéticas do texto de Daniel Esteves e os magníficos traços de Alex Rodrigues e Wanderson de Souza nos mostram a importância da paz e do respeito a soberanias, culturas e etnias.

    Quem está habituado a ler livros sobre guerras reais, verá que a guerra prejudica os dois exércitos que lutam nela. Apesar de o cenário não ser real, das duas nações vizinhas serem fictícias, Fronteiras não é uma aventura, é a história de uma mulher, vítima de uma guerra, em busca de seu pai, um ex-soldado do exército do país agressor. Uma história que está longe de ser alegre, mas que nos traz reflexões fundamentais. Gostei muito desta história.

    A edição tem capa cartão colorida com orelhas, lombada quadrada, miolo em preto e branco, formato Asterix, com a qualidade da editora Zapata Edições. Está a venda no site da editora com desconto de 16% no lançamento a R$ 36,00 mais o eventual frete. Pode demorar um pouco, uma vez que os apoiadores do financiamento coletivo podem estar recebendo ainda.

Boas leituras,

Rodrigo Rosas Campos



sexta-feira, 29 de abril de 2022

[Resenha] Piratas do Cangaço de Al Stefano


“ ‘O sertão vai virar mar’ – a profecia de Antônio Conselheiro na obra Os Sertões, de Euclides da Cunha, se realizou.
    Convido você a conhecer um outro Nordeste, um outro Sertão e um novo cangaço, no qual caravelas e barcos a vapor permeiam as muitas ilhas recheadas de aventuras e possibilidades.” (Stefano, p.4, 2022).

    Normalmente, não começo minha resenha com uma citação do autor, mas estas frases resumem o contexto de Piratas do Cangaço de Al Stefano, textos e desenhos. O sertão nordestino virou mar, mas o mar não virou sertão e a Terra é povoada de animais antropomorfizados, ou seriam homens animalizados? Bom, a resposta desta pergunta nem faria tanta diferença prática. O importante nesse novo contexto é que o Nordeste brasileiro submergiu quase todo e o que restou de terra seca foram ilhas, onde outrora havia as terras que formavam os Estados.

    Nesse novo mundo, os cangaceiros são piratas que povoam o Mar do Sertão e desafiam a autoridade da marinha da República. Nossa história começa quando chega a notícia de que o capitão Labareda foi capturado no México e está voltando deportado para ser executado pelas autoridades. Por motivos diversos, muitos piratas do cangaço querem impedir a execução do maior dos piratas/cangaceiros do Mar do Sertão.

    Tomam o protagonismo nessa história os ex-marujos de Labareda, agora cada um capitão de seu respectivo navio, Vela Seca, um bode, Carcará, um carcará mesmo e Fogueteira, uma calango fêmea. Quem foram as pessoas que pagaram estes capitães para libertar o terrível Labareda e porque não deixar esse perigoso bandoleiro ser executado de uma vez? Responder isso é spoiler. Se os capitães piratas do cangaço trabalharam juntos e até que ponto, aí também é spoiler.

    A trama é muito bem escrita e brilhantemente desenhada. A narrativa gráfica é muito bem-feita e os diálogos dão o sotaque do Nordeste brasileiro para as histórias de piratas, ou seriam cangaceiros marinhos? Bom, não há diferença no contexto da trama.

    A edição tem capa cartão colorida com orelhas, lombada quadrada, miolo em preto e branco, formato Asterix, com a qualidade da editora Zapata Edições. A revista está a venda no site da editora com desconto de 16% no lançamento a R$ 36,00 mais o eventual frete. Pode demorar um pouco, uma vez que os apoiadores do financiamento coletivo podem estar recebendo ainda.


Boas leituras,

Rodrigo Rosas Campos

sexta-feira, 22 de abril de 2022

[Matéria] Astro City Voltou para a Image

Rodrigo Rosas Campos

 Nos EUA, a série Astro City de Kurt Busiek, Brent Anderson e Alex Ross começou no selo Image. Com a ruptura da sociedade da Image, foi para a Ws do Jim Lee, que vendeu a Ws para a DC mantendo o selo e mantendo Astro City autoral. Com a incorporação dos personagens de Jim Lee ao universo/multiverso DC, o selo Ws acabou e Astro City foi mandada para o selo Vertigo. Foi quando a Panini publicou e republicou a série do encadernado 1 ao 12.

Entretanto, ela continuou no selo Vertigo nos EUA para além do 12. Com o fim da Vertigo, Busiek leva Astro City de volta para a Image, que já republicou todos os encadernados e começou uma nova série. Resta saber se, aqui no Brasil, essa obra premiadíssima e uma das maiores responsáveis pela reconstrução dos super heróis será completada por alguma editora, já que a Panini parece não ter mais interesse.


terça-feira, 19 de abril de 2022

Resenha Compacta de O Grande Livro dos Vampiros de 35 Autoras


Só por garantia: Desaconselhável para menores de 18 anos.

    Já fiz a resenha desse livro, conto a conto inclusive. Acho que seria injusto não dar o mínimo de espaço a cada uma das autoras. Querendo uma resenha mais completa, clique aqui. Mas se você quer um apanhado do livro como um todo, sem se prender a detalhes de cada história, eis o suprassumo (um extrato) daquela resenha. Aqui, não falei de todos os contos, mas dou um apanhado geral de como os vampiros são usados de diferentes formas ao longo do livro por 35 autoras.

    Lançado aqui no Brasil pela editora Pipoca e Nanquim em 2021, O Grande Livro dos Vampiros é uma antologia de contos de vampiros publicada originalmente em 2017 pelo editor inglês Stephen Jones com o título original de The Mammoth Book of Vampire Stories by Women. Estes textos foram originalmente publicados em várias revistas literárias da Austrália, Canadá, EUA e da Inglaterra. São 35 histórias em 724 páginas de 35 autoras. Escritoras do quilate de Angela Slatter, Anne Rice - a mais conhecida no Brasil -, Mary Elizabeth Braddon - uma das mais famosas e importantes do mundo-, Mary E. Wilkins-Freeman, E. Nesbit, Edith Wharton – uma das mais influentes hoje -, Kathryn Ptacek, Pat Cadigan, Mary A. Turzillo, Nancy A. Collins, Louise Cooper, Chelsea Quinn Yarbro, Elisabeth Massie, Ellen Kushner, Connie Willis entre outras.

    Como todos os mitos, as lendas de vampiro começaram na tradição oral antes de ganharem seus primeiros registros na literatura em várias partes diferentes do mundo e em vários contextos históricos. Assim, cada conto pode mostrar um vampiro completamente diferente dos demais. Alguns inclusive andam de dia, o que não é o caso da maioria hoje. E o que os une afinal? Vampiro é um ser que suga energia vital dos vivos, as vezes sugando a energia propriamente dita, as vezes roubando essa energia através do sangue, sugando sangue, que é, hoje, o mais comum e conhecido. As vezes sugar energia se dá só como uma forma de obsessão simples, ou seja, de relacionamentos abusivos. Enfim, cada um destes contos apresenta uma variação de vampiro e algumas variações podem ser bem antagônicas à imagem mais comum que você possa ter.

    De fato, com base nesta e em leituras anteriores, parece que os vampiros começaram a ficar mais uniformes depois de Carmilla e Drácula. Quanto mais antigos são os textos, mais distintos são os vampiros. Com efeito, a personagem Ora Brand é de 1937 e já está bem na transição entre o Drácula e as suas contrapartes do cinema influenciadas por Nosferatu e a Sonja Blue, uma das mais atuais. Tendo isso em vista, as 35 histórias do livro são de 35 universos diferentes, são 35 variações de vampiro tiradas das infinitas variações existentes e que ainda podem ser inventadas. O Grande Livro dos Vampiros foi R$69,90 na pré-venda mais o eventual frete.

    Outro ponto a ser lembrado com esse tipo de publicação é que estilos diferentes de escrita podem influenciar a velocidade de leitura dos leitores de acordo com os respectivos gostos pessoais. Não se assustem se demorarem mais em um conto do que em outro, isto não está vinculado só ao número de páginas, mas ao quanto a autora te prendeu na história mais do que a anterior ou a próxima. Uma dica é tentar resistir a busca pelos títulos e autoras que mais te atraírem e tentar ler de forma linear, na ordem do livro. O fato de serem 35 contos seguidos com o mesmo tipo de protagonista (ou antagonista) também pode colaborar para uma estafa. Não são apenas 35 histórias de terror com alguns vampiros, todos os 35 contos são de vampiros. Se você tiver outras coisas para ler, é bom intercalar as leituras com os contos de vampiro desse livro. Afinal de contas, cada conto é uma história diferente e eles não são interligados mesmo. É um livro que pode ser interrompido sem culpas e retomado sem problemas. Se você não conseguir resistir a tentação de pular para os títulos ou para as autoras que mais te atraem, sugiro que o faça da forma mais linear possível, que foi o que fiz.

    A imagem da capa da edição brasileira foi feita aqui mesmo por Wagner Willian e remete aos cartazes de filmes clássicos de vampiros da Hammer Film. Cada trama é um universo próprio, pois cada autora tem sua própria visão do vampiro e o vampiro é sempre usado em um contexto diferente para passar uma mensagem diferente. Ou seja, vampiros e vampiras são atores e atrizes bem versáteis. Através deles, temas variados como o medo da morte, medo do envelhecimento, vício em drogas, solidão, relacionamentos abusivos, amores frustrados, crimes passionais, vaidades, egoísmos, rancores, desejos reprimidos entre outros podem ser abordados. Fora que o livro também conta com vampiros que interpretam heróis e anti-heróis em simples aventuras de ação despretensiosas feitas só para divertir. Realmente os vampiros se prestam a vários papéis.

    A maioria dos textos é bem recente, de 1990 até hoje. Com efeito, 14 dos 35 contos foram originalmente publicados em 2001. Só 11 textos vão de 1896 até 1988. Em se tratando de Brasil, O Grande Livro dos Vampiros preenche algumas lacunas, poucas, mas preenche. Muitas das autoras do livro eram inéditas no Brasil, mas inéditas como um todo, não só inéditas enquanto autoras de histórias sobre vampiros. São raras as escritoras no livro que se dedicam exclusivamente a escrever sobre vampiros. Muitas delas ganharam prêmios por obras bem maiores.

    A edição é capa dura, bem produzida, padrão Pipoca e Nanquim, feita para durar. Lembra os livros do saudoso Circulo do Livro. Este livro merece uma edição mais barata? Sim, uma vez que suas histórias têm potencial para formar novos leitores. Fora que apresenta várias autoras com obras que não se resumem a histórias de vampiros. Agora vamos para as perguntas que não querem calar:

    Tenho que ler aquelas fichas das autoras antes de cada conto? Melhor não. É melhor que você só leia as fichas daquelas que te agradaram depois de ler cada conto que te agradou. Por que? Algumas dão pistas sobre os contos do livro e para leitores mais atentos podem ser spoilers involuntários. Outras podem levar sua expectativa para patamares estratosféricos, afinal, todas são bem premiadas e consagradas, mas você tem o direito de não gostar de um ou outro conto.

    Alguns contos fazem parte de séries maiores? Sim. Preciso ler algo antes para entender os contos que fazem parte de séries maiores? Não. Nenhuma leitura prévia é necessária para nenhum conto deste livro. Ainda que fosse, cada conto é precedido de um texto (uma ficha, por assim dizer) sobre a autora com biografia e obra. Dos 35 contos do livro, 6 fazem parte de séries maiores e 29 são histórias completamente independentes. As fichas das autoras mostram que algumas delas possuem séries com vampiros, mas que trabalharam diferentes versões do vampiro ao longo da carreira. Logo, só contei como parte de série os contos em que as fichas das autoras não deixam margens de dúvidas quanto a isso.

    Eu gostei do livro? Sim. A maioria dos contos são bons? Sim. Neste ponto cabe destacar que gostar ou não gostar de uma ou de algumas dessas histórias denota apenas gosto pessoal na maioria dos casos. A curadoria de Stephen Jones primou pela escrita tecnicamente bem-feita, ou seja, levando em conta apenas a redação, quase todas as autoras são excelentes. Quase não há barrigas em nenhum dos contos. Em geral, gostar ou não gostar de um texto desse livro é gostar ou não gostar da história em si. Ou dito de outra forma, quase todas as histórias são bem contadas, muito bem contadas. Qual conto que mais gostei? A Escadaria Noturna, escrita por Angela Slatter roubou meu pescoço e meu coração.

    Quais contos eu menos gostei? Aqui, não seria justo falar apenas de um conto que eu não gostei: Ano Zero, por ser mal escrito mesmo; se é para fazer introspecção psicológica em um personagem só, use a primeira pessoa, não a terceira. Esse eu abandonei a leitura na época que li. Também abandonei a leitura de Assim Vai-se o Mundo que parece um texto de quadrinhos que não encontrou desenhista e que parece a edição 5 de uma minissérie de 12 edições. Estou sem paciência para isso no momento. Não encontrei o Grande Livro dos Vampiros numa seção de usados de gibiteria e, ainda que fosse o caso, o livro me prometeu histórias completas de verdade. La Diente é uma ofensa aos latino-americanos, embora seja bem escrito. Hisako-San também é um conto bem escrito, mas destila preconceito contra japoneses.

    Vale o alto preço (mais o eventual frete)? Essa é uma pergunta com várias respostas: pela qualidade gráfica, sim. Se você gosta de terror e horror em geral, sim. Se você curte histórias variadas de vampiros com diferentes visões dos mesmos, sim. Se você já é fã de uma ou mais autoras presentes no livro, sim, e este é o meu caso. Já era fã de Anne Rice (Entrevista com o Vampiro, Pandora etc.) e de Pat Cadigan (série Wild Cards e Mulheres Perigosas); dificilmente as histórias delas nesse livro seriam publicadas no Brasil de outra forma pela triste realidade de nosso mercado editorial. Se você quer experimentar várias autoras ao mesmo tempo, sim. Vale ressaltar aqui que: a grande maioria dos contos, das autoras e até de alguns personagens recorrentes presentes em O Grande Livro dos Vampiros pela Pipoca & Nanquim, era inédita no Brasil. Eu gostei da maioria dos contos, então, para mim, o preço compensou, mas este é o mais subjetivo de todos os critérios.

    Abandonei a leitura de Algum conto? Sim. Mesmo levando em conta a maioria dos contos que eu não gostei, a maioria dos textos é tão bem escrita que só abandonei a leitura de 2 dos 35 contos. Posteriormente, até consegui retomar e terminar os 2 abandonados, embora ainda não tenha gostado deles, mas não tinha nada novo para ler. Com efeito, completos eles ficaram ainda piores.

    Há versão digital disponível? Sim, R$10,00 mais barata na época. Uma consideração final se faz mister: apesar de não brilharem feito purpurina (ou mármore), muitos destes vampiros andam de dia, ainda que preferindo a noite. E para os que ainda não leram Drácula, leiam o livro.

Boas leituras!? É um livro de terror e horror, bons sustos e pesadelos, hahahahaha!

Rodrigo Rosas Campos



domingo, 17 de abril de 2022

Garimpando Em Gibiterias: As Fúrias Femininas de Cecil Castelucci e Adriana Melo


 Para maiores de 18 anos (em idade mental também)!

    O mercado de quadrinhos no Brasil é muito fraco, sejamos honestos. Lá fora, grandes obras permanecem em catálogo permanente tal como livros clássicos. Os editores de quadrinhos nacionais são bem imediatistas e até mesmo obras como Fradim, Watchmen, Piratas do Tietê e Maus ficam difíceis de encontrar de tempos em tempos. A série “Garimpando em Gibiterias” fala de quadrinhos que valem a pena “garimpar” em gibiterias, sebos, estoques antigos de livrarias virtuais, feiras de livros e, se a grana estiver muito curta, em bibliotecas públicas. Sim, existem quadrinhos em bibliotecas públicas, é só procurar.

    Não escrevo muito sobre a DC e a Marvel. Já tem gente demais falando sobre “as duas grandes” e, na maioria das vezes, nem é pelos quadrinhos. Mas a pedra garimpada de hoje é As Fúrias Femininas com textos de Cecil Castelucci e desenhos de Adriana Melo, sim, ela é do Brasil. Juntas, as autoras dão uma visão feminina das personagens femininas mais emblemáticas de Jack Kirby em seu Quarto Mundo. Mas vamos com calma.

    Antes de mais nada, o(a) leitor(a) não é obrigado a ter nenhuma leitura prévia para entender As Fúrias Femininas. É uma história completa e autocontida de verdade, pode confiar. Publicada originalmente nos EUA em uma minissérie em 6 edições da DC Comics em 2019, ela chegou ao Brasil pela Panini em um encadernado único, formato americano e capa dura em 2021.

    Foi caro na época, talvez ainda esteja um pouco salgado, mas vale muito a pena. E sim, esse quadrinho tem política, como tudo que é feito dentro de uma sociedade de seres humanos seja lá o que for. Tirado esse elefante da sala, quem não quiser continuar que vá embora, vamos continuar.

    A história se passa no planeta Apokolips em sua eterna guerra com o planeta vizinho e irmão Nova Gênese. Apokolips é governada pelo tirânico Darkseid. Acompanhamos a história pelos olhos de Vovó Bondade e seu time de guerreiras de elite, as Fúrias Femininas.

    Uma tropa de guerra de elite só de mulheres, elas devem ser muito respeitadas e temidas pelos seus pares, não é? Infelizmente, não. Assim como em nosso planeta e em nossa realidade, as Fúrias sofrem todos os tipos de abusos por seus pares e superiores masculinos. Precisam se esforçar muito por reconhecimentos pífios e sofrem todos os tipos de abusos cometidos contra todas as mulheres em uma sociedade patriarcal.

    Não pensem os leitores que a tirania de Apokolips só é uma ameaça para Nova Gênese e outros planetas, como a Terra, inclusive. As fúrias femininas também sofrem com a tirania absolutista de Darkseid ao mesmo tempo que são instrumentos dessa mesma tirania contra o restante da população oprimida de Apokolips.

    Mas entre as fúrias está Auralie, que grita abertamente contra os abusos de seus superiores masculinos e cujo exemplo pode mudar a postura das demais, e a Grande Barda, que se apaixona por um Neo Genesiano. Serão estes exemplos suficientes para que as fúrias comecem uma revolução total em Apokolips contra Darkseid e o patriarcado opressivo que ele representa? Responder isso agora, seria dar spoilers.

    Como já foi dito, há momentos pesados na revista, ela não é aconselhada a menores de 18 anos. Talvez possa ser lida por adolescentes, mas só pelos(as) mais maduros(as). Não acompanho DC mensalmente há muito tempo. Li essa edição sem saber se ela é o cânone do universo DC do Renascimento ou se ela era uma realidade 100% alternativa. Mas isso não importa de verdade; As Fúrias Femininas é uma obra brilhante que trata de questões delicadas e sérias usando a ficção científica e o universo de Jack Kirby na DC com uma maestria ímpar e de forma impecável.

    Para os que leram o Quarto Mundo de Jack Kirby, As Fúrias Femininas de Cecil Castelucci e Adriana Melo traz uma releitura completa, ou seja, não espere fidelidade aos acontecimentos e previsões da obra original. As ideias de Jack Kirby foram respeitadas, mas as autoras concluem a obra inacabada do rei do jeito delas. Basicamente, é uma visão de um Quarto Mundo alternativo. Uma alternativa que só foi possível graças ao brilhante olhar feminino de suas autoras.

    Na minha cronologia pessoal, As Fúrias Femininas são um universo paralelo a partir da história publicada originalmente nos EUA em Mister Miracle #8 de 1972 (volume 6 da Panini). As Fúrias Femininas é uma obra tão válida quanto a obra original, pois as ideias de Kirby sobre Darkseid e o nazismo que o personagem representa estão lá.

    Se você é um purista chato ou um misógino machista fingindo ser purista chato, ficção não é religião, quer cânone, vá a uma igreja. Deixe seus comentários com carinho e educação, pois eles serão lidos com carinho e educação.

    E só para lembrar, a DC não permitiu que Kirby concluísse a sua obra, o Quarto Mundo ficou inacabado em meio a uma ponta solta que poderia ser livremente interpretada e amarrada pelos futuros profissionais contratados da DC. Cânone ou não, seja de que universo for, Cecil Castelucci e Adriana Melo realizaram uma produção oficial da DC. As duas melhores editoras da DC de todos os tempos foram mulheres. Se você é um machista sem talento que reclama por puro preconceito, receba!

    Este garimpo tem periodicidade indefinida, mas, se você quer conhecer mais, na área de pesquisa deste blog, digite “Garimpando em Gibiterias” e clique no botão “Pesquisar”. Ou digite apenas “garimpando” e encontrará títulos a mais em garimpos de eventos. Faça a mesma coisa no site Literakaos.


    Boas leituras!

    Rodrigo Rosas Campos

sábado, 16 de abril de 2022

Garimpando Em Gibiterias Especial: Quarto Mundo de Jack Kirby Completo no Brasil em 9 Volumes

Alerta de Spoilers!
Trata-se de um clássico de Jack Kirby, alguns spoilers são inevitáveis!
Outro aviso que precisa ser dado antes de entrarmos na introdução do garimpo de gibis é que esta resenha se limita a saga original de Jack Kirby.
Agora, sim, ao garimpo:


    O mercado de quadrinhos no Brasil é muito fraco, sejamos honestos. Lá fora, grandes obras permanecem em catálogo permanente tal como livros clássicos. Os editores de quadrinhos nacionais são bem imediatistas e até mesmo obras como Fradim, Watchmen, Piratas do Tietê e Maus ficam difíceis de encontrar de tempos em tempos. A série “Garimpando em Gibiterias” fala de quadrinhos que valem a pena “garimpar” em gibiterias, sebos, estoques antigos de livrarias virtuais, feiras de livros e, se a grana estiver muito curta, em bibliotecas públicas. Sim, existem quadrinhos em bibliotecas públicas, é só procurar.

    A pedra garimpada de hoje é uma série, mais precisamente a primeira vez que a maior obra de Jack Kirby, texto e desenhos, na DC foi publicada decentemente no Brasil pela Panini; estou falando do Quarto Mundo.

    Quase não escrevo sobre DC e Marvel. O motivo é simples, elas se mantém no hype o tempo todo e não necessariamente em virtude se seus produtos originais, as histórias em quadrinhos. Hoje, os maiores fãs da DC e da Marvel nunca leram sequer uma tira da Mônica (quando brasileiros) ou uma tira da Luluzinha (quando estadunidenses). A prova disso está na qualidade predominantemente deprimente e sem fundamento algum em comentários feitos por eles sobre qualquer coisa vinculada aos super-heróis dessas duas editoras nas tóxicas redes sociais. Mas vamos falar sobre o Quarto Mundo.

    Antes, porém, só um pouquinho de bastidores: Jack Kirby oscilou entre as “duas grandes” editoras de quadrinhos em toda sua carreira, até mesmo antes delas serem oficialmente a Marvel e a DC que conhecemos hoje. Com efeito, ele volta para a DC para realizar o Quarto Mundo depois da briga com Stan Lee, com quem praticamente criou a Marvel como a conhecemos hoje. Na época, a DC prometeu a Kirby carta branca. Cumpriu? Até a página 2.

    De fato, Kirby teve liberdade para escrever o que queria, mas teve que incluir elementos do universo corrente da DC no pacote, submetendo suas criações ao universo DC da época (anos 1970) e não pode sequer completar sua saga como queria. Superman, Desafiador e alguns personagens que ele mesmo tinha criado na DC antes de voltar a trabalhar com Stan Lee entraram na história do Quarto Mundo. Essa e outras histórias mais completas estão no livro Marvel Comics: A História Secreta, que dá pinceladas inevitáveis da DC e da Image original. Mas chega de bastidores (ao menso por ora) e vamos a história do Quarto Mundo em si.

    Não fiz uma resenha edição por edição, pois isso seria chato, fora que alguns spoilers já são inevitáveis, tentei estragar a experiência dos leitores o menos possível. Saiba de antemão que tudo está conectado. Como já disse, Kirby queria fazer um universo a parte, mas teve que inserir elementos do universo DC em sua história e sua história dentro do universo DC da época.

    Um dos motivos que explicam o sucesso maior de Kirby com outros escritores do que sozinho é o que torna Quarto Mundo uma história um pouco difícil de ler até para os dias de hoje, mesmo depois de sagas como Crise nas Infinitas Terras: Kirby tinha pressa, muita pressa, ele botava o máximo de personagens em pouco espaço de tempo com muitas informações. Se para nós, em pleno 2022, Kirby soa como uma cacofonia no primeiro olhar, imagina para o público em outubro de 1970, quando sai a primeira edição da saga na revista americana do Jimmy Olsen. Sim, o amigo normal do Superman já teve revista própria e foi nela que o Quarto Mundo se iniciou.

    Hoje é fácil resumir a história toda: no espaço, dois planetas, Nova Gênese e Apokolips, travam uma guerra eterna. Darkseid, o terrível tirano totalitário e autocrático de Apokolips descobre que a equação anti-vida se encontra num insignificante planeta chamado Terra. Cabe ao Pai Celestial, governante de Nova Gênese, enviar forças à Terra para impedir que a equação caia nas mãos de Darkseid. Mas a Terra também tem heróis que, eventualmente, irão se juntar aos novos deuses de Nova Gênese contra Darkseid. O que eles não contavam era que Darkseid já vinha atuando na Terra há muitos anos enviando vários de seus asseclas para buscar a equação anti-vida e preparar o terreno para uma possível invasão com aliados humanos terrestres inclusive.


    A história começa no meio sob vários aspectos, até nisso Kirby era revolucionário. Informações são jogadas e é o tempo que as conectam. A parte triste é que muitas pontas ficaram soltas para depois de Kirby e ninguém as amarrou a contento depois (ao menos não para mim). Mas aqui, já estou antecipando parte de minha conclusão.

    A história do Quarto Mundo foi contada ao longo de várias revistas originais, vamos começar por Jimmy Olsen. É aqui que aparece a nova Legião Jovem, o Projeto D.N.Alien (Cadmus nas traduções da E.B.A.L. e Abril), a misteriosa Área Selvagem, a volta do Guardião e é na edição 135 desta revista que Darkseid aparece pela primeira vez fornecendo tecnologia e armas para gangsters e para o magnata da comunicação Morgan Edge.

    O Povo da Eternidade é um grupo formado por jovens heróis de Nova Gênese que vem a Terra para resgatar sua parceira, Belos Sonhos, e impedir que Darkseid encontre a equação anti-vida na Terra. A número 1 dessa revista foi publicada em 1971, mas se passa antes da primeira história publicada em Jimmy Olsen.

    Novos Deuses mostra a história de Nova Gênese e Apokolips, apresenta alguns novos deuses e mostra a vinda de Órion à Terra para impedir os planos de Darkseid. Com efeito, Órion é o astro do título e ele e seus aliados humanos aparecem na maior parte do tempo.

    Senhor Milagre mostra as aventuras de Scott Free, um fugitivo de Apokolips que vem a Terra para fugir da guerra e acaba tomando o lugar de um escapista conhecido como Senhor Milagre depois que o famoso mágico morre. Atrás dele viria a Grande Barda, uma fúria feminina renegada e desertora, e muitos problemas e revelações.

    Nos EUA, estas quatro revistas saíram de 1970 até 1974 com duas continuações, uma em 1984 e a Graphic Novel The Hunger Dogs em 1985. Todas essas edições só foram publicadas na ordem certa no Brasil pela Panini nessa série. Outras editoras brasileiras tentaram antes, mas não rolou.

    Bom, Kirby mandava muito nas revistas, mas teve que incluir o Superman na jogada e não pôde dar a conclusão que ele queria: Darkseid seria morto por um filho, Órion. Todavia, é aqui que alguns spoilers inevitáveis começam. A história é tão complexa que não dá para comentar os pontos positivos, negativos e o porquê eu gostei sem revelar o que aconteceu na história ou nos bastidores da história. Se quiser, pode garimpar as 9 edições da Panini e depois voltar a esta resenha.

    Ficou aqui? Ou você já leu ou não liga para spoilers. Vamos lá! Se você acha que quadrinhos de super-heróis e politica não se misturam, o Quarto Mundo não é para você. É preciso ser completamente ignorante para não relacionar Darkseid e nazismo, até porque o personagem cita máximas nazistas o tempo todo. O sistema de governo de Darkseid é uma metáfora tão escancarada do nazismo que para os que prestaram atenção mínima em aulas de história da escola soa como uma comparação simples e não como uma metáfora.

    Fora que estamos falando de Jack Kirby, cocriador do Capitão América, que apareceu em sua primeira capa socando Hitler. Só um tolo acha que quadrinhos não são políticos quando tudo na vida humana é política. Vale lembrar que os mesmos discursos de Darkseid são repetidos pelos seus asseclas o tempo todo na história. Idolatria ao líder, manipulação de notícias, censura, todos os métodos da propaganda nazista são usados por Darkseid. Só não enxerga quem não quer enxergar.

    O Quarto Mundo também é considerado uma das melhores fases do Superman. Mas precisamos explicar uma coisa aqui: para leitores de quadrinhos, as melhores histórias do Superman são aquelas em que ele apareceu tão fragilizado quanto eu ou você em relação às ameaças. Pois bem, o Anti Projeto D.N.Alien cria monstros que lutam em pé de igualdade com o Super; toda vez que ele enfrenta um novo deus de Apokolips ou de Nova Gênese é mostrado que ele é mais fraco que qualquer um deles; sim, Kirby colocou herói contra herói também na DC.

    Quando o Superman vai até a Super Cidade em Nova Gênese (volume 6 da coleção da Panini no Brasil, páginas 33 até 58), ele é mais fraco que uma donzela de Nova Gênese que o acusa de sexista por ter tentado ajudá-la quando ela nunca precisou da ajuda dele. Isso é mostrado, o Superman é inútil em relação aos novos deuses, ele é super em relação aos terráqueos não a todos os seres do universo ou da existência.

    O próprio projeto D.N.Alien cria seres visivelmente mais poderosos que o Superman, e era o Superman da era de prata. E para os defensores de um certo cineasta “visionário” que nunca leram nem uma tira da Luluzinha (ou da Mônica), o Lobo da Estepe morreu antes de Darkseid invadir a Terra. Com efeito, os únicos buchas dessa história são os parademônios.

    E se você acha que Kirby ficou preso na segunda guerra, você errou. Há uma alusão direta ao racismo norte-americano e a guerra do Vietnã no Quarto Mundo. No volume 6 da Panini, páginas 161 e 162, há uma história solo de Vykin, o Negro, antes dele vir para a Terra com o Povo da Eternidade. Quando o personagem apareceu pela primeira vez se apresentando como Vykin, o negro, confesso que me senti incomodado, eu via que ele era negro, mas havia uma intenção, Kirby não queria deixar dúvidas de que usaria o personagem para falar de racismo e falou.

    Por falta de escolhas sociais, a maioria dos soldados que foram ao Vietnã eram negros. Lá, eles enfrentavam uma guerra de guerrilha e os vietcongs cavavam verdadeiros labirintos subterrâneos sob as matas. Isso é história real, é só procurar que você achará. Na história do volume 6 da Panini, páginas 161 e 162, Vykin enfrenta monstros de Apokolips numa caverna de Nova Gênese enquanto crianças brancas brincam despreocupadamente acima dele. Isso é uma metáfora clara da relação entre o racismo estadunidense e a guerra do Vietnã na época.

    Não pense o(a) leitor(a) apressado(a) que Kirby condenou os vietcongs que lutavam na guerra, ele condenou o racismo estadunidense que mandou deliberadamente uma maioria negra de jovens para morrer no Vietnã. Duvida, vá pesquisar, mas pesquise direito, procure os livros impressos que a Wikipedia indica em seus melhores artigos, vá a bibliotecas reais, leia livros, mas livros de historiadores sérios que passaram por faculdades, não é tão difícil, basta ser alfabetizado.

    As intrigas das famílias reais dos dois planetas, Nova Gênese e Apokolis, já estão tão marteladas por toda Internet, que nem vou perder tempo repetindo o que todos sabem, sejam por que leram os quadrinhos ou por se informarem antes de ver os filminhos de cineastas “visionários”. Acerca dessas intrigas palacianas, a troca de filhos dos reis como pacto de não agressão tem fundamento na nossa história real também.

    Como isso é uma resenha e tenho que dar minha opinião, antes de continuar, revelarei que gostei muito do Quarto Mundo de Jack Kirby. Foi a mãe de todas as sagas, o modelo seguido por todos até hoje. É uma história que deve ser lida por todos os leitores que amam quadrinhos em geral e especialmente super-heróis. Mas por que estou enfatizando que eu gostei agora desse jeito? Nem sempre entendi Kirby e mesmo o entendendo agora, não o acho um escritor perfeito. Apesar de sua narrativa gráfica impecável, seus diálogos e textos de recordatório deixam um pouco a desejar, mas vamos continuar.

    Bom, antes de eu me esquecer, a melhor maneira de ler esta grande história, literalmente e em todos os sentidos, é reunir os 9 volumes e depois ler na ordem. Outra coisa a ser destacada são os extras: capas originais, textos de grandes nomes dos quadrinhos americanos fazendo introduções, algumas páginas a lápis de Kirby, mostrando que os arte-finalistas não alteraram só o rosto do Superman, mas o S, que Kirby fez bem parecido com o que Ross usaria no Reino do Amanhã, e fichas dos personagens que o leitor não deveria ler antes de terminar o final, sim, tomei spoilers por conta delas. Não condenem os arte-finalistas, estavam seguindo ordens dos executivos da DC, condenem os executivos da DC.

    Se você é um dos muitos envergonhados que implicam com o traço de Jack Kirby desde o Quarteto Fantástico, não se preocupe, eu também era, até ver o filme Metrópolis de Fritz Lang, disponível de graça no You Tube. São quatro horas, mas vale muito a pena. Kirby não desenhava daquele jeito só para acelerar a produção, vide o realismo das primeiras publicações do Capitão América na era de ouro. Ele tinha um motivo, emular a estética nazista (totalitária) nos vilões e a anti-nazista (libertária) nos heróis. Metropolis de Friz Lang também influenciou os criadores do Superman, Jerry Siegel e Joe Shuster, George Lucas entre tantos outros que não caberiam aqui.

    Kirby era melhor desenhista que escritor, isso é inegável. Seu maior defeito na escrita era a pressa. O quanto dessa pressa era de Kirby ou dos editores o pressionando, nunca saberemos realmente. Mas é fato que os trabalhos dele sem Joe Simon ou Stan Lee são apressados. Kirby também não era muito bom em escrever diálogos, sejamos admiradores honestos e não fãs imbecilizados.

    Voltando a pressa de Kirby, a história do Quarto Mundo é começada no meio e da perspectiva do Superman, do Jimmy e da Legião Jovem. De repente, todos sabem que a Área Selvagem existe e é fácil chegar até ela, que armas alienígenas estão aparecendo nas mãos de gangs de criminosos, sobretudo na Intergang, sendo que este Inter é de interplanetária, não de internacional, o Superman sabe do projeto D.N.Alien e o endossa, ele também sabe de Nova Gênese e da Super Cidade, enfim, é muita informação que deixa uma pá de pontas soltas. Como tudo que aparece já era de conhecimento de todos? Essa pergunta simples não foi respondida até hoje.

    As vendas na época não foram animadoras e a DC pediu o cancelamento das revistas do Quarto Mundo, pediu novas revistas para substituí-las e a trama ficou interrompida até 1984 e 1985, quando o final ficou aberto para que a DC pudesse reutilizar os personagens (até então novos) no futuro. A gente que lê quadrinhos e conhece o ritmo das mensais de super-heróis sabe que Kirby teria amarrado as pontas soltas, mas ele não teve tempo e nem vendas favoráveis na época para isso.

    Sobre as pontas soltas deixadas por Kirby, as que mais me incomodaram nunca foram devidamente retomadas pelos continuadores do universo DC como um todo. Como o Superman era conivente com o projeto D.N.Alien se eles manipulavam os genes dele e dos amigos dele? Como a Legião Jovem original se tornou parte do projeto? De onde brotou uma Área Selvagem perto de Metrópolis? Os cabeludos? Os neo-nazistas caçadores de humanos na Área Selvagem? Quando os asseclas de Darkseid chegaram na Terra? Todas essas perguntas ficaram sem respostas satisfatórias até hoje.

    Por outro lado, uma pergunta fica fácil de responder: onde estavam os outros membros da Liga da Justiça na saga original do Quarto Mundo? Na Marvel, os personagens sempre compartilham de forma plena o mesmo universo (contexto) desde Tocha-Humana original, Namor e Capitão América. Mas o universo DC nunca teve um compartilhamento pleno. Assim, só o Superman, os personagens que Kirby havia criado antes e o Desafiador aparecem no Quarto Mundo como personagens antigos.

    O Batman estava sendo o detetive protetor de Gothan, a Mulher-Maravilha estava resolvendo as coisas dela e nem mesmo as histórias da Liga da Justiça tinham impactos nos títulos individuais dos personagens se editores e escritores não desejassem. Ou seja, os outros heróis não apareceram por estarem resolvendo ameaças diferentes e simultâneas. Simples assim, não há o que discutir ou questionar. Depois de algum tempo, Darkseid seria eleito inimigo comum para vender bonecos e a DC adotaria a postura da Marvel de interligação total e plena, mas aí são outras histórias.

    Apesar desses detalhes envolvendo a pressa de Kirby de apresentar muito em pouco tempo e de sua deficiência em escrever diálogos, lendo uma história de Kirby completa, vemos que isso tudo era perdoável tendo em vista a genialidade e a inventividade do rei dos quadrinhos norte-americanos. A caixa materna foi uma antevisão dos smart phones, será que é uma questão de tempo para termos tubos de explosões? Bom, quem não gosta de Kirby dots pipocando nas páginas recheadas de ação que atire o primeiro raio ômega.

    Concluindo, você deve estar perguntando: “Mas se você deu spoilers inevitáveis, o que seriam os spoilers pesados?”. Ao longo do tempo, o Quarto Mundo foi retomado por vários autores, destaque para A Saga das Trevas Eternas, da Legião dos Super-Heróis, páginas inseridas em extras de encadernações do Reino do Amanhã, Lendas (logo depois da Crise nas Infinitas Terras), Odisseia Cósmica e, mais recentemente, As Fúrias Femininas de Cecil Castelucci e Adriana Melo. Nem todos os personagens de Kirby são ou foram retomados com frequência pelos autores que surgiram depois dele. Nesses personagens esquecidos residem os maiores spoilers da história original.

    O Quarto Mundo não foi um sucesso em sua época, mas redefiniu tudo o que veio depois. É um clássico incontestável. Influencia escritores e desenhistas de quadrinhos até os dias de hoje. Gerou filhos maravilhosos com o tempo, tanto na própria DC, quanto fora dela, a propósito, o Thanos é uma cópia do Darkseid. E tem influência até nos poucos autores independentes que fazem bons quadrinhos de super-heróis autorais, com destaque para Astro City. Isso sem contar as influências indiretas de autores influenciados por autores que foram influenciados por Kirby.

    E antes que alguém pergunte, aquela série de desenhos infantiloides em que o Darkseid queria se casar com a Mulher-Marvilha não conta! Nem os filmes de um certo diretor “visionário”.

    Deixe seus comentários com carinho e educação, pois eles serão lidos com carinho e educação. Este garimpo tem periodicidade indefinida, mas, se você quer conhecer mais, na área de pesquisa deste blog, digite “Garimpando em Gibiterias” e clique no botão “Pesquisar”. Ou digite apenas “garimpando” e encontrará títulos a mais em garimpos de eventos. Faça a mesma coisa no site Literakaos.

    Boas leituras!

    Rodrigo Rosas Campos

domingo, 3 de abril de 2022

[Resenha] Escafandro: Viúva Veneno de Milena Azevedo e Germana Viana

 

   A série de revistas Escafandro, da Ultimato do Bacon Editora, nos traz, em seu sexto lançamento, a história de Madeleine Maria da Silva, a Viúva Veneno, com texto de Milena Azevedo, desenhos, arte-final e cores de Germana Viana.

    É a primeira revista da série Escafandro com uma história que é inteiramente nova, ou seja, que não é uma adaptação (direta ou livre) de nada anterior. Milena Azevedo, a autora, com base em pesquisas sobre mulheres assassinas seriais, cria sua personagem, Madeleine, em meio a momentos marcantes da história do Brasil. Madeleine é sutil, envolvente e sedutora, mas o que a fez ser uma viúva-negra? Por que ela mata seus maridos? Ela já amou um dia? Qual seu modus operandi? Tudo isso está na leitura desta brilhante ficção realista em quadrinhos. Você não quer spoilers, quer? Foi o que pensei. Entre os extras há um texto de Flávia Gasi e uma ilustração das Senhoritas de Patins.

    Em Viúva Veneno, texto e arte se complementam de forma primorosa. As cores de Germana dão o tom e o contraste entre o como a Viúva se mostra e como ela está por dentro. Não se iluda com o jeitinho meigo, há veneno por trás de certos beijos.

    A revista estará a venda no site da Amazon a (aproximadamente) R$ 22,00 (mais o eventual frete) e em algumas gibiterias depois que todos os apoiadores do financiamento coletivo a receberem.

    O que esperar das próximas Escafandros? Histórias completas e em cores, autores e desenhistas nacionais. Se serão histórias novas como Viúva Veneno ou adaptações como o Vampiro, só o tempo dirá. Afinal, parte da revista é ter uma história que seja uma surpresa completa a cada edição. Vida longa a série Escafandro!

Boas leituras,

Rodrigo Rosas Campos


    P.S.: Eu poderia falar mais da série Escafandro e sua proposta, mas acho melhor que o leitor procure os vídeos sobre Escafandro no canal Sobrecapa.

    A série começou a ser publicada em 2021 com o Vampiro de Polidori adaptado para os quadrinhos pelo Laudo Ferreira. As duas seguintes também foram adaptações literárias fiéis (destaque para A Vida Eterna).

    A quarta e a quinta foram releituras bem arrojadas de personagens clássicos, Z, A Marca da Liberdade, uma reinterpretação do Zorro, e Miss Hyde, colocando uma descendente do Médico & o Monstro num futuro retrô no espaço.

    Viúva Veneno marca a primeira Escafandro com uma trama inteiramente nova. A sétima segue a linha de ser uma história totalmente nova e já está em financiamento coletivo. Mas cabe frisar que, cada Escafandro trará uma história completa e que o leitor só saberá do que a história se trata a medida em que os números forem anunciados. O leitor compra as edições que desejar, não há continuidade, cronologia, obrigação de acompanhar. Isso é respeito com o leitor.

    Vá ao canal. Se informe mais. Mais do que uma série de revistas, Escafandro é uma proposta editorial bem-vinda! Formadora de público. Boas leituras e até breve.

Garimpando No Evento Feira do Lavradio: Leitura Recomendada da Revista Traços RJ 17 e 20

  Neste evento, o que foi garimpado não foi um quadrinho, mas sim um periódico novo. E essa nova proposta é uma leitura recomendada.     As ...